Mostrando postagens com marcador Notas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Notas. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 6 de março de 2018

Breviário de obscuridades II


Pergunta lesa-divindade:
- Tu, criador, quando te tornaste criatura?

Breviário de obscuridades I




Que podes fazer com alma,
além de des-gastá-la ---
inutilmente 

e para sempre?


What can you do with soul,
besides un-spend it ---
uselessly

and forever?


l.m.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Nota sobre Bioy Casares

Em 2014 ele completaria 100 anos, assim como outro argentino, Cortázar (quem se importa com a idade aproximada de Cristina K?). Fala-se muito de Invenção de Morel, seu romance “semiótico” por excelência, mas Diário da Guerra do Porco, narrativa sempre atual de uma guerra movida pelos jovens para exterminar os mais velhos (curiosamente, lembrei disso recentemente assistindo à série italiana Gomorra), é imensamente superior, até, mas não só, pelo grau de perturbação.

Antes mesmo de Cortázar, talvez valha mais aqui a comparação de Bioy com Kaffka. No romance Dormir ao Sol (baseado no qual existe um tentativa de adaptação para o cinema que resulta um pouco involuntariamente cômica) temos a perspectiva de alguém metamorfoseado num cão, incapaz de comunicar-se com o mundo exterior, que só é capaz de enxergá-lo como um animal.

Mas são nos contos - assim como em Kafka - que encontramos o escritor em um estado muito próximo à perfeição. Como na magistral, ainda que breve, coletânea Historia Desaforada publicada pela primeira vez em 1986, quando o autor tinha 72 anos de idade. No conto Planes para una fuga al Carmelo, ele retoma mais uma vez o tema do extermínio dos velhos pelos jovens, numa ficção científica envolvendo o vizinho Uruguai. 

Já em Historia desaforada, que dá nome ao volume, e que dialoga com o primeiro conto, a inspiração veio, segundo explica Bioy no prólogo do livro, de uma frase de Bergson: “A inteligência é a arte de sair de situações difíceis”. “Pensei que nesse momento para mim uma situação difícil era a velhice, e me ocorreu a história de um professor que consegue isolar as glândulas da juventude, para injetá-las em organismos decrépitos”.

Em outro conto que integra a mesma coletânea, La rata o una llave para la conducta, uma ratazana gigante, outro animal do bestiário de Bioy, que nunca aparece, assombra um chalé de certo professor Melville (como o autor de Moby Dick). O professor havia chegado a uma teoria segundo a qual “podemos averiguar a verdadeira índole de nossos sentimentos” (se são bons ou maus), “mediante a confrontação com a ratazana que há na casa”. A ratazana é a própria morte ou “nossa desaparição e também a desaparição de todas as coisas, gente, história: o mundo inteiro”.

***

Bioy Casares também escreveu um diário de 1.700 páginas em que registrou suas conversações com Borges. Num dos trechos iniciais, há uma breve discussão sobre se deve publicar ou não. Reproduzo aqui mais ou menos exatamente o diálogo, um dos muitos de que o livro é recheado. Borges, naquela ocasião, manifesta-se a favor de que o escritor não deve se apressar em publicar, a fim de evitar a vergonha posterior, que tarda mas não falha. Bioy contemporiza que sempre se ganha algo em publicar, fica-se menos “vaidoso”. E não há coisa pior do que o escritor que jamais escreve nada (o que Enrique Vila-Matas chamaria de complexo de Bartleby e Roberto Arlt descreveu no conto O Escritor Fracassado). Pouco antes ele havia registrado no diário um comentário de Silvina Ocampo, sua esposa, de que, na opinião dela, ele escrevia melhor que Borges, a escritura lhe sairia de modo “mais natural”.

