quarta-feira, 13 de julho de 2011

Variações sobre a identidade



Traduções e notas

Tradução (1) "Os cadernos e as poesias de André Walter" - André Gide.
25 de abril

Não compreenderão este livro, os que procuram pela felicidade. A alma não está satisfeita; ela adormece nas felicidades. É o repouso, não a vigília! É preciso velar. A alma ativa, eis o desejável ― e que encontre sua felicidade, de nenhum modo na FELICIDADE, mas no sentimento de sua atividade violenta. ― Portanto a dor mais que o júbilo, pois ela torna a alma mais viva; quando a alma não prosterna, as vontades se lhe exasperam: sofremos, mas o orgulho de viver poderosamente afasta as fraquezas. A vida intensa, eis a soberba: eu não trocaria a minha vida por a de nenhum outro, eu aqui vivi várias vidas, e a real foi a menos importante.

Intensificar a vida e guardar a alma vigilante: então ela não mais se lamentará, indolente, mas lhe agradará a própria nobreza.

* * *
O autor -André Gide- assinala o ano de 25 de abril de 1889 para este trecho. Data em que, no romance, publicado em 1891, o personagem escreve no seu diário. O fragmento faz parte do Caderno Branco, uma das seções (a outra é o Caderno Negro) em que se subdivide o romance de estréia de Gide intitulado "Os cadernos e poesias de André Walter".

Em nota, o editor da versão original em francês, Claude Martin, assinala que a frase que encerra o primeiro parágrafo contém uma “idéia essencial à Gide, que está na própria raiz de sua criação romanesca, nutrida das ‘direções infinitas de sua vida possível’, ao mesmo tempo que ‘o romancista fictício criou seus personagens com a linha única de sua vida real’, seguindo uma fórmula de Albert Thibaudet e suas Reflexões sobre o romance, Paris: Gallimard, 1938, p 12] retomada por Gide no final de seu Diário dos Moedeiros Falsos [Paris NRF, 1927, p 113] , um dia após ter colocado o ponto final no seu romance”.

No diário de Édouard, personagem do romance de Gide em Os Moedeiros Falsos, Círculo do Livro: tradução de Celina Portocarrero, p. 62, este também escreve: “Nunca sou senão aquilo que acredito ser ― e isso varia sem cessar, de modo que frequentemente, se eu não estivesse aqui para aproximá-los, meu ser da manhã não reconheceria o da tarde. Nada pode ser mais diferente de mim do que eu mesmo.”E, continuando: Nada para mim tem realidade, senão poética (e atribuo a essa palavra seu sentido pleno) ― a começar por mim mesmo. Parece-me às vezes que não existo realmente, mas que simplesmente imagino que sou. Aquilo em que mais custo a crer é em minha própria realidade.”

Tradução (2). "Coisas inauditas". Paul Valéry
Variações sobre Descartes
  Às vezes eu penso; e às vezes, eu sou.

*

Se um ser não pudesse viver uma outra vida diferente da sua, ele não poderia viver a própria vida.

Pois a sua vida não é feita senão de uma infinidade de acidentes, cada um dos quais podendo pertencer a uma outra vida.

*
Si mesmo
 Quanto mais uma consciência é “consciente” mais sua personalidade, mais suas opiniões, seus atos, suas características, seus sentimentos lhe parecem estranhos, ― estrangeiros. Ela tenderia então a dispor do que ela tem de mais próprio e pessoal como coisas exteriores e acidentais.

Decerto é preciso que eu tenha opiniões; hábitos, um nome, afetos, repulsões, tanto quanto a parede de meu quarto tenha uma certa cor. Tudo isso não é mais meu do que a luz pertence a essa cor. Ela poderia iluminar o que quer que fosse.

― Como te chamas?

― Eu não sei...

Tua idade?... Eu não sei...Onde nasceste? Não sei...Profissão? Não sei... Está bem: Tu és eu mesmo.
Traduções de Lauro Marques

Um comentário:

rosilene fontes disse...

Bárbaro!
"Endopatia - é certo que a gente se projeta; e também que ao projetar-se a gente volta."(Diário de Andrés Fava).
abraços