domingo, 25 de janeiro de 2009

Minas



As igrejas em São João Del Rei e em Tiradentes têm o teto em forma de uma caravela invertida – "a bem dizer, naufragada" – explicou-me um guia, não sei se captando o alcance da imagem. As igrejas barrocas, naufrágios portugueses do século XVIII talhados em madeira coberta de ouro, transplantados para os trópicos em navios e como navios naufragados deixados para secar e apodrecer sobre pilares ornamentados nos pontos altos das cidades.

Em Tiradentes, ressoa música por todos os lados. Sentado na piscina de um casarão do século XVIII, escuto Vivaldi. O mesmo tipo de som, música erudita, toca nos alto falantes na rua, na praça em frente à capela do Rosário, também do século XVIII, enquanto espero pelo trio de sopro (clarineta, fagote e flauta) que irá executar peças de Vivaldi, Corelli e Mozart. À noite, saindo da igreja, após o concerto, me deparo com um coral de jovens acompanhados de violão, que apresentava músicas populares antigas, de porta em porta, em vários pontos da cidade.

Sobre as igrejas

Para a maioria dos visitantes, como eu próprio, elas perderam quase toda a significação religiosa. São um misto de exposição de arte, museu, cenário, palco e obras de arte em si mesmas.

Quando, em São João Del Rei, sem nenhum aviso, o padre inicia a missa das seis, parece um intruso, eu diria que ele parece quase profanar o lugar com sua presença.
Os turistas, com suas câmeras, fogem (fugimos) todos como um bando de pássaros assustados para a frente da igreja.

A ruína do significado religioso pode ser lida numa placa de advertência afixada no local: "Este altar é sagrado, favor não apoiar-se ou colocar objetos em cima".

Falta de um museu da escravidão
Não sei se existe um mesmo no Brasil, voltado apenas para esse tema, mostrando os sofrimentos e as torturas impingidas aos negros trazidos da África. Em São Paulo, onde há museu de tudo quanto é coisa, sei que não há (tem, isto sim, o Museu Afro, que ainda não visitei). Nos museus em Minas, da Inconfidência, em Ouro Preto e Casa do Padre Toledo, em Tiradentes, a questão é tratada en passant, quando não suavizada. Talvez porque o próprio Padre Toledo era um rico senhor de escravos e os inconfidentes não fossem abolicionistas.

Exposta no museu onde ficava a casa do inconfidente Padre Toledo, vi uma liteira que parecia saída de uma pintura do Inferno de Bosch. O modelo de "arruar" (isto é, para ir à rua, em viagens curtas) chamava-se "serpentina", por causa da representação em madeira de uma serpente na ponta do "veículo", produzido em outra colônia portuguesa, Macau. O trabalho de carregá-las era para ser feito por escravos "bem fardados e corpulentos". Era, informa o texto do museu, um trabalho "especializado", pois os carregadores negros aprendiam a marchar sem solavancos, para não "incomodar" as pessoas que transportavam. Por isso, ainda de acordo com o texto exposto, após a abolição tornou-se um dos ofícios mais bem pagos, senão o mais bem pago, para os negros "livres". (No museu da Inconfidência vi outro desses modelos. Lá, um guardinha que fazia às vezes de guia, lembrou que os negros que transportavam as mocinhas da sociedade eram castrados, sem dó nem piedade. Segundo ele, os testículos eram esmagados com pedras).
Ainda na casa transformada em museu do Padre Toledo, em Tiradentes, vi também pela primeira vez, uma corrente usada para "prender e transportar escravos", com várias formas pontiagudas de ferro enegrecido, retirado, em 1970, do fundo do Rio das Mortes – de novo, a sensação de estar diante de um objeto produzido nos fornos do inferno, por demônios. Abaixo da casa, "existe um interessante porão que serviu de prisão para escravos," como descreve laconicamente, quase como não tivesse muita importância, e por último entre as "atrações" do museu, o texto na página da Prefeitura de Tiradentes. Mesmo descaracterizado, com pichações, dá para sentir a atmosfera maligna e angustiante que impregna as paredes e imaginar-se no lugar dos que ali "viveram".
Texto ao lado de objetos de tortura usados em escravos no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto exalta a "paciência e a sabedoria" dos negros que "souberam se integrar" à cultura dos seus algozes brancos. Entre as poucas referências escritas, há um livro que ensina como "tratar, curar e evitar as doenças dos negros", como um compêndio destinado à saúde dos animais de criação.

Um comentário:

rosilene fontes disse...

para mim Lauro, tudo em Tiradentes é sagrado, até o calçamento de pedras...
voltaria lá mil vezes...Para mim é a minha "Paris" mineira.
espero que tenha gostado.
abraço