segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dois poemas de Ezra Pound


O SOBRADO

Ezra Pound

Tradução Lauro J.M. Marques

Vem, apiedemo-nos daqueles que estão melhor que nós.

Vem, amiga minha, e recorda

que os ricos têm mordomos e não amigos,

E nós temos amigos e não mordomos.

Vem, apiedemo-nos de casados e solteiros.



A aurora entra com seus pezinhos

como uma dourada Pavlova*

E estou próximo ao meu desejo.

Não há coisa melhor no mundo

Que essa hora de claro frescor

A hora de despertarmos juntos.





INSTRUÇÕES POSTERIORES

Ezra Pound

Tradução Lauro J.M. Marques

Venham, minhas canções, vamos expressar nossas paixões mais básicas.

Vamos expressar nossa inveja do homem com um trabalho regular e nenhuma preocupação com o futuro.

Vocês são muito vãs, minhas canções.

Receio que terão um péssimo fim.

Vocês vagabundeiam pelas ruas, vocês demoram-se nas esquinas e paradas de ônibus,

Vocês não fazem quase nada.



Vocês sequer expressam nossas grandezas mais íntimas,

Vocês terão um péssimo fim.



E eu? Eu acabei meio alucinado.

Eu falei tanto com vocês, que as vejo quase à minha volta,

Insolentes animaizinhos! Libertinas! Desnudas!



Mas vocês, canções mais recentes do lote,

Vocês não são velhas o suficiente para terem causado muita injúria.

Eu trarei para vocês um casaco verde da China

Com dragões bordados.

Eu trarei para vocês as calças de seda escarlate

Da imagem do menino Jesus em Santa Maria Novella;

Para que não digam que nos falta o gosto,

Ou que não há ninguém casto nessa família.

 
_______________

(*) "Como uma dourada Pavlova" = Anna Pavlova, bailarina russa, nascida em São Petersburgo, a 31 de janeiro (segundo o calendário juliano) ou a 12 de fevereiro (pelo calendário gregoriano) de 1881 e falecida na Haia, em 23 de janeiro de 1931.. De talento e carisma excepcionais, fascinou o mundo da dança no fim do século XIX e na primeira metade do século XX. Seu extraordinário talento e suas interpretações extremamente pessoais deram um novo sentido ao balé clássico. Também era conhecida como Anna Pavlovna Pavlova. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anna_Pavlova

Texto original dos poemas:

Lustra, 1916.
http://www.archive.org/stream/lustrofezrpound00pounrich#page/n0/mode/2up



A POESIA É UM CENTAURO


“A poesia é um centauro”. Metade lógica, metade música.

“A faculdade clarificadora, pensante, de arranjar as palavras, deve se mover em conjunto às faculdades estimuladoras, sensíveis, musicais.”

Ezra Pound, Literary Essays of Ezra Pound, New Directions, New York, pg 52.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SILENCIEMOS, POIS SIM, MAS NA LINGUAGEM

Ela caminha em minha direção, vinda de não sei onde, que a apanhei. Eu a pus para andar, soprei ar nos seus pulmões, dei-lhe um nome incógnito para protegê-la. Eu a falei.



Agora ela é sua. Trate-a bem.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Hamlet e as ervas daninhas


Que mundo este! Oh! É um jardim inculto em que crescem as ervas bravas!



Ler com a “chave” do soneto 94 (*). Hamlet é uma erva daninha que cresce num maltratado jardim de lírios (a Dinamarca, o casal real, este mundo!), os quais, infectados por um tipo de mal (traição e assassinato do rei), fedem mais do que as ervas, quando apodrecem.



A vil erva vai turvar-lhes (ultrapassar-lhes) a compostura (dignidade).



Não fuga à vida, mas preparação para a morte.

_____________

(*)

Soneto 94

Eles que podem magoar, mas não, / não fazem coisas neles evidentes, / que movem outros e em si mesmos são / de pedra, imóveis, frios, reticentes, / herdam graças do céu, poupam primores / da Natura a desgaste e decadência, / de suas faces donos e senhores. / Outros são servos só dessa excelência. / Embora para si viva e pereça, / a flor do verão ao verão traz a doçura, / mas basta que se infecte e adoeça, / vil erva vai turvar-lhe a compostura. / Se há feitos que os mais doces mais azedem, / os lírios podres mais que as ervas fedem.



“Sonetos Completos de William Shakespeare”. Tradução de Vasco Graça Moura

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dois poemas de Augusto Monterroso

Na direção contrária ao ¿Por qué no te callas?, o guatemalteco Augusto Monterroso escreveu: Cuando tengas algo que decir, dilo; cuando no, también. Escribe siempre.
Li a respeito dele, falecido em 2003, que era um autor de minicontos. Na minha opinião, são minipoemas, como este “epitáfio”, carregado de humor, que traduzo a seguir:
Epitáfio achado no cemitério
Monte Parnaso de San Blas, S.B
Escreveu um drama: disseram que se julgava Shakespeare;
Escreveu uma novela: disseram que se julgava Proust;
Escreveu um conto: disseram que se julgava Tchekhov;
Escreveu uma carta: disseram que se julgava Lord Chesterfield;
Escreveu um diário: disseram que se julgava Pavese;
Escreveu uma despedida: disseram que se julgava Cervantes;
Deixou de escrever: disseram que se julgava Rimbaud;
Escreveu um epitáfio: disseram que se julgava morto.

Lendo os seus poemas -chamemo-os assim, talvez não mais de “mini”, pois o poema é sempre maior que a forma que ele contém- lembrei-me de René Char, E.E. Cummings, Samuel Menashes, Giuseppe Ungaretti e D.H. Lawrence. O texto traduzido a seguir poderia ser colocado lado a lado de um pansie (forma anglicizada do francês pensée) - título de um livro de poemas-pensamentos de D.H. Lawrence:
Cavalo imaginando Deus
“Apesar do que dizem, a idéia de um céu habitado por Cavalos e presidido por um Deus com figura equina repugna ao bom gosto e à lógica mais elementar, raciocinava dias destes o cavalo.
Todo mundo sabe -prosseguia em seu raciocínio- que se os Cavalos fôssemos capazes de imaginar Deus, o imaginaríamos na forma de Ginete.”

Tomado de La letra e, México, Era, 1987.