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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Pequeno Café

Paul Valéry
Extraído de "Rhumbs" - "Tel Quel", 1941-1943
Tradução Lauro Marques


Pequeno café obscuro, solidário, secreto, paraíso de pureza e de pensamentos.

Asilo espelhado de pedra oca, de uma palidez bela, fazes bem ao viajante, forno de sombra e de frescor, abóbada de berço muito suave...

Há somente eu dentro dessa gruta. Eu e os “Débats” sobre uma mesa de fundo.

Um gênio em roupas escuras, grosseiramente pintado de barba quase azulada... Ele se entedia tanto de sua solidão! Pega um banco para mim. Ele me traria qualquer coisa. Compreendo que vive num mundo imaginário.

Sinto-me um cliente abstrato, essência de cliente.

Vem, e embalsama o ar! ― Fumo e perfume, amargo chocolate a evocar biscoitos tostados!...

Daqui a pouco, após muitos cigarros, desejaremos pedir a esse vago pensador gordo e mal barbeado, um desses glace au citron* que queimam de frio os lábios e a língua...

Livre enfim dos museus!

As coleções, contrárias ao espírito; o harém para o amor.

Estamos cansados das disputas dessas damas sultanas. A soma de todas essas belezas é absurda, fatigante. Uma reunião de objetos excepcionais, uma multidão de singulares só pode agradar aos marchands, seduzir os insensíveis que se julgam sensíveis, e as pessoas crédulas. Um olho espiritual não veria nenhum visitante nas galerias, mas adjetivos errantes. Ao fim de tudo, o objetivo dos artistas, o único objetivo, se reduz a obter um epíteto...

Este chocolate tem um gosto severo que convém a este lugar vazio e agrada a meu humor. Uma colherada, ― um pensamento ― uma baforada, ― um gole de água gelada, ― e esta sequência de julgamentos:

Os museus são odiosos para os artistas.

Eles os adentram somente para sofrer, ou espionar, roubar segredos militares.

Se sentem prazer, é devido à atrocidade de seus desprezos.

Pintar os horríveis sofrimentos da inveja artista.

Michelangelo, houvesse ousado, teria envenenado.

Ciúmes que ele tem de Leonardo. O que isso implica.

Lionardo** não era cioso a não ser de suas idéias.

Um homem de talento, diante de mim maravilhado, ao tomar conhecimento da morte ou da demência, ― não sei mais, ― de um escritor mais conhecido e mais recompensado que ele, permite-se dizer vivamente: Tanto melhor... É chegada a minha vez.

Ousamos escrever as histórias das letras ou da arte sem dizer uma palavra de coisas como tais, sem aprofundar. A arte é tão quanto o amor. A arte e o amor são criminosos em potência, ― ou não existem.

Tudo que vem dos deuses causa o inferno nos homens.

Este café é deveras delicioso. Vemos daqui o calor vibrante sobre as pedras da rua. Eu passo a mão acariciando a carafe*** gelada. ― Uma trintena de moscas suspensas por seu movimento no espaço criam um sistema planetário e um movimento estatístico indiferente.

Aqui o espírito abatido pelas obras-primas ama a existência, se enleva, e avalia. Tudo que os homens fizeram, fazem e farão, soa para ele como esse barulho local e circunscrito do formigamento alado de trinta insetos. O corpo soergue imperceptivelmente os ombros. O próprio soerguimento, que condena os humanos, é bastante mal recebido. É impossível para a justiça que há em mim, não ver a necessidade de meu sentimento.

― As flores da florista aninhada sob a grande porta do palácio que está à frente dispensam as mensagens e os devaneios de amor. O que não ocorrerá jamais, o que não pode ser, embalsama, tem um perfume.

Eu desenho figuras geométricas no mármore do guéridon**** onde a ponta do lápis é tão feliz, tão livre.

― E de que me serve a necessidade de meu sentimento? Ela te serve muito, meu amigo.

Ela faz desse sentimento o que ele é,― o que são todos os sentimentos. Todo sentimento é o saldo de uma conta da qual o detalhe se perdeu. Impossível se obter uma declaração desses débitos e desses créditos. Encontraríamos aí operações que remontam ao ano mil; outras ao macaco ou ao castor. O pecado original é uma integral, sem dúvida.

