segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Não me convide para o baile



Observando a cronologia dos contos de Raduan Nassar, o último é de 1996: “Mãozinhas de seda”, escrito especialmente para o segundo número dos Cadernos de Literatura Brasileira, IMS, e não publicado a pedido do autor - como informa edição da antologia editada pela Companhia Das Letras no ano seguinte. É portanto, também, sua última composição literária.

Escrito na primeira pessoa, e que termina com uma exclamação entre parêntesis “(Saudades de mim!)”, o tom é autobiográfico. Nele, o escritor evoca a memória de um bisavô aristocrata que teria lhe dado o conselho de que "a diplomacia é a ciência dos sábios", e que o "'negócio é fazer média', e enfatizava a palavra negócio (...): 'Nada de porraloquice. Me promete.’"

Em seguida compara os intelectuais, "eruditos, pretensiosos, e bem providos de mãozinhas de seda", às mocinhas casadoiras de sua Pindorama natal, que, às vésperas dos bailes de Primavera esgotavam o estoque de pedra-pome, com a qual poliam as mãos a fim de torná-las macias e sedosas para melhor seduzir os mancebos.

"A harmonia do perfil é completa por faltar-lhes justamente o que seria marcante: rosto. Em consequência desse aparente paradoxo, tenho notado também que estão entregues a um rendoso comércio de prestígio, um promíscuo troca-troca explícito, a maior suruba da paróquia!".

Com esse texto -como não poderia deixar de ser, breve, que foge ao formato do conto tradicional-, Raduan Nassar dá adeus não só à literatura mas ao "troca-troca" intelectual. Este último, feito por negociantes disfarçados, “mercadores de ideias”, "sem rostos", ao seu ver, o impediria de praticar aquilo o que à abertura afirma ter a convicção de considerar “a maior aventura humana”: "dizer o que se pensa".

A isso, a “fazer média”, “o verbo passado na régua, o tom no diapasão, num mundanismo com linha ou no silêncio da página”, escolhe, diplomaticamente, a saída da reclusão e de não mais escrever. Resta saber se ainda veremos surgir inéditos, escritos longe das festas e do comércio, cercado de boas-maneiras, dos intelectuais, que só serão descobertos depois que o autor não puder mais receber o convite para a valsa do baile que não queria dançar.