domingo, 5 de dezembro de 2021

O alfabeto de Valéry: Maus Pensamentos

Notas de leitura e interpretação* 

 A- é sobre bAnalidAde, tolice, infantilidade, animalité. “Negar A é mostrar A atrás de uma grade”. A=A = B=B, é o princípio da identidade. Uma ideia banal, mas que resume toda sabedoria -ver página 33. 

Também, essas passagens:

“Ah, se tu pudesses distinguir todas as besteiras que num espírito acabam por produzir coisas belíssimas e todas as coisas belas que entram na composição de uma besteira ou de outra!”. 

“O que há no fundo do homem? Alguns provérbios, que acabam por responder tudo, e que são todos tolices”.

 B-? 

 C-? 

 D- é claramente um pensamento sobre as Dores.

 E- é sobre aimEr. 

 F?

 G - eGoísmo. 

 H - História. 

 I - Instinto.

 J - Juventude. 

 L-? 

 M- ser huMano ou “Eu” ("Moi").

 N -inteligêNcia. "O alimento ('Nourriture', em francês) da inteligência é aquilo em que ela nunca pensou". 

 O- a mOrte. "La mOrt, en literature, est un son grave".

 P- Pensamento. 

 Q- talvez seja a própria conjunção "Que". Um palpite não de todo absurdo, em se tratando de Valéry. O tema em destaque é o Outro. "Que" é usada para contrapor ideias.

 R-? 

 T- sinceridade ("sincériTé").



 *lembrar de confrontar com Pascal.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

"O avesso da vida"- Philip Roth



A literatura é o avesso da vida. 
Mas o avesso no espelho, distorcido, do parque de diversões.
A diversão em Nathan Zuckerman (personagem principal do romance de Philip Roth, com o título desse post) está nisto: em distorcer, criar ficção a partir dos fatos de sua vida real.
Só que, ao final do romance, ficamos sem saber o que é real e o que é ficção/alucinação/imaginação do autor, dos vários livros dentro do livro/cabeça – “eu sou um teatro e nada mais” – do autor.
Os limites estavam borrados desde o princípio e é essencial que fiquem borrados.
Não existe um “narrador” fora da imaginação de Roth que não seja também fruto de sua imaginação (que, ao lermos, passa a ser também a nossa).
Roth, afinal, e Zuckerman são a mesma pessoa – os personagens “falam” com o autor do livro que está sendo escrito, eles “se lêem”.
O final é em aberto. Zuck é quem tem a última palavra – mesmo depois de morto.
Como em Ulisses, "mesmo a mais fina literatura permanece uma imitação paródica da vida".

terça-feira, 6 de março de 2018

Breviário de obscuridades II


Pergunta lesa-divindade:
- Tu, criador, quando te tornaste criatura?

Breviário de obscuridades I




Que podes fazer com alma,
além de des-gastá-la ---
inutilmente 

e para sempre?


What can you do with soul,
besides un-spend it ---
uselessly

and forever?


l.m.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

RUSSIAN HISTORY/ HISTÓRIA RUSSA


The Russian Sipkov
awoke and in the New Year's Day
dug a hole in the frozen lake
and plunged, after sipping
three liters of vodka.
He left there shivering and sipped
another three liters singing
a song his grandfather
sang when he was arrested
by Stalin and sent to
a prison in Siberia - where,
on a hot day, the spit
froze in the air.

l.m.

O russo Tomaskóvic
acordou e no dia do ano novo
cavou um buraco no lago congelado
e mergulhou, após ter tomado
três litros de vodka.
Saiu de lá tiritando e tomou
mais três litros cantando
uma canção que seu avô
cantava quando foi preso
por Stalin e mandado para
uma prisão na Sibéria - onde,
num dia quente, o cuspe
congelava no ar.

l.m.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Pequeno Café

Paul Valéry
Extraído de "Rhumbs" - "Tel Quel", 1941-1943
Tradução Lauro Marques


Pequeno café obscuro, solidário, secreto, paraíso de pureza e de pensamentos.

Asilo espelhado de pedra oca, de uma palidez bela, fazes bem ao viajante, forno de sombra e de frescor, abóbada de berço muito suave...

Há somente eu dentro dessa gruta. Eu e os “Débats” sobre uma mesa de fundo.

Um gênio em roupas escuras, grosseiramente pintado de barba quase azulada... Ele se entedia tanto de sua solidão! Pega um banco para mim. Ele me traria qualquer coisa. Compreendo que vive num mundo imaginário.

Sinto-me um cliente abstrato, essência de cliente.

Vem, e embalsama o ar! ― Fumo e perfume, amargo chocolate a evocar biscoitos tostados!...

Daqui a pouco, após muitos cigarros, desejaremos pedir a esse vago pensador gordo e mal barbeado, um desses glace au citron* que queimam de frio os lábios e a língua...

Livre enfim dos museus!

As coleções, contrárias ao espírito; o harém para o amor.

