domingo, 19 de setembro de 2010

Mário de Sá-Carneiro: Impressões domingueiras


Leio Mário de Sá-Carneiro no domingo meio nublado, no parque da Água Branca. Um parque meio pobre e mal-cuidado, em reformas, com aves simplórias ciscando em meio aos pombos (que ao meu ver nem aves são), galinhas, galos e pavões. Paus-brasis dos mais altos que já vi -antes só conhecia mudas-, que me pareceram muito estranhos, e um resto de vegetação que para nós, citadinos, já nos basta para nos sentirmos em meio ao mato. Uma surpresa. Há quiosques com livros que você pode pegar e ler, depois devolver, sem ninguém para dar por isso. Um quiosque com livros de poesia! Poucos, uns 20 talvez, mas todos bons (lembro que vi Rimbaud, Lautréamont, Haroldo de Campos, Célan, José Paulo Paes), outro de literatura em geral. Fui lá no de poesia e peguei o Mário de Sá. Há mesas de leitura, como as de um restaurante, só que sem garçons, e quando fui lá estavam vazias. Uma musiquinha tocava ao fundo, uma canção infantil. Eu já o tinha lido, claro, mas naquele parque lúgubre, num domingo, após ter passado em frente a um baile da terceira idade, que ocorria a poucos metros ali mesmo dentro do parque, onde pairava um estranho desânimo, um “além-tédio" (1) de tudo -para um parque, com crianças!-, a sensação foi amplificada.

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Acrescento algo totalmente desnecessário a essa minha nota igualmente desnecessária, que não tem muito a ver com Sá-Carneiro mas com o "estado de ânimo" do parque naquele dia. O tal baile da terceiridade era uma das "atrações", comparável aos brinquedos para as crianças e os animais soltos, para os que de fora observávamos os velhinhos a entrar na casa - de onde saía uma animada música, contrastando com as figurinhas trêmulas que, rapidamente, e sem trocar muitas palavras, a espinha dobrada, entregavam determinada quantia ao homem, também de idade, usando um chapéu preto e camisa social, que fazia às vezes de porteiro e bilheteiro. Como a casa ficava numa parte baixa, as pessoas na parte alta do caminho que passava ao lado do salão de baile, paravam para olhar, algumas empurrando carrinhos de bebês, em roupas de "jogging", ou casais de meia-idade, por um momento sinceramente enternecidos com as imagens do passado (que para nós seria mais certo dizer futuro, mas que vemos como pertencentes a um tempo passado). Escutei uma garotinha dizer: "mas deve ser necessário ter uma certa idade", entre desejosa e precavida, de participar da "festa", que, como tudo mais no parque, tinha a aura de espectro.

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(1) - nome de um poema de MSC.

Nada me expira já, nada me vive ---/ Nem a tristeza nem as horas belas. /De as não ter e de nunca vir a tê-las, /Fartam-me até as coisas que não tive. //Como eu quisera, enfim de alma esquecida, /Dormir em paz num leito de hospital.../ Cansei dentro de mim, cansei a vida/ De tanto a divagar em luz irreal. //Outrora imaginei escalar os céus/ À força de ambição e nostalgia,/ E doente-de-Novo, fui-me Deus/ No grande rastro fulvo que me ardia.// Parti. Mas logo regressei à dor, /Pois tudo me ruiu.../ Tudo era igual: A quimera, cingida, era real,/ A própria maravilha tinha cor!// Ecoando-me em silêncio, a noite escura/ Baixou-me assim na queda sem remédio;/ Eu próprio me traguei na profundura,/ Me sequei todo, endureci de tédio.// E só me resta hoje uma alegria:/ É que, de tão iguais e tão vazios, /Os instantes me esvoam dia a dia/ Cada vez mais velozes, mais esguios...

Ver também o poema "Dispersão".

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