***

De las cosas maravillosas, publicado em 1999, foi a última pérola do colar de Bioy Casares, que encontrei por insanos R$ 100,00 em uma livraria de São Paulo. Por felicidade li-o inteiro de uma sentada, de graça, ali mesmo. No meio encontrei esta anedota sobre as últimas palavras de Buster Keaton. Recordando a morte do grande ator e diretor de comédias mudas, Bioy conta que alguém, junto à cama do enfermo, observou que ele havia parado de respirar. Para saber se está morto – retorquiu outro – “você tem que tocar nos seus pés. As pessoas morrem com os pés frios. ‘Ah, Joana d’Arc, não’, disse Buster Keaton. E caiu morto. 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Aniquiladores



Schlegel, que a irmã dizia que tinha cara de bobo, numa inventiva contra os árabes escreveu em 1798 que estes eram "aniquiladores entre as nações" e uma "natureza extremamente polêmica", porque tinham predileção em destruir os originais depois de traduzi-los para sua língua nativa. Ironicamente, segundo ele, "talvez por isso mesmo fossem infinitamente mais cultos, mas, apesar de toda cultura, mais puramente bárbaros que os europeus da Idade Média. Bárbaro é aquilo que é ao mesmo tempo anticlássico e antiprogressivo". Em outra passagem, acrescenta: "Os árabes absolutizam em toda a parte. O que não lhes parecia útil, destruíam imediatamente".

Absolutamente Nada


Lendo "Absolutamente nada", seleção de textos de Robert Walser (que o vendedor entendeu Roberto Salsa e depois emendou uma valsa), me esforçando para gostar. O homem era admirado, segundo me informa a contracapa, por ninguém menos que Walter Benjamin, Musil, Kafka e Herman Hesse, que escreveu: "Se Walser tivesse cem mil leitores, o mundo seria um lugar melhor". Alguns contos são de uma singeleza que nossa época brutal não mais permite. De tão evanescente fica-se um gosto de nada. Algumas imagens são decididamente clichês e pelo menos um conto, "O bote", na minha opinião não mereceria estar na seleção do tradutor Sergio Tellaroli. Por outro lado, há uma crônica genial sobre as calças compridas das mulheres, escrita em 1911, na qual o autor parece adivinhar o futuro. E eu me lembrei de Antônio Maria, o genial cronista brasileiro, que teve a desgraça de escrever em português, num país que não existe no mapa. Antonio Maria por sinal faria 94 anos em 17 de março - ninguém lembrou. Outro conto, "A história de Helbling", lembra o escrivão Bartleby de Herman Melville e Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego.

sábado, 16 de julho de 2011

Um fragmento do Ulisses: Torres, cadáver de leite



Ulisses, James Joyce. Uma revolta muda, impotente, diante da morte, o transcorrer inexorável do tempo, cheirando a putrefação, em que “um dia são muitas vidas”, percorre o livro. Como na passagem a seguir, que faz uma referência cruzada ao zoroastrismo1 (a tradução é minha) :"Um cadáver é carne estragada. E queijo, o que é? Cadáver de leite. Li numa dessas Viagens à China que o chinês afirma que um homem branco cheira a cadáver. Muito melhor cremar. Os padres são mortalmente contra. (...) Câmara de gás. Ao pó voltarás. Ou enterre no mar. Onde fica essa Torre do Silêncio parse? Comido por pássaros. Terra, fogo, água."

A capa da edição da Penguin Books 2.

___


1- Os elementos eram sagrados para os seguidores desse antigo culto de persas zoroastristas: os parses (ainda existente no Irã, Iraque e Índia). Enterrar ou cremar significava corromper. Eles resolveram a situação depositando os corpos dos mortos no alto de torres, expostos ao sol, para serem consumidos pela ação do tempo, pássaros, etc.

2- Foto de uma "Martello Tower", fortaleza de alvenaria circular de defesa costeira, construída pelo Império Britânico durante o século XIX após as Guerras Napoleônicas. Joyce chegou a viver uma semana numa torre dessas, em 1904, quando tinha 22 anos, onde ele localizou o início do episódio 1 de Ulisses. "The tower was leased from the British War Office by Joyce's university friend Oliver St. John Gogarty, with the purpose of "Hellenising" Ireland. Joyce left after an incident in which Gogarty fired a gun in his direction.The opening scenes of Ulysses are set the morning after this incident. Gogarty is immortalised as "Stately, plump Buck Mulligan" (ver Wikipedia). Hoje transformada em museu do escritor, em Dublin. Foi uma livre associação que fiz baseado na semelhança entre essa estrutura e a Torre do Silêncio parse mencionada no fragmento.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Variações sobre a identidade



