quarta-feira, 1 de agosto de 2007

REALIDADE, DIAMANTES E DESERTOS VERMELHOS



O Deserto Vermelho é o nome do filme, de 1964, do diretor italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007). É o primeiro longa-metragem em cores de Antonioni - o que terá toda a importância, a partir, desde já, como veremos, do título - e com a fotografia de Carlo Di Palma. Lançado em DVD, em versão restaurada, o filme se passa na poluída Ravenna, cidade italiana, e tem a atriz Monica Vitti no papel principal. No que segue, não tentarei resenhá-lo, mas abordá-lo de alguns pontos de vista que, se não forem os mais relevantes, foram os que me suscitou a obra quando tive a oportunidade de assisti-la recentemente.

Comecemos pelo final, não o do filme, mas dos extras do DVD recheados de comentários irônicos e divertidamente mundanos dos cinejornais da época que faziam a cobertura das entregas de prêmios às celebridades do cinema italiano. Em tais comentários, Antonioni é sempre retratado de forma caricatural como o “intelectual sombrio”. Monica Vitti, por sua vez, que junto com ele formava o par “menos alegre” do cinema, na avaliação do cinejornal, era premiada pelas suas atuações “cada vez mais mudas”. Antonioni, flagrado na pré-estréia de seu outro filme, “Eclipse”, “não se rendia a nenhuma corrente, nem mesmo à elétrica”.

Numa espécie de contraponto “sério” a essas vinhetas cômicas, o próprio Antonioni comparece nos extras, sendo entrevistado por um repórter de um programa francês. Nessa entrevista, aliás, mostra-se muito pouco “ecológico”, para alguém cuja transformação do mundo industrial foi tido como um choque. Ficamos sabendo, pelo próprio diretor, que Deserto Vermelho “originou-se” desse choque, em uma visita do diretor a Ravenna, cidade próxima ao lugar de nascimento de Antonioni, Ferrara.

Somos informados também que durante as filmagens ele mandou pintar casas, árvores e até um bosque inteiro, cujo verde não lhe parecia uma cor “justa” para a impressão que queria causar no espectador. Por isso foi pintado de branco, com ajuda de uma máquina de borrifar tinta, especialmente para cena inicial do filme, uma greve na porta de uma usina. O cenário construído entretanto sequer chegou a ser utilizado. Por razões técnicas, anteriores à era Spielberg, devido ao sol, o bosque parecia preto, quando enquadrado contra a luz.

Se formos analisar melhor o motivo dessas intervenções visuais “corretoras”, percebemos que, no filme de Antonioni, a poluição das indústrias, com suas cores, precisa ser possuidora de uma beleza ao mesmo tempo assustadora e pungente, atrativa e horrenda, que alguns filósofos como Kant e Schiller chamariam de sublime.



É possível encontrar esse tipo de beleza - a câmera nos mostra, e isso é sentido por Giuliana, interpretada por Monica Vitti, a ponto de levá-la ao desespero: nas poças esverdeadas do cais; na lama azul-petróleo do rio estagnado; nas marcas multicoloridas de ferrugem e óleo do casco das embarcações; na neblina artificial de uma nuvem de amônia ou resultante da evaporação da água utilizada na usina e até mesmo na fumaça amarela e venenosa da chaminé.
Esse é um filme em que o ambiente desempenha um papel principal, revela também o diretor italiano na entrevista. Como isso se coadunaria então, com aquele que os críticos dizem ser o grande tema de Antonioni, “a incomunicabilidade e a solidão do homem contemporâneo”?

Apesar de casada com o diretor da usina, Giuliana está terrivelmente só, a realidade a atinge de modo quase insuportável. A única saída para seu tormento seria se ela pudesse também “pacificar a violência” que sente, sublimando-a esteticamente, em suma, tornando-se artista, a exemplo do próprio Antonioni. Mas o que fazer quando não se é dotado de talento até mesmo para essa não-solução provisória, chamada arte?




No final do conto mais famoso de F. Scott Fitszgerald, encontramos a seguinte frase: “No mundo inteiro, há apenas diamantes, diamantes, e talvez a pobre dádiva da desilusão. Bem, eu tenho esta última, e farei o de sempre com ela: nada.”
Os personagens de Antonioni caracterizam-se quase sempre por uma espécie de inação ao final de suas vidas filmadas (final da película). Chega-se a um ponto em que não há mais nada para fazer ou dizer, a não ser aceitar a “pobre dádiva da desilusão”. Seus personagens nunca são triunfantes, mas resignados. Alguns se deixam mesmo abater pela tragédia, como no caso do final de O Grito, ou em Profissão: repórter.

“Não sou filósofo, nem sociólogo”, afirma Antonioni na entrevista. Tudo aquilo que quis dizer, segundo ele, foi dito no próprio processo de fazer o filme. A avaliação sobre o significado viria depois ou talvez não viesse nunca. A inconclusão de suas obras é a própria inconclusão da vida - enquanto houver vida, ela não estará concluída.

Não sabemos o que acontece com Giuliana, o filme não nos mostra, não há uma “resolução definitiva” para o seu drama. Talvez ela permaneça apenas como um símbolo da inadequação, ao mesmo tempo extremamente receptiva, esteticamente, mas cuja resposta, em forma de ação, seja passiva. Testemunha silenciosa da passagem de um mundo naturalmente belo (que seria talvez apenas ideal) para uma realidade terrível, mas ainda assim não totalmente desprovida de encantos, com a qual é preciso de alguma forma conviver.

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