Vamos, distrações, frescores, espírito, cessem de dominar!

Um pouco mais de fumaça com gelo; inalemos no ar o odor dos limões amorosos. Paguemos e partamos.


___________
*(N. do T.) Como no original. Valéry grafou Lionardo. Lion=leão, em francês. Em português seria então Leãonardo.
**(N. do T.) Creme gelado ou sorbet de limão.
***(N. do T.) Garrafa, em árabe, no original.
****(N. do T.) Uma pequena mesa de centro, geralmente circular ou oval. Peça do mobiliário francês.

Esta tradução é dedicada a Monica, que ama os lugares, as coisas e as sensações estéticas.

domingo, 20 de novembro de 2016

War Poem/Poema de Guerra

American soldiers photographed in the Ardennes during the Battle of the Bulge.www.answers.com/topic/battle-of-the-bulge

I am entrenched
Estou entrincheirado
Against the snow,
Contra a neve,
Visor lowered
Visor abaixado
To blunt its blow
Para que o vento cegue
I am where I go
Estou aonde me leve

Samuel Menashe
Lauro Marques

sexta-feira, 15 de julho de 2016

“Tal Qual” – Paul Valéry

Tradução: Lauro Marques




Literatura

Os livros têm os mesmos inimigos que os homens; o fogo, a umidade, as feras, o tempo; e seu próprio conteúdo.

*

O pensamento tem dois sexos; fecunda-se e fica grávido de si mesmo.

*

Preâmbulo.

A existência da poesia é essencialmente negável; do que podemos extrair as tentações próximas da arrogância. - Sobre esse ponto, ela se assemelha ao próprio Deus.

Podemos estar surdos quanto a ela, cegos quanto a Ele - as consequências são insensíveis.

Mas isso que todo mundo pode negar e que queremos que haja - se torna o centro e o símbolo poderoso de nossa razão de sermos nós.

*

Um poema deve ser uma festa do Intelecto. Ele não pode ser outra coisa.

Festa: é um jogo, e no entanto, solene, regrado, significativo; imagem daquilo que não temos de ordinário, do estado em que os esforços são ritmos, recuperados.

Celebramos algo quando o realizamos ou o representamos no seu estado mais puro ou mais belo.

Aqui, a faculdade da linguagem, e seu fenômeno contrário, a compreensão, a identidade das coisas que ela separa. Descartamos suas misérias, suas fraquezas, seu cotidiano. Nós organizamos todo o possível da linguagem.

Terminada a festa, nada deve restar. Cinzas, guirlandas pisadas.

*

Para o poeta:
A orelha fala,
A boca escuta;
É a inteligência, a vigília, que infantiliza e sonha
É o sono que vê claro;
É a imagem e o fantasma que observam,
É a falta e a lacuna que criam.

*

A maioria dos homens têm da poesia uma idéia tão vaga que essa imprecisão mesma de sua idéia é para eles a definição da poesia.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Poema de Guenádi Aigui (tradução inédita)




Mais uma vez - na neve
Guenádi Aigui
[Tradução -do francês- Lauro Marques]



você entoa uma canção - e eu me distancio
pouco a pouco na neve (como ontem: silhueta
se obscurecendo na penumbra
em algum lugar cada vez mais longe) e uma tábua quebrada se projeta para fora
lá - entre as ruínas
de uma cabana abandonada (cantando sussurrando
e
chorando há muito tempo - e ao que parece
para
a felicidade não é tão pouco) e mais ao longe a floresta
como
em sonhos
se abre - e você começa a cantar
(embora não fosse mais necessário
pois não estava tudo já terminado)
você continua
(ou mesmo sem nós profundamente amadurece já
resplandecente
a eternidade)
você continua
cada vez mais surdamente
a cantar

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Valéry sobre política

Dois extratos de Paul Valéry (o verdadeiro e único) traduzidos por mim:

"A atitude da indignação habitual, sinal de uma grande pobreza de espírito.
A 'política' aí constrange seus apoiadores. Vemos seu espírito se empobrecer dia após dia,de justa cólera a justa cólera.
Cada partido tem seu programa de indignação, seus reflexos convencionais.