Traduções e notas

Tradução (1) "Os cadernos e as poesias de André Walter" - André Gide.
25 de abril

Não compreenderão este livro, os que procuram pela felicidade. A alma não está satisfeita; ela adormece nas felicidades. É o repouso, não a vigília! É preciso velar. A alma ativa, eis o desejável ― e que encontre sua felicidade, de nenhum modo na FELICIDADE, mas no sentimento de sua atividade violenta. ― Portanto a dor mais que o júbilo, pois ela torna a alma mais viva; quando a alma não prosterna, as vontades se lhe exasperam: sofremos, mas o orgulho de viver poderosamente afasta as fraquezas. A vida intensa, eis a soberba: eu não trocaria a minha vida por a de nenhum outro, eu aqui vivi várias vidas, e a real foi a menos importante.

Intensificar a vida e guardar a alma vigilante: então ela não mais se lamentará, indolente, mas lhe agradará a própria nobreza.

* * *
O autor -André Gide- assinala o ano de 25 de abril de 1889 para este trecho. Data em que, no romance, publicado em 1891, o personagem escreve no seu diário. O fragmento faz parte do Caderno Branco, uma das seções (a outra é o Caderno Negro) em que se subdivide o romance de estréia de Gide intitulado "Os cadernos e poesias de André Walter".

Em nota, o editor da versão original em francês, Claude Martin, assinala que a frase que encerra o primeiro parágrafo contém uma “idéia essencial à Gide, que está na própria raiz de sua criação romanesca, nutrida das ‘direções infinitas de sua vida possível’, ao mesmo tempo que ‘o romancista fictício criou seus personagens com a linha única de sua vida real’, seguindo uma fórmula de Albert Thibaudet e suas Reflexões sobre o romance, Paris: Gallimard, 1938, p 12] retomada por Gide no final de seu Diário dos Moedeiros Falsos [Paris NRF, 1927, p 113] , um dia após ter colocado o ponto final no seu romance”.

No diário de Édouard, personagem do romance de Gide em Os Moedeiros Falsos, Círculo do Livro: tradução de Celina Portocarrero, p. 62, este também escreve: “Nunca sou senão aquilo que acredito ser ― e isso varia sem cessar, de modo que frequentemente, se eu não estivesse aqui para aproximá-los, meu ser da manhã não reconheceria o da tarde. Nada pode ser mais diferente de mim do que eu mesmo.”E, continuando: Nada para mim tem realidade, senão poética (e atribuo a essa palavra seu sentido pleno) ― a começar por mim mesmo. Parece-me às vezes que não existo realmente, mas que simplesmente imagino que sou. Aquilo em que mais custo a crer é em minha própria realidade.”

Tradução (2). "Coisas inauditas". Paul Valéry
Variações sobre Descartes
  Às vezes eu penso; e às vezes, eu sou.

*

Se um ser não pudesse viver uma outra vida diferente da sua, ele não poderia viver a própria vida.

Pois a sua vida não é feita senão de uma infinidade de acidentes, cada um dos quais podendo pertencer a uma outra vida.

*
Si mesmo
 Quanto mais uma consciência é “consciente” mais sua personalidade, mais suas opiniões, seus atos, suas características, seus sentimentos lhe parecem estranhos, ― estrangeiros. Ela tenderia então a dispor do que ela tem de mais próprio e pessoal como coisas exteriores e acidentais.

Decerto é preciso que eu tenha opiniões; hábitos, um nome, afetos, repulsões, tanto quanto a parede de meu quarto tenha uma certa cor. Tudo isso não é mais meu do que a luz pertence a essa cor. Ela poderia iluminar o que quer que fosse.

― Como te chamas?

― Eu não sei...

Tua idade?... Eu não sei...Onde nasceste? Não sei...Profissão? Não sei... Está bem: Tu és eu mesmo.
Traduções de Lauro Marques

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Notas soltas - Poesia

A poesia não tem recuos e avanços. Ela – é, permanece. Depois de retirar sua atuação “social”, é impossível deixá-la sem a plenitude vital e humana, do aprofundamento, de ser autônoma. E então? –Ela pode evidentemente aprofundar-se também naquelas esferas em que o sono atua com tamanha intensidade. “Ousar” permanecer no sono, enriquecer-se em seu domínio, comunicar-se com ele – nisto, se quiserem, é lenta certeza da poesia em si mesma – ela não necessita que lhe façam “indicações”, que lhe “permitam” e que a controlem (também é assim, e em concordância, o seu leitor).


