
Quando chegamos, faltando três dias para a virada do ano, fomos recebidos por um beija-flor, preso na gaiola de vidro da casa. Fiquei admirado e encantado com a delicadeza com que ela pegou o pequeno pássaro em suas mãos e logo em seguida, sem que o minúsculo ser tivesse tempo para se debater, devolveu-o mais uma vez ao seu elemento. Pensei que não haveria melhor maneira de acabar 2006.
O calor do primeiro dia na serra foi logo substituído por uma chuva insistente e muda (como aprendi com René Char, “a chuva fina é muda”) que nos deixou levemente entristecidos.
Fomos interrompidos pelo ano-novo.
Agora, vendo distante, no tempo, as árvores altas, o pio dos pássaros e o canto dos sapos, e já “sem nenhuma montanha no olhar”, pergunto-me se tudo aquilo era real, “como um lago de montanha abandonado”, que não será jamais, já que uma das características do real é a constância.
Abro mais uma vez a página desse livro de Char (Nu Perdido e Outros Poemas), a esmo, e me consola o que está escrito: “Beleza, caminho ao teu encontro na solidão e no frio [...]. Amo você e você vive em mim”.
E pobre de tudo, menos do que escrevo, contento-me apenas em dividir o que não tenho com aquele que neste momento me lê. “Lágrimas e sorrisos são fósseis”. “O tempo rasga e poda. Um clarão dele se afasta: nossa faca”. “Que ele viva!”. Feliz 2007.