sábado, 26 de junho de 2010

e.e. cummings


if you like my poems let them
Se gosta de meus poemas deixe-os


if you like my poems let them
se gosta de meus poemas deixe-os
walk in the evening,
caminhar à noite,
a little behind you
um pouco atrás de você

then people will say
aí as pessoas dirão
"Along this road i saw a princess pass
"Ao longo da estrada eu vi uma princesa passar
on her way to meet her lover(it was
a caminho de encontrar seu amante(era
toward nightfall)
perto do anoitecer)
with tall and ignorant servants."
acompanhada de servos altos e ignorantes."


ee cummings
lauro marques

sexta-feira, 25 de junho de 2010

AS POESIAS DE ANDRÉ WALTER




Em 1892, no ano seguinte à publicação de seu primeiro romance, intitulado "Os cadernos de André Walter", André Gide mandou imprimir, num pequeno volume, um complemento, composto apenas de 20 poemas, numerados em algarismos romanos. O título era “As poesias de André Walter (obra póstuma)”. Num prefácio à “edição definitiva”, que reúne as duas obras, de 1930, o autor escreve que é com um certo sofrimento que folheia os seus Cadernos, e mesmo com alguma mortificação, pela quantidade de defeitos que encontra na obra de juventude. “Ao contrário”, escreve ele, “eu leio com prazer algumas dessas Poesias que reapresento junto com os Cadernos. Eu as escrevi quase todas em menos de oito dias, pouco tempo após a publicação dos Cadernos, o que explica seu título, e essa atribuição a um André Walter imaginário, ainda que este estivesse já morto em mim. E mesmo não me parece que o André Walter dos Cadernos tivesse sido suficientemente capaz de os escrever; eu já o havia ultrapassado.”



A seguir, traduzo um poema deste livro:

XV



O PARQUE



Quando percebemos que a portinhola estava fechada,

Quedamos longo tempo a chorar;

Quando compreendemos que isso não serviria para nada,

Retornamos lentamente à estrada.



O dia inteiro, contornamos o muro do jardim,

De onde por vezes nos chegavam ruídos de vozes e de risos;

Pensávamos haver quem sabe festas sobre a relva,

E a idéia nos deixava melancólicos.



O sol à tardinha avermelhou os muros do parque;

Nós não sabíamos o que lá se passava, pois não víamos

Nada, a não ser os galhos que, por detrás do muro, se agitavam

E os quais deixavam cair, de tempos em tempos, folhas.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O SILÊNCIO DO ASCETA (SEGUIDO DE UMA NOTA INTERCALADA)

Fala o asceta:
– E quando não tiver mais nada para dizer? Ora, mergulhar no silêncio é uma tarefa muito fácil e agradável. Os sons e os ruídos que brotam como bolhas na superfície do pensamento, forçando-nos a agir, compelindo-nos a algum tipo de ação, como por exemplo, escrever ou falar, é que tornam difícil... viver.

E no entanto, o poeta está continuamente contradizendo o primeiro. É, na verdade, o seu contrário.

Ou antes, preferivelmente, seu complemento.

“– Pois tudo deve ser manifestado, mesmo as coisas mais funestas: ‘Infeliz daquele a quem o escândalo atinge’, mas ‘É preciso que o escândalo surja.’ – O artista e o homem verdadeiramente homem, que vive para uma determinada coisa, deve ter feito antes o sacrifício de si mesmo. Toda a sua vida não deve passar de um caminhar nesse sentido.


“Mas agora, o que manifestar? – Isso se aprende no silêncio.”

(Esta nota que segue entre aspas, em itálico e intercalada ao que escrevi é de autoria de André Gide, que a pensou em 1890, quando veio a lume o Tratado de Narciso – Teoria do símbolo – dedicado a Paul Valéry).

sábado, 19 de junho de 2010

O Privilégio dos mortos

Nietzsche, § 262, da Gaia Ciência: “- A: ‘Qual é o privilégio dos mortos?’ - B: ‘Não mais morrer’”. O computador de Alphaville, filme de Godard, onde escutei pela primeira vez a questão, na voz gutural do próprio diretor francês, sabia responder exatamente bem a pergunta. Essa era apenas uma das citações sem referência do filme, que só descobri, para o meu prazer, muito tempo depois de assisti-lo.

COOL MEMORIES

Baudrillard escreve nos anos 80 um livro em forma de diário chamado Cool Memories. Traduzo da tradução em espanhol:



“Cada pensamento é o último, cada anotação o traço do final, cada idéia não faz mais do que aparecer e desaparecer, igualmente a este planeta feito de auroras e crepúsculos sucessivos. Múltiplas parcelas de uma continuidade hipotética que não existe e que só se pode recuperar em filigrana, depois da morte.”



Para que uma idéia não cintile e desapareça no ar, é preciso que ela seja retida. Cada pensamento é o último. O escritor tem a consciência vívida da morte e que suas idéias comporão no futuro o retrato, máscara mortuária múltipla de si mesmo, dos seus muitos “eus”.

“TAL QUAL” – PAUL VALÉRY (TRADUÇÃO)*

*Tradução Lauro Marques. Em luto pela morte de Saramago
Extraído de “TAL QUAL” – PAUL VALÉRY



Literatura

A obra e sua duração



Todo grande homem entretém a ilusão que poderá prescrever alguma coisa ao futuro; é o que chamamos durar.



Mas o tempo é um rebelde, – e se alguém parece lhe resistir, se uma obra conserva-se à tona e flutua e não é propriamente deglutida – veremos sempre que é uma obra muito diferente daquela que seu autor acreditou ter deixado.



A obra dura na medida em que é capaz de parecer completamente diferente do que seu autor a havia realizado.



Ela dura por se haver transformado, e porque era capaz de mil transformações e interpretações.



Ou melhor, porque ela comporta uma qualidade independente de seu autor, não criada por ele, mas por sua época ou nação, e a qual adquire valor pela mudança de época ou nação.”

terça-feira, 8 de junho de 2010

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague




O documentário Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (Les Deux de La Vague), em cartaz em São Paulo, traça um paralelo instigante entre os dois diretores da Nouvelle Vague, cuja amizade na juventude serviu para forjar e levar adiante o movimento.

Mostra que Godard nunca superou o complexo de filho abastado da classe média, enquanto que Truffaut, vindo de baixo, nunca precisou provar isso. Em uma sequência de "Beijos Proibidos", Truffaut manda um recado para Godard por meio do personagem Antoine Doinel, interpretado por Jean-Pierre Léaud (uma cria dos dois, que sofreu nas telas -e na pele- a separação de ambos): "Se for um acerto de contas, não pode ser uma obra de arte".

Opções estéticas e políticas separaram os dois. Truffaut foi chamado de mentiroso por Godard por ter segundo ele uma visão acrítica. A resposta de Truffaut foi que o artista nunca deve ficar atrelado às ideologias do momento. Talvez por isso os filmes de Godard pareçam datados enquanto os de Truffaut são vivos até hoje. Ele foi mais inteligente que Godard nesse ponto e Godard mais ingênuo, como parecem ingênuos seus panfletos marxistas-leninistas.

Godard sobreviveu como mestre metalinguístico e poeta das imagens, enquanto seu discurso envelheceu. E no entanto, a imagem final do documentário é a de Pierre Léaud em “Os Incompreendidos” de Truffaut: uma imagem angustiada e da inquietação juvenil que é o reflexo daqueles (bons) tempos.