segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Mais uma retirada do blog "Leitura Partilhada".

Comentei a respeito da seguinte citação:

Hamlet
Oh! Se esta carne compacta pudesse fundir-se, liquefazer-se, transformar-se em orvalho! Se o Eterno não tivesse formulado decretos contra o suicídio! Meu Deus! Meu Deus! Como são fastidiosos, gastos, vulgares, os bens terrestres! Que mundo êste! Oh! É um jardim inculto em que crescem as ervas bravas!

Interessante ler essa passagem com a "chave" do soneto 94 (*). Hamlet é uma erva brava, que apodrece num jardim de lírios (a Dinamarca, o casal real) que, infectados por um mal (traição e assassinato do pai de Hamlet), fedem mais do que as ervas.

A vil erva vai turvar-lhes (ultrapassar-lhes) a compostura (dignidade).

Não há fuga à vida, mas preparação para a morte.


___
(*)
Soneto 94
They that have power to hurt, and will do none,
That do not do the thing they most do show,
Who, moving others, are themselves as stone,
Unmoved, cold, and to temptation slow:
They rightly do inherit heaven’s graces,
And husband nature’s riches from expense;
They are the lords and owners of their faces,
Others, but stewards of their excellence.
The summer’s flower is to summer sweet,
Though to itself it only live and die,
But if that flower with base infection meet,
The basest weed outbraves his dignity:
For sweetest things turn sourest by their deeds;
Lilies that fester smell far worse than weeds.


Eles que podem magoar, mas não,
não fazem coisas neles evidentes,
que movem outros e em si mesmos são
de pedra, imóveis, frios, reticentes,
herdam graças do céu, poupam primores
da Natura a desgaste e decadência,
de suas faces donos e senhores.
Outros são servos só dessa excelência.
Embora para si viva e pereça,
a flor do verão ao verão traz a doçura,
mas basta que se infecte e adoeça,
vil erva vai turvar-lhe a compostura.
Se há feitos que os mais doces mais azedem,
os lírios podres mais que as ervas fedem.

Sonetos Completos de William Shakespeare
Tradução de Vasco Graça Moura
Fonte:
Leitura Partilhada (clique)

2 comentários:

Anônimo disse...

Lauro,

Parabéns pelo Diário que segue. Peregrinarei mais por essas páginas.

Como jacarés estéticos,
resolvendo um ou outro problema universal:
só os olhinhos pra fora do uísque.

Abraço,

Fábio

Lauro Marques disse...

Ótimo achado, dos jacarés estéticos , à beira da piscina plana, vendo os aviões se precipitaram feito astros, ou tochas (como na música de Zé Ramalho, a letra roubada de Stan Lee?, o Incrível Hulk), mas lentamente.

Perigoso lenitivo, o uísque - apazigou-me a alma.