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terça-feira, 7 de abril de 2015

Absolutamente Nada


Lendo "Absolutamente nada", seleção de textos de Robert Walser (que o vendedor entendeu Roberto Salsa e depois emendou uma valsa), me esforçando para gostar. O homem era admirado, segundo me informa a contracapa, por ninguém menos que Walter Benjamin, Musil, Kafka e Herman Hesse, que escreveu: "Se Walser tivesse cem mil leitores, o mundo seria um lugar melhor". Alguns contos são de uma singeleza que nossa época brutal não mais permite. De tão evanescente fica-se um gosto de nada. Algumas imagens são decididamente clichês e pelo menos um conto, "O bote", na minha opinião não mereceria estar na seleção do tradutor Sergio Tellaroli. Por outro lado, há uma crônica genial sobre as calças compridas das mulheres, escrita em 1911, na qual o autor parece adivinhar o futuro. E eu me lembrei de Antônio Maria, o genial cronista brasileiro, que teve a desgraça de escrever em português, num país que não existe no mapa. Antonio Maria por sinal faria 94 anos em 17 de março - ninguém lembrou. Outro conto, "A história de Helbling", lembra o escrivão Bartleby de Herman Melville e Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego.

sábado, 8 de março de 2014

O abismo de Pessoa



Mise en abîme. Procedimento que consiste em incrustar uma imagem dentro dela mesma, representar uma obra dentro de uma obra de um mesmo tipo, que remonta ao princípio dos fractais ou da recursividade na matemática.

Em literatura, o “pôr-se em abismo” é a técnica utilizada pelo escritor que escreve um romance sobre o escritor que escreve um romance, como no primeiro livro de André Gide: “Os Cadernos e as Poesias de André Walter”. Assim como em “Os Moedeiros Falsos”, obra da maturidade de Gide, o próprio romance está sendo escrito dentro da obra de mesmo nome em que é contado.

Indo um pouco além das definições enciclopédicas, de todos os artistas talvez o poeta seja o ser que mais está sempre a cada momento “colocando-se em abismo”. Isto é, ele está o tempo todo representando para si mesmo o ato de escrever o poema e a si mesmo nesse ato. Ele exercita o tempo todo aquilo que Octavio Paz chamou de “outridade” ―resumida na famosa frase de Rimbaud: “Je est un autre”, eu sou um outro, o “eu” é um outro.

Este “eu” de que falam tantos poemas sempre é um retrato de um outro, um “eu” que precisa ser representado na forma desse outro, e só aparece por meio da linguagem.

O “eu” é um outro, meu abismo é o seu abismo e ambos podemos nos reconhecer. Ou talvez nele venhamos a nos perder.

A “outridade” do poeta não é senão “colocação em abismo”, mise en abîme.

(Para ser inteiro é preciso ser outro. E nunca se pode ser inteiramente inteiro, sem ser outro. Donde, nunca se pode ser inteiro.)

O verdadeiro “eu” está em outra parte ou está em parte nenhuma ―o que é o mesmo que dizer que está em toda a parte.

O verdadeiro “eu” é uma ficção. Fernando Pessoa, o mais “abismal” dos poetas foi talvez quem melhor compreendeu isso, e que se declarou, pela voz do heterônimo (sempre pela voz do heterônimo) Bernardo Soares, um “espectador irônico” de si mesmo. E é também Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, que se rebela contra o escritor Fernando Pessoa, que o escreve escrevendo contra a necessidade de se recompor, para que venha a existir, como linguagem, para nós, destruindo-se enquanto unidade autônoma aparente: “Tornei-me uma figura de livro, uma vida lida. O que sinto é (sem que o queira) sentido para se escrever que se sentiu. O que penso está logo em palavras, misturado com imagens que o desfazem, aberto em ritmos que são outra coisa qualquer. De tanto recompor-me destruí-me. De tanto pensar, sou já meus pensamentos mas não eu. Sondei-me e deixei cair a sonda; vivo a pensar se sou fundo ou não, sem outra sonda agora senão o meu próprio olhar que me mostra, claro a negro no espelho do poço alto, meu próprio rosto que me contempla a contemplá-lo”.