Será que a poesia perde ou adquire algo em tais condições? Seria desejável deixar isso como uma pergunta formulada. O mais importante: ela sobrevive. Expulse-a pela porta, ela se esgueira pela janela.

Guenádi Aigui. Sono e poesia.


Deixe-me colocar-lhe uma questão, senhor Breton. Todos conhecemos a noite e os dois lados que todas as noites têm: a noite dentro de casa e a noite fora de casa. Ou seja: há a tranquilidade e o esperado e há, ainda, o medo e a estranheza. Claro que se poderá sempre dizer que a poesia não se encontra nem em um lado nem no outro: a noite tem dois lados e a poesia é a porta da casa no momento em que é aberta e o escuro cobre a relva e o céu. Mas quando alguém tem medo, deve correr para casa; e quando sente tédio, deve correr para a parte de fora da noite. E a poesia, que parece uma coisa parada, resolve, ao mesmo tempo, o tédio e o medo; o que é bom e dois, sendo uma única, a poesia.

 Gonçalo M. Tavares. O Senhor Breton e a entrevista.

domingo, 19 de setembro de 2010

Mário de Sá-Carneiro: Impressões domingueiras


Leio Mário de Sá-Carneiro no domingo meio nublado, no parque da Água Branca. Um parque meio pobre e mal-cuidado, em reformas, com aves simplórias ciscando em meio aos pombos (que ao meu ver nem aves são), galinhas, galos e pavões. Paus-brasis dos mais altos que já vi -antes só conhecia mudas-, que me pareceram muito estranhos, e um resto de vegetação que para nós, citadinos, já nos basta para nos sentirmos em meio ao mato. Uma surpresa. Há quiosques com livros que você pode pegar e ler, depois devolver, sem ninguém para dar por isso. Um quiosque com livros de poesia! Poucos, uns 20 talvez, mas todos bons (lembro que vi Rimbaud, Lautréamont, Haroldo de Campos, Célan, José Paulo Paes), outro de literatura em geral. Fui lá no de poesia e peguei o Mário de Sá. Há mesas de leitura, como as de um restaurante, só que sem garçons, e quando fui lá estavam vazias. Uma musiquinha tocava ao fundo, uma canção infantil. Eu já o tinha lido, claro, mas naquele parque lúgubre, num domingo, após ter passado em frente a um baile da terceira idade, que ocorria a poucos metros ali mesmo dentro do parque, onde pairava um estranho desânimo, um “além-tédio" (1) de tudo -para um parque, com crianças!-, a sensação foi amplificada.

*
*
*

Acrescento algo totalmente desnecessário a essa minha nota igualmente desnecessária, que não tem muito a ver com Sá-Carneiro mas com o "estado de ânimo" do parque naquele dia. O tal baile da terceiridade era uma das "atrações", comparável aos brinquedos para as crianças e os animais soltos, para os que de fora observávamos os velhinhos a entrar na casa - de onde saía uma animada música, contrastando com as figurinhas trêmulas que, rapidamente, e sem trocar muitas palavras, a espinha dobrada, entregavam determinada quantia ao homem, também de idade, usando um chapéu preto e camisa social, que fazia às vezes de porteiro e bilheteiro. Como a casa ficava numa parte baixa, as pessoas na parte alta do caminho que passava ao lado do salão de baile, paravam para olhar, algumas empurrando carrinhos de bebês, em roupas de "jogging", ou casais de meia-idade, por um momento sinceramente enternecidos com as imagens do passado (que para nós seria mais certo dizer futuro, mas que vemos como pertencentes a um tempo passado). Escutei uma garotinha dizer: "mas deve ser necessário ter uma certa idade", entre desejosa e precavida, de participar da "festa", que, como tudo mais no parque, tinha a aura de espectro.

__________

(1) - nome de um poema de MSC.

