sexta-feira, 20 de julho de 2007

DUAS LIÇÕES DE POESIA: UM FILÓSOFO FRANCÊS E UM POETA RUSSO


“O poema não é nem uma descrição, nem uma expressão. Tampouco é uma pintura comovida da extensão do mundo. O poema é uma operação [...]. A regra é simples: envolver-se com o poema, não para saber do que fala, mas para pensar no que nele acontece. [...] O sentido se adquire com o mover do poema, em sua disposição [...]; o que o produz é uma Idéia.”

Alain Badiou escreve essas palavras, no seu “Pequeno manual de inestética”, a respeito de Mallarmé. Mas se trata também de tentar responder afinal o que seria de fato qualquer poema. (E como se deveria lê-lo). Poderia por exemplo ser aplicado integralmente a Guenádi Aigui, poeta de língua russa, nascido em 1934 numa aldeia Tchuvasse (um povo descendente dos hunos, estabelecido à margem do Rio Volga), e falecido recentemente.

Tenho conhecimento de apenas duas traduções para o português de Aigui. A primeira foi feita por Boris Schnaiderman, em colaboração com Haroldo de Campos, incluída numa antologia chamada Poesia russa moderna, da editora Perspectiva. A segunda saiu na revista eletrônica Confraria do Vento nº 4, em tradução, inédita em livro, de George Yurievitch Ribeiro. É deste a versão a seguir, em três partes, a qual darei uma breve interpretação (o que significa simplesmente experienciar, i.e., “entrar” num poema, ser POR ELE pensado):
Silêncio


1
no invisível crepúsculo
de saudade pulverizada
conheço o inútil como os pobres conhecem a última roupa
e trastes antigos
e sei que essa inutilidade
é justamente a de que o país necessita de mim
segura como um acordo sigiloso:
silêncio como vida
e por toda minha vida


A poesia não é pintura. Seria melhor dizer, não é uma representação exata da realidade, uma vez que o pintor nunca pinta as coisas como ele realmente as vê. O poema principia por evocar o invisível, começa por anunciar o silêncio de que trata, ou antes em que ocorre, e que é também um poema: pintura sem cor ou imagem. Inútil e conhecido, como a última roupa do pobre, a qual este se agarra (e que o protege da nudez absoluta), seguro como um acordo sigiloso (mudo), por toda a vida.


2
No entanto, calar – é tributo, e para si – é silêncio.


No segundo movimento, que não é de todo contrário, apenas mais ambíguo do que o primeiro, o poema se apresenta como riqueza, a qual se concede para si próprio (em contraponto ao que se oferece a um país, na primeira estrofe). Há uma pausa e a própria brevidade reforça o caráter necessário desse silêncio, em que “se faz” (se dá, se autoconcede) o poema.


3
acostumar-se a tal silêncio
que é como coração inaudível em ato
como aquilo que é vida
feito certo espaço dela
e no aquilo eu sou – como Poesia é
e eu sei
que meu trabalho é difícil e é por si só
como no cemitério da cidade
é a insônia do zelador.


Finalmente o poema se aproxima do bater inaudível (a não ser no silêncio) do coração, em funcionamento. Algo vital, que ocupa um pequeno espaço, difícil, para o qual é preciso acostumar-se, que tem uma qualidade própria, e permanece vivo e desperto, mesmo quando todas as outras coisas dormem.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como é lindo isso, Lauro!

Anônimo disse...

como é lindo isso, Lauro!
Rosilene