Mise en abîme infernal e vertiginoso em que criador e criatura se fundem e se separam num jogo de espelhos infinito, e a solução para o problema formulado nunca é dada.

domingo, 24 de julho de 2011

Notas de Estética

BIOPOEÍSIS



Poeta bom é poeta morto. Sempre penso nisso quando ouço falar de fulano de tal, o maior poeta vivo. Mesmo correndo o risco, ouso afirmar que, para nós, Fernando Pessoa ainda é o mais importante. Pegue um volume qualquer das obras dele, dificilmente achará pessoas mais vivas na rua. (O trocadilho é completamente intencional). Outro vivíssimo, para mim, é Nietzsche. Dizem que foi mau poeta. Não concordo. Acho que é um poeta lúcido. Talvez lúcido demais. Sua poesia deve ser lida como um complemento de sua filosofia, inexoravelmente atada. Talvez por isso sua Qualidade deva ser apreciada de outro ponto, que não o poético, apenas. Sua poesia deita raízes profundas, mas a poesia, essa flor exótica, tem necessidade ao mesmo tempo de sombra e luz. Ela não pode ser deixada muito tempo no escuro, senão perde o viço, e não pode viver por muito tempo também sob a luz. A poesia tem necessidade de mudança. Como qualquer outra coisa viva.



O PROBLEMA DA ARTE (1)



Dizer “satisfatório” não basta, é preciso dizer satisfatório para qual fim? E aí entramos no problema da arte. Melhor do que dizer que a arte não tem fim, é dizer que o fim da arte é ela própria. Ora, estamos supondo que toda arte é “verdadeira”, ou que toda verdadeira arte é verdadeira. Todo verdadeiro poema é um argumento significativo. Se a vida da ciência é o desejo de aprender, ninguém mais sabedor disso do que o artista. O artista sempre acha que falhou, que ele pode melhorar. “Minha melhor obra é a última”. O artista é o eterno insatisfeito. E permita-me discordar de que a arte não precisa ter coerência ou comprometimentos quaisquer a não ser imaginar, o que quer que seja.



Não surrealista, não! Mesmo o poema mais doido


deve ter, como na prosa, alguma base firme no senso comum.”

– W. H. Auden, Poemas curtos II.

sábado, 29 de agosto de 2009

Fabulador de pulsões negativas


É assim que o escritor argentino Alan Pauls descreve Enrique Vila-Matas na orelha de "Suicídios Exemplares", publicado recentemente no Brasil. Escrito dez anos antes de Bartleby e Companhia, já há algo neste livro do escrivão de Herman Melville que se recusa a fazer qualquer coisa que seja (o que é também um modo de se aniquilar). Tema que seria explorado por Vila-Matas na forma de uma galeria de personagens estranhos tomados por essa mesma "pulsão negativa". Não agir, não escrever, literatura do não. Não é por menos que Fernando Pessoa seja um dos heróis de Vila-Matas. No final desse seu livro de contos sobre suicidas e não-suicidas, ele o transforma em personagem, juntamente com Mário de Sá-Carneiro, simplesmente ao transcrever (outra vez o copista, que exercita a arte da citação) o trecho da carta deste para Fernando Pessoa, escrita em 31 de março de 1916, poucas semanas antes de suicidar-se no Hotel de Nice, Paris, após ingerir cinco frascos de estricnina, tendo inclusive convidado para assistir o amigo José de Araújo: Mas não façamos literatura. Pelo mesmo correio (ou amanhã) registradamente enviarei o meu caderno de versos que você guardará e de que você pode dispor para todos os fins como se fosse seu (...) Adeus. Se não conseguir arranjar amanhã a estricnina em dose suficiente deito-me para debaixo do "metro"... Não se zangue comigo.