***

Todo partido profetiza. Toda a política seria alterada se o fato único de prometer e de  predizer fosse por todo o mundo considerado como insuportável e inconveniente."

terça-feira, 19 de abril de 2016

Tradução de César Vallejo

Hoje gosto da vida muito menos...



Vallejo em París


Hoje gosto da vida muito menos,
mas sempre gosto de viver: já dizia isto.
Quase toquei a parte do meu todo e me contive
com um tiro na língua por detrás de minha palavra.

Hoje me apalpo o queixo em retirada
e dentro dessas calças momentâneas eu me digo:
Tanta vida e jamais!
Tantos anos e sempre minhas semanas!
Meus pais enterrados com sua pedra
e seu triste crescimento ainda não acabado;
de corpo inteiro irmãos, meus irmãos,
e, por fim, meu ser parado e de colete.

Gosto da vida enormemente
mas, desde logo,
com minha morte querida e meu café
e vendo os castanheiros frondosos de Paris
e dizendo:
É um olho este, aquele; uma testa esta, aquela... E
repetindo:
Tanta vida e jamais me falha a toada!
Tantos anos e sempre, sempre, sempre!

Disse colete, disse
todo, parte, ânsia, disse quase, por não chorar.
Que é verdade que sofri naquele hospital que fica
ao lado
e está bem e está mal haver mirado
de abaixo acima meu organismo.

Gostarei de viver sempre, assim fosse de barriga,
porque, como ia dizendo e o repito,
tanta vida e jamais! E tantos anos,
e sempre, muito sempre, sempre sempre!
_______________


"Hoy me gusta la vida mucho menos..."

Poema de César Vallejo.
Tradução Lauro Marques.

São Paulo, 26 de outubro de 2010.
2h.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

TAL QUAL (PAUL VALÉRY)


Fragmentos (“esboços de pensamentos”) recolhidos ao acaso e traduzidos de “Tel Quel”, coletânea de escritos de Paul Valéry, Gallimard: 1943.

LITERATURA

Escrever é prever.

Descobrimos, relendo, a medida de nossa própria ignorância.

*

Muitos escritores consideram sua arte, não como algo em que necessitam se tornarem mestres ― sine qua non ― mas como um jogo de azar no qual podem arriscar a própria sorte. Eles confiam inteiramente na fortuna e dar-se-ão o valor que ela vier a lhes conferir. (Acrescentarão uma coisa ou outra).

Há portanto dois perigos, duas maneiras de se perder e afundar: adaptar-se completamente ao público; ser fiel demais ao próprio sistema.

*Uma obra é sólida quando ela resiste às substituições que o espírito de um leitor ativo e rebelde sempre tenta submeter às suas partes.

Jamais esquecer que uma criação é algo finito, acabado e material. O arbitrário vivo do leitor se bate contra o arbitrário morto da obra.

*

De um certo “ponto de vista”, que não raramente é o meu ― o que chamamos de uma bela obra pode parecer um terrível defeito do autor.

*

Freqüentemente julgo uma obra de arte ao pensar: é impossível que tenhas querido isto.

*

Um poeta é o mais utilitário dos seres. Preguiça, desespero, acidentes de linguagem, olhares particulares, ― tudo isso que o homem mais prático perde, rejeita, ignora, elimina, esquece, o poeta recolhe e por meio de sua arte acrescenta certo valor.

*

Quem diz: Obra, diz também: Sacrifícios.

A grande questão é decidir aquilo que vamos sacrificar: é preciso saber quem, quem, será comido.


*

Conheço a literatura por lhe haver interrogado de minha própria vontade. (E somente desse modo).

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um poema de Gelman e uma tentativa de tradução crítica

O poeta e o tradutor na arena da poesia

El tajo

La poesía no hace
que algo suceda, dijo W. H. Auden.
Apenas sobrevive, dijo.
No dijo por qué. Sobrevive como
sobrevive la imposibilidad.
Es decir, nuestro amor,
o el bisonte que hace cruces en la arena
olvidado de sus dientes de leche.
Es bello eso. Significa
que el frío de conocerse
puede tener otro destino.
Lo que nadie dijo
está bajo las máscaras
que la verdad necesita.
Mis ganas de dar besos y palabras
son un cuarto muy grande donde
se sienta absurdamente el corazón.
Es decir, sobrevive.
En el tajo de sus corrientes extrañas.

