sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Dois instantâneos


Felicidade de Pipa

A febre voltou.

Palavras podem ser deliciosas.

Comê-las.

Com meus olhos

soltos no espaço.

Entre o ziguezaguear feliz de uma pipa e
o trem passeando no
elevado
sobre a rua de carros empilhados.


Baterista cego

Gesto 1:
A vareta abre-se ao comando
do meu braço
Desenrolando-se
em câmera lenta.

Antes retraída
Em duas partes seguras
pela minha mão
(Duas baquetas)
entre minhas pernas
de baterista
cego sentado.

Gesto 2:
Fixo a vareta no chão
meus olhos
(Há muito tempo)
Fechados
Até que paralisem
o trem.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

forrest gander

descoberto na revista Confraria:

Nós sobrevivemos ao Natal, seu rosto prensado contra o peito espremido de sua avó numa casa tão imaculada, a aranha na fresta do teto mantém distância obscenamente.

forrest gander
ligaduras

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007




“ No reencontro. ― A: Eu ainda o compreendo bem? Você está buscando? Onde se acham, no meio do mundo real de agora, seu canto e sua estrela? Onde pode você deitar-se ao sol, de forma que também lhe chegue um excedente de bem-estar e a sua existência se justifique? Que cada um faça isto por si próprio ― você parece me dizer ― e tire da mente as generalidades e as preocupações com os outros e a sociedade! ― B: Eu quero mais, eu não sou um buscador. Quero criar para mim meu próprio sol.”

Que Nietzsche tenha escrito isso por volta de 1882, em a Gaia Ciência, me faz pensar como, de todos os filósofos, ele talvez seja o mais necessário e como é necessária a sua leitura ainda hoje. E como anêmicos, afetados, frívolos e desnecessários ― por mais aberrante que soe a palavra ― me parecem Kant, Schiller, Schelling e outros pensadores alemães, com seus sistemas e metas e ideais e conceitos abstratos, sempre pairando um pouco acima da superfície sem jamais produzir nenhum atrito. Todos muito altos e etéreos ― ... e muito pouco (profundamente) superficiais!


VEGETARIANISMO

Corrijo um erro: não foi em A Gaia Ciência a definição do vegetariano que citei em outra ocasião. Foi em O Caso Wagner, dedicado a “desmascarar” o compositor alemão Richard Wagner. “Definição do vegetariano: um ser que necessita de um fortificante”. Interessante que em Ecce Homo, ao mesmo tempo em que espinafra a cozinha alemã e elogia a italiana do Piemonte, ele se declara “um adversário por excelência do vegetarianismo, exatamente como Richard Wagner, que me converteu”, além de se declarar contra qualquer bebida “espirituosa” (mais menos como Wagner era para ele): “água basta...”! (Ao que retrucaria um não abstêmio irônico como Fernando Pessoa: “Dêem-me de beber que não tenho sede!”).

BARRABÁS

Esse livro, Ecce Homo ― cujo título é extraído da versão vulgata da Bíblia, no evangelho de são João, capítulo 19, onde Pilatos apresenta Cristo aos judeus ― contém a melhor argumentação para aqueles que professam uma aceitável dúvida em Deus (ao contrário daqueles que só acham possível crer em Deus). Deus é uma resposta grosseira.“Sou muito inquiridor, muito duvidoso, muito altivo para me satisfazer com uma resposta grosseira. Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para conosco, pensadores ― no fundo, até mesmo uma grosseira proibição para nós: não devem pensar!”.

LIVRE PENSAR

“Eis o homem”, o episódio bíblico da escolha de Barrabás serviu como desculpa para a perseguição e morte de judeus nos séculos seguintes. Dizem que santo de casa não faz milagres, mas fato é que o sectarismo de Jesus não alterou muito o judaísmo até hoje, passados mais de dois mil anos, e a maior parte dos povos do Oriente Médio professa a fé islâmica. Não deixa de ser também uma boutade histórica que os santos floresceram na Itália dos dominadores romanos e de lá saíram também a maior parte dos “representantes” de Cristo na terra.