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sexta-feira, 1 de julho de 2016

Poema de Guenádi Aigui (tradução inédita)




Mais uma vez - na neve
Guenádi Aigui
[Tradução -do francês- Lauro Marques]



você entoa uma canção - e eu me distancio
pouco a pouco na neve (como ontem: silhueta
se obscurecendo na penumbra
em algum lugar cada vez mais longe) e uma tábua quebrada se projeta para fora
lá - entre as ruínas
de uma cabana abandonada (cantando sussurrando
e
chorando há muito tempo - e ao que parece
para
a felicidade não é tão pouco) e mais ao longe a floresta
como
em sonhos
se abre - e você começa a cantar
(embora não fosse mais necessário
pois não estava tudo já terminado)
você continua
(ou mesmo sem nós profundamente amadurece já
resplandecente
a eternidade)
você continua
cada vez mais surdamente
a cantar

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"E ele olha através da canção"

"E ele olha através da canção". Porque uma linha de Guenádi Aigui vale mais que mil poemas, caprichosamente elaborados, miméticos, narrativos, perfeitamente "conscientes de si", enfadonhos, acomodados, loucos para serem "expressos". "As notícias farfalham nas matas". "Campo e pedra." "O calar-se". "Pedra".

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Notas soltas - Poesia

A poesia não tem recuos e avanços. Ela – é, permanece. Depois de retirar sua atuação “social”, é impossível deixá-la sem a plenitude vital e humana, do aprofundamento, de ser autônoma. E então? –Ela pode evidentemente aprofundar-se também naquelas esferas em que o sono atua com tamanha intensidade. “Ousar” permanecer no sono, enriquecer-se em seu domínio, comunicar-se com ele – nisto, se quiserem, é lenta certeza da poesia em si mesma – ela não necessita que lhe façam “indicações”, que lhe “permitam” e que a controlem (também é assim, e em concordância, o seu leitor).


Será que a poesia perde ou adquire algo em tais condições? Seria desejável deixar isso como uma pergunta formulada. O mais importante: ela sobrevive. Expulse-a pela porta, ela se esgueira pela janela.

Guenádi Aigui. Sono e poesia.


Deixe-me colocar-lhe uma questão, senhor Breton. Todos conhecemos a noite e os dois lados que todas as noites têm: a noite dentro de casa e a noite fora de casa. Ou seja: há a tranquilidade e o esperado e há, ainda, o medo e a estranheza. Claro que se poderá sempre dizer que a poesia não se encontra nem em um lado nem no outro: a noite tem dois lados e a poesia é a porta da casa no momento em que é aberta e o escuro cobre a relva e o céu. Mas quando alguém tem medo, deve correr para casa; e quando sente tédio, deve correr para a parte de fora da noite. E a poesia, que parece uma coisa parada, resolve, ao mesmo tempo, o tédio e o medo; o que é bom e dois, sendo uma única, a poesia.

 Gonçalo M. Tavares. O Senhor Breton e a entrevista.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Releituras de Guenádi Aigui

Em 2008 publiquei uma leitura minha de um poema de Aigui, na Revista Bula. (Clique para ir para a página da revista). Na época, eu escrevi "poeta russo", mas o correto é "tchuvache" (a Tchuváchia é uma república autonônoma da Ex-URSS). Utilizei uma tradução de George Yurievitch Ribeiro, que eu considero ainda melhor que a que nos dá agora Boris Schnaiderman, para os mesmos versos, publicada na recente e belíssima coletânea de textos da editora Perspectiva “Guenádi Aigui: Silêncio e Clamor”.

Disse melhor, mas na verdade, relendo, agora, deveria ter dito que as duas traduções são complementares. A de GYR era para mim mais familiar, daí o estranhamento. Como não entendo russo, fica difícil julgar. As traduções iniciam de modo diferente, mas depois seguem mais ou menos juntas. Fica merecendo um estudo posterior. A título de comparação, leia-se os versos iniciais, pelos dois tradutores: "no clarão/ da angústia desfeita em pó" (BS); "no invisível crepúsculo/ de saudade pulverizada" (GYR). Na segunda tradução, a presença da palavra invisível (que não deixa de ser sugerida na primeira), marcou minha leitura do poema.

O conhecimento da biografia do autor também serviria para uma leitura do poema em questão, chamado "Silêncio", quando sabemos que o poeta foi levado ao ostracismo na Rússia, por não se adequar às diretrizes do realismo socialista. Veja-se, sobre isso, os versos, que vem imediatamente após os dois primeiros citados no parágrafo anterior, e são um testemunho da coragem e da firmeza de princípios do autor em relação à sua arte:


“conheço o inútil como os pobres conhecem a última roupa

e trastes antigos

e sei que essa inutilidade

é justamente a de que o país necessita de mim” (GYR)


Muito semelhante é essa passagem na nova tradução, de BS:


“conheço o desnecessário como os pobres conhecem a

roupa última

e os velhos trastes

e sei que este desnecessário

é o que o país precisa de mim”

Em um outro poema de Aigui, chamado “O Nosso”, traduzido na coletânea organizada por BS, a poesia, que neste poema é também sono e silêncio do poeta, é colocada ao lado da verdade, em favor da vida, num contraponto à mentira – reservada para o Estado.