Nada me expira já, nada me vive ---/ Nem a tristeza nem as horas belas. /De as não ter e de nunca vir a tê-las, /Fartam-me até as coisas que não tive. //Como eu quisera, enfim de alma esquecida, /Dormir em paz num leito de hospital.../ Cansei dentro de mim, cansei a vida/ De tanto a divagar em luz irreal. //Outrora imaginei escalar os céus/ À força de ambição e nostalgia,/ E doente-de-Novo, fui-me Deus/ No grande rastro fulvo que me ardia.// Parti. Mas logo regressei à dor, /Pois tudo me ruiu.../ Tudo era igual: A quimera, cingida, era real,/ A própria maravilha tinha cor!// Ecoando-me em silêncio, a noite escura/ Baixou-me assim na queda sem remédio;/ Eu próprio me traguei na profundura,/ Me sequei todo, endureci de tédio.// E só me resta hoje uma alegria:/ É que, de tão iguais e tão vazios, /Os instantes me esvoam dia a dia/ Cada vez mais velozes, mais esguios...

Ver também o poema "Dispersão".

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SILENCIEMOS, POIS SIM, MAS NA LINGUAGEM

Ela caminha em minha direção, vinda de não sei onde, que a apanhei. Eu a pus para andar, soprei ar nos seus pulmões, dei-lhe um nome incógnito para protegê-la. Eu a falei.



Agora ela é sua. Trate-a bem.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

short lived like a butterfly

Diante da imagem em P&B, de baixíssima definição, que espelhava a performance, o artista alienado manipulava frequências no ferro-velho eletrônico, que remetiam à ante-sala do consultório ou à Internet discada. A experiência, muito mais agonicamente vivida que a existência de uma borboleta, durou cerca de uma hora. Ao final do desconcerto, na sala ecoou o vazio, envolvendo todos numa atmosfera de frouxidão.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Intradoxos-O mar

"Nada existe
excepto o
mar" [Tudo caminha para o mar]


Fragmento de Intradoxos, um livro assombroso, de Márcio-André, um Ezra Pound carioca, da Confraria do Vento.

Como isso é verdadeiro! Como estão aguados de mar os poemas!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnaval 2x4

Passo o carnaval escutando tango e tomando vinho tempranillo. (Dezenas de discos em mp3. De Gardel a Dolores Solá, imperdíveis o CD e o show dela, "Salto Mortal", que vi em BsAs e me emocionou). Que maneira mais maravilhosa de trair a pátria! (rs)

Neste blog argentino pode-se baixar tudo: Taringa

sábado, 26 de setembro de 2009

Retorno à simplicidade

Leitura de primavera

Livros com 50% de desconto:

Poesia completa de Garcia Lorca

Edição bilingue da Editora da Imprensa Oficial.
Quase 700 páginas.

Reencontro as canções (vontade de escrever), reencontro toda uma poética, que parece simples...que fala de vento no olival, vento na serra...

Poema de la solea*


Tierra seca
tierra quieta
de noches
inmensas.

..(Viento em el olivar,
viento en la sierra.)

Tierra
vieja
del candil
y la pena.
Tierra
de las hondas cisternas.
Tierra
de la muerte sin ojos
y las flechas.

..(Viento por los caminos.
Brisa en las alamedas.)



__

*ou "soledad": canção típica da Andaluzia, informa o tradutor na edição do livro.

sábado, 29 de agosto de 2009

Fabulador de pulsões negativas


É assim que o escritor argentino Alan Pauls descreve Enrique Vila-Matas na orelha de "Suicídios Exemplares", publicado recentemente no Brasil. Escrito dez anos antes de Bartleby e Companhia, já há algo neste livro do escrivão de Herman Melville que se recusa a fazer qualquer coisa que seja (o que é também um modo de se aniquilar). Tema que seria explorado por Vila-Matas na forma de uma galeria de personagens estranhos tomados por essa mesma "pulsão negativa". Não agir, não escrever, literatura do não. Não é por menos que Fernando Pessoa seja um dos heróis de Vila-Matas. No final desse seu livro de contos sobre suicidas e não-suicidas, ele o transforma em personagem, juntamente com Mário de Sá-Carneiro, simplesmente ao transcrever (outra vez o copista, que exercita a arte da citação) o trecho da carta deste para Fernando Pessoa, escrita em 31 de março de 1916, poucas semanas antes de suicidar-se no Hotel de Nice, Paris, após ingerir cinco frascos de estricnina, tendo inclusive convidado para assistir o amigo José de Araújo: Mas não façamos literatura. Pelo mesmo correio (ou amanhã) registradamente enviarei o meu caderno de versos que você guardará e de que você pode dispor para todos os fins como se fosse seu (...) Adeus. Se não conseguir arranjar amanhã a estricnina em dose suficiente deito-me para debaixo do "metro"... Não se zangue comigo.