Estamos cansados das disputas dessas damas sultanas. A soma de todas essas belezas é absurda, fatigante. Uma reunião de objetos excepcionais, uma multidão de singulares só pode agradar aos marchands, seduzir os insensíveis que se julgam sensíveis, e as pessoas crédulas. Um olho espiritual não veria nenhum visitante nas galerias, mas adjetivos errantes. Ao fim de tudo, o objetivo dos artistas, o único objetivo, se reduz a obter um epíteto...

Este chocolate tem um gosto severo que convém a este lugar vazio e agrada a meu humor. Uma colherada, ― um pensamento ― uma baforada, ― um gole de água gelada, ― e esta sequência de julgamentos:

Os museus são odiosos para os artistas.

Eles os adentram somente para sofrer, ou espionar, roubar segredos militares.

Se sentem prazer, é devido à atrocidade de seus desprezos.

Pintar os horríveis sofrimentos da inveja artista.

Michelangelo, houvesse ousado, teria envenenado.

Ciúmes que ele tem de Leonardo. O que isso implica.

Lionardo** não era cioso a não ser de suas idéias.

Um homem de talento, diante de mim maravilhado, ao tomar conhecimento da morte ou da demência, ― não sei mais, ― de um escritor mais conhecido e mais recompensado que ele, permite-se dizer vivamente: Tanto melhor... É chegada a minha vez.

Ousamos escrever as histórias das letras ou da arte sem dizer uma palavra de coisas como tais, sem aprofundar. A arte é tão quanto o amor. A arte e o amor são criminosos em potência, ― ou não existem.

Tudo que vem dos deuses causa o inferno nos homens.

Este café é deveras delicioso. Vemos daqui o calor vibrante sobre as pedras da rua. Eu passo a mão acariciando a carafe*** gelada. ― Uma trintena de moscas suspensas por seu movimento no espaço criam um sistema planetário e um movimento estatístico indiferente.

Aqui o espírito abatido pelas obras-primas ama a existência, se enleva, e avalia. Tudo que os homens fizeram, fazem e farão, soa para ele como esse barulho local e circunscrito do formigamento alado de trinta insetos. O corpo soergue imperceptivelmente os ombros. O próprio soerguimento, que condena os humanos, é bastante mal recebido. É impossível para a justiça que há em mim, não ver a necessidade de meu sentimento.

― As flores da florista aninhada sob a grande porta do palácio que está à frente dispensam as mensagens e os devaneios de amor. O que não ocorrerá jamais, o que não pode ser, embalsama, tem um perfume.

Eu desenho figuras geométricas no mármore do guéridon**** onde a ponta do lápis é tão feliz, tão livre.

― E de que me serve a necessidade de meu sentimento? Ela te serve muito, meu amigo.

Ela faz desse sentimento o que ele é,― o que são todos os sentimentos. Todo sentimento é o saldo de uma conta da qual o detalhe se perdeu. Impossível se obter uma declaração desses débitos e desses créditos. Encontraríamos aí operações que remontam ao ano mil; outras ao macaco ou ao castor. O pecado original é uma integral, sem dúvida.

Vamos, distrações, frescores, espírito, cessem de dominar!

Um pouco mais de fumaça com gelo; inalemos no ar o odor dos limões amorosos. Paguemos e partamos.


___________
*(N. do T.) Como no original. Valéry grafou Lionardo. Lion=leão, em francês. Em português seria então Leãonardo.
**(N. do T.) Creme gelado ou sorbet de limão.
***(N. do T.) Garrafa, em árabe, no original.
****(N. do T.) Uma pequena mesa de centro, geralmente circular ou oval. Peça do mobiliário francês.

Esta tradução é dedicada a Monica, que ama os lugares, as coisas e as sensações estéticas.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

As Eminências Pardas

No escuro elas são perigosas,
bem mais que as pessoas luminosas.
Estas, quando fazem algo de errado,
é mais fácil encontrar um culpado.

Delas podemos dizer o que são,
enquanto das primeiras, não.
Certo é que grande é sua influência,
como algo que vai na consciência.

Também pode lhes ser uma vantagem,
ninguém conhecer sua imagem;
Elas não devem ser desprezadas
pela cor, as eminências pardas.

A fim de exercer maior poder,
talvez seja melhor se esconder.

POEMA HÚNGARO

Em breve serei um velho
Meus ossos irão estalar muito
antes de eu morrer
Meus ossos irão estalar muito
antes de eu morrer


Serei um velho muito louco.


domingo, 20 de novembro de 2016

War Poem/Poema de Guerra

American soldiers photographed in the Ardennes during the Battle of the Bulge.www.answers.com/topic/battle-of-the-bulge

I am entrenched
Estou entrincheirado
Against the snow,
Contra a neve,
Visor lowered
Visor abaixado
To blunt its blow
Para que o vento cegue
I am where I go
Estou aonde me leve

Samuel Menashe
Lauro Marques