Emil Cioran – “Do inconveniente de
ter nascido” (1973)
Tradução de Lauro Marques
Caso pudéssemos nos ver com os olhos dos outros, desapareceríamos no ato.
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A sorte grande de Nietzsche de ter acabado como acabou. Na
euforia!
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« É preciso estar bêbado ou louco, dizia Sieyès, para falar nas línguas
conhecidas. »
É preciso estar bêbado ou louco, eu poderia acrescentar, por
se atrever ainda a usar palavras, qualquer palavra.
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Uma obra só existe quando ela é preparada na sombra com a
atenção, com o cuidado do assassino que medita seu golpe. Em ambos os casos, o
que importa é a vontade de «
surpreender ».
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Um livro é um suicídio adiado.
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Não é preciso se sujeitar a uma obra, é preciso somente
dizer algo que possa se murmurar à orelha de um bêbado ou de um moribundo.
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Há dois mil anos que Jesus se vinga de nós por não ter
morrido em um sofá.
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Diante de um túmulo, as palavras: jogo, impostura,
diversão, sonho, se impõem. Impossível pensar que existir seja um fenômeno
sério. Certeza de uma fraude na origem, na base. Deveríamos gravar no frontão
dos cemitérios: «
Nada é trágico. Tudo é irreal ».
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Tristeza automática. Um robô elegíaco.
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Todos esses poemas em que a única coisa em questão é o Poema,
toda uma poesia que não tem outra matéria a não ser ela mesma. Que diríamos de
uma oração cujo objeto fosse a religião?
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Nada de mais
abominável que o crítico, e com mais razão ainda, o filósofo em cada um de nós:
se eu fosse poeta, reagiria como Dylan Thomas, que, sempre que comentavam seus
poemas, se deixava tombar no solo e se entregava a contorções.
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Todo misantropo, se sincero for, lembra por momentos
aquele velho poeta acamado e completamente esquecido, o qual, enfurecido contra
seus contemporâneos, tinha decretado que não queria receber mais ninguém. Sua
mulher, por caridade, tocava de vez em quando à porta.
2 comentários:
Gostei muito do seu blog!Sensacionais essas "frases".
Obrigado Michelle. Bem vinda.
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