O antiblogger?

Escrever somente quando necessário.

Como Paul Valéry, que acordava no meio da noite assaltado pela urgência de uma frase ou pensamento e assim preencheu cadernos e mais cadernos absolutamente desnecessários. E aqui me contradigo, pois, em literatura, como na vida, como saber quando e o que é de fato necessário?

* * *

"Poste-escrito": sobre isso e sobre a "necessidade do sentimento", ler (valeria a pena meditar?) minha tradução do texto Pequeno Café, de Valéry.

domingo, 26 de abril de 2009

O filho eterno


Em O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, não há tanta crueldade, ao contrário do que afirma o crítico da Veja, cujo comentário vem estampado na contracapa do premiado livro do escritor nascido em Lages-SC. Não dá para equipará-lo a Céline ou Onetti, nesse quesito, por exemplo. Talvez porque os personagens do livro sejam reais - principalmente seu filho, alvo da "crueldade" por ser portador da síndrome de Down, que ele não se reprime às vezes de qualificar como 'idiota", para em seguida demonstrar uma infinita paciência (eu não diria "compreensão", mais uma tolerância diante do inevitável). O que o crítico da Veja queria era quem sabe um outro "Marley e eu". E o romance (no que até onde hoje em dia se chama de romance) não oferece nenhum guia de auto-ajuda. Ele está tão perdido quanto nós. É um escritor, e isso basta. Em alguns momentos me lembra um John Fante, tentando ir em frente com seus escritos e hesitante diante da acolhida que têm. O Brasil, a dificuldade de se viver num país como o nosso, aparece como pano de fundo, nas lembranças do autor. Imigração e trabalho subalterno no exterior, a casa comprada com juros extorsivos embutidos num plano picareta do Governo, o medo diante da polícia, que dariam um segundo romance. O livro termina em um ponto que poderia ter sido outro qualquer. A ficção imita ou antes acompanha a vida dele e seu filho, impedido de chegar à idade adulta (que o pai, como ele próprio faz questão de sublinhar, por sua vez, reluta em alcançar) , daí o "eterno" do título.

sábado, 7 de março de 2009

Pedro Páramo

E agora lendo Pedro Páramo, de Juan Rulfo, agora que só escrevo notas esparsas, escorridas, pergunto-me se já não estão todos mortos... como as almas saídas das páginas deste pequeno livro estranho e forte, enquanto lá fora o ar enche-se da umidade pré-chuva, neste verão interminável de março, negando-me, não sei se negando-me de fato, onde para sempre para mim vida e morte se reuniram no dia trigésimo em que nasci, no mesmo em que vinte anos depois morreu meu pai, Pedro Páramo.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Não existe

"Não existe verdade sem o seu contrário; não existe amor que não odeie" (Borges? Escrevi para mim mesmo, à guisa de lembrete endereçado ao futuro, na contracapa de Ficções, numa edição antiga que folheio agora, no momento certo que eu previ, muito anos depois.)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A vida Breve


No fim do romance A vida Breve de Onetti, os personagens, que diga-se de passagem, são produtos da fantasia criados por outro personagem Juan María Brausen, estão fugindo da polícia. Fantasiados, "excessivamente escondidos no Carnaval", sem roupas para trocar e sem nenhuma perspectiva, sem dinheiro nem documentos, deixados para trás na fuga, sem ter mais para onde correr, eles sabem que quando acabar esse que é o último dia de folia, eles não vão conseguir passar mais despercebidos. É a hora em que está amanhecendo em Buenos Aires e eles estão sentados numa praça enquanto brindam à má sorte com copos vazios e a um homem muito velho que "alimentava-se de minúsculos mistérios sem importância. Na hora da morte acreditou que se salvaria dizendo estar com sono".