terça-feira, 1 de outubro de 2013

TAL QUAL (PAUL VALÉRY)


Fragmentos (“esboços de pensamentos”) recolhidos ao acaso e traduzidos de “Tel Quel”, coletânea de escritos de Paul Valéry, Gallimard: 1943.

LITERATURA

Escrever é prever.

Descobrimos, relendo, a medida de nossa própria ignorância.

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Muitos escritores consideram sua arte, não como algo em que necessitam se tornarem mestres ― sine qua non ― mas como um jogo de azar no qual podem arriscar a própria sorte. Eles confiam inteiramente na fortuna e dar-se-ão o valor que ela vier a lhes conferir. (Acrescentarão uma coisa ou outra).

Há portanto dois perigos, duas maneiras de se perder e afundar: adaptar-se completamente ao público; ser fiel demais ao próprio sistema.

*Uma obra é sólida quando ela resiste às substituições que o espírito de um leitor ativo e rebelde sempre tenta submeter às suas partes.

Jamais esquecer que uma criação é algo finito, acabado e material. O arbitrário vivo do leitor se bate contra o arbitrário morto da obra.

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De um certo “ponto de vista”, que não raramente é o meu ― o que chamamos de uma bela obra pode parecer um terrível defeito do autor.

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Freqüentemente julgo uma obra de arte ao pensar: é impossível que tenhas querido isto.

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Um poeta é o mais utilitário dos seres. Preguiça, desespero, acidentes de linguagem, olhares particulares, ― tudo isso que o homem mais prático perde, rejeita, ignora, elimina, esquece, o poeta recolhe e por meio de sua arte acrescenta certo valor.

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Quem diz: Obra, diz também: Sacrifícios.

A grande questão é decidir aquilo que vamos sacrificar: é preciso saber quem, quem, será comido.


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Conheço a literatura por lhe haver interrogado de minha própria vontade. (E somente desse modo).