quinta-feira, 21 de julho de 2011

O MURMÚRIO DO MUNDO_ Notas sobre poesia


Revista Bula, 4 de setembro de 2006

 
O MURMÚRIO DO MUNDO

O que eu admiro nos poetas, como já escrevi em outra ocasião, não é sua provável “riqueza interior”, mas sim a sua imensa generosidade. Os grandes criadores são também “esbanjadores” (Nietzs.). Encho minha taça para que ela transborde. Meus sentimentos pessoais, esses morrerão comigo, pois são incomunicáveis. Justamente por isso que um poema nunca é só uma questão de sentimento, e “construir um poema que contém unicamente poesia é impossível. Se uma obra contém apenas poesia, ela não é constituída; não é um poema” (Paul Valéry ).

“O poema não é nem uma descrição, nem uma expressão. Tampouco é uma pintura comovida da extensão do mundo. O poema é uma operação” (Alain Badiou, sobre Mallarmé).


SILENCIEMOS, POIS SIM, MAS NA LINGUAGEM

Ela caminha em minha direção, vinda de não sei onde, que a apanhei. Eu a pus para andar, soprei ar nos seus pulmões, dei-lhe um nome incógnito para protegê-la. Eu a falei.

Agora ela é sua. Trate-a bem.

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Aos poetas do “subconsciente”, que acreditam poder haver poesia apenas dentro de suas mentes, de forma emudecida, egoística, “não trabalhada”, ou “bruta”, eu afirmo: a “linguagem fala” (Heidegger) porque o signo-objeto-mundo fala. Escutemos.

Agora, digam o que quiserem, mas falem. Sejam imperfeitos e corajosos, falem de imagens e de silêncio, desertos, securas, pedras quebradas, mas falem, criem o poema.

Ou eu não vou poder nunca saber quem (ou o que) são vocês.


A POESIA PRECISA SER COMUNICADA

Subconsciente, na definição do Houaiss “é o conjunto dos fatos ou vivências pouco conscientes, ou que estão fora do limiar da consciência atual, ou aos quais ela não pode ter acesso”. Isso constitui a “matéria bruta” para um tipo de fazer poético? (1)

Vejamos: o subsconsciente “brota” em alguns poemas, imagens oníricas podem ser “projeções” inconscientes (pensem na figura que acompanha uma determinada poeta, de um unicórnio cavalgando numa noite enluarada...). A poesia realmente é rica em revelar imagens que estavam lá no fundo de nossa consciência, esperando para vir à tona. Os surrealistas buscaram através da escrita automática e outros processos, dar vazão especialmente a esse tipo de imagem. É algo que está sempre no âmago de nossos processos criativos e conscientes – assunto para uma possível "psicologia da arte".


“POETA” SIGNIFICA “FAZEDOR” EM GREGO

Um poeta que eu li pouco, porque só conheci muito recentemente, mas gosto muito, pela forma sintética e a força de seus poemas, Samuel Menashe (2), diz que “caminha” um poema até que esteja pronto. Ele o pensa enquanto anda, constrói na própria cabeça antes mesmo de escrevê-lo. “Eu não sinto que estou escrevendo”, afirma, “– mas talvez esculpindo. Você sabe, ‘poeta’ significa ‘fazedor’ em grego. Algumas vezes eu me sinto como alguém trabalhando num problema algébrico, e prestes a chegar a uma conclusão, e esta tem de estar perfeitamente balanceada’” (3). A etapa de passar para o papel é a que eu considero a mais difícil; é aí que eu sinto que as palavras ganham vida própria, o acaso intervém, algo fora de nós, uma folha de árvore voando... e aquilo passa a fazer parte do poema.


Promised Land
Terra Prometida

At the edge
À beira de
Of a world
Um mundo
Beyond my eyes
Além dos meus olhos
Beautiful
Lindo
I
know Exile
Eu sei que o Exílio
Is always
Sempre é
Green with hope –
Verdesperançado –
The river
O rio
We cannot cross
Não atravessado flui
Flows forever
Incessantemente


 - Samuel Menashe (tradução: Lauro Marques)

(1) Sirvo-me aqui, como em outras partes, de questionamentos surgidos dentro do grupo de estudos virttual Razão-Poesia, do qual participei, formado, dentro outros, pelos professores Gustavo Castro e Florence Dravet, de Brasília.

(2) Samuel Menashe nasceu na cidade de Nova Iorque em 1925. Em 1943 se alistou e foi mandado para a Escola de Infantaria em Fort Benning, no Estado da Geórgia (EUA). Após treinamento na Inglaterra, sua divisão lutou na França, Bélgica (A Batalha do Bulge), e Alemanha. Em 1950 foi agraciado com o título de doutor pela Universidade de Sorbonne. Seu primeiro livro, The Many Named Beloved, foi publicado em Londres em 1961.
Fonte: Revista Rattapallax

(3) New York Times (Publicado em: 10 de outubro de 2003). 


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