Juan Gelman


Uma tentativa de tradução:

O talho

A poesia não faz
com que algo suceda, disse W. H. Auden.
Apenas sobrevive, disse.
Não disse por quê. Sobrevive como
sobrevive a impossibilidade.
Quer dizer, nosso amor,
ou o bisonte que recruza a arena
esquecido de seus dentes de leite.
É belo isso. Significa
que o frio de conhecer-se
pode ter outro destino.
O que ninguém disse
está sob as máscaras
que a verdade necessita.
Minhas ganas de dar beijos e palavras
são um quarto muito grande onde
assenta-se absurdamente o coração.
Quer dizer, sobrevive.
No talho de suas correntes estranhas.

Lauro Marques

O poema é riquíssimo em analogias semiocultas ou caladas (que ninguém disse).
 
"Talho" aqui é sulco (como o rastro de um rio de "correntes estranhas") e ferida, rasgo (a imagem evocada pelo bisonte/touro).

O bisonte "faz cruzes", cruza, ou perambula pela areia (arena) esquecido de seus "dentes de leite" (de sua juventude/fragilidade), que tanto pode ser uma demonstração de coragem - não podemos resistir aqui a sublinhar a sugestão implícita de 'hace cruces"/"hace muertes" -, como de desorientação, embotamento ou desconhecimento de si.

O coração se senta e assenta-se num quarto muito grande onde se sente o coração.

Assenta-se absurdamente (a imagem é de inadequação, desconforto ou desproporção). Ou, dito de outra forma: o coração é pequeno demais para conter os desejos do poeta, que apesar disso, sobrevive, como a poesia e o touro na arena e a impossibilidade do amor.  

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O MURMÚRIO DO MUNDO_ Notas sobre poesia


Revista Bula, 4 de setembro de 2006

 
O MURMÚRIO DO MUNDO

O que eu admiro nos poetas, como já escrevi em outra ocasião, não é sua provável “riqueza interior”, mas sim a sua imensa generosidade. Os grandes criadores são também “esbanjadores” (Nietzs.). Encho minha taça para que ela transborde. Meus sentimentos pessoais, esses morrerão comigo, pois são incomunicáveis. Justamente por isso que um poema nunca é só uma questão de sentimento, e “construir um poema que contém unicamente poesia é impossível. Se uma obra contém apenas poesia, ela não é constituída; não é um poema” (Paul Valéry ).

“O poema não é nem uma descrição, nem uma expressão. Tampouco é uma pintura comovida da extensão do mundo. O poema é uma operação” (Alain Badiou, sobre Mallarmé).


SILENCIEMOS, POIS SIM, MAS NA LINGUAGEM

Ela caminha em minha direção, vinda de não sei onde, que a apanhei. Eu a pus para andar, soprei ar nos seus pulmões, dei-lhe um nome incógnito para protegê-la. Eu a falei.

Agora ela é sua. Trate-a bem.

_____________

Aos poetas do “subconsciente”, que acreditam poder haver poesia apenas dentro de suas mentes, de forma emudecida, egoística, “não trabalhada”, ou “bruta”, eu afirmo: a “linguagem fala” (Heidegger) porque o signo-objeto-mundo fala. Escutemos.

Agora, digam o que quiserem, mas falem. Sejam imperfeitos e corajosos, falem de imagens e de silêncio, desertos, securas, pedras quebradas, mas falem, criem o poema.

Ou eu não vou poder nunca saber quem (ou o que) são vocês.


A POESIA PRECISA SER COMUNICADA

Subconsciente, na definição do Houaiss “é o conjunto dos fatos ou vivências pouco conscientes, ou que estão fora do limiar da consciência atual, ou aos quais ela não pode ter acesso”. Isso constitui a “matéria bruta” para um tipo de fazer poético? (1)

Vejamos: o subsconsciente “brota” em alguns poemas, imagens oníricas podem ser “projeções” inconscientes (pensem na figura que acompanha uma determinada poeta, de um unicórnio cavalgando numa noite enluarada...). A poesia realmente é rica em revelar imagens que estavam lá no fundo de nossa consciência, esperando para vir à tona. Os surrealistas buscaram através da escrita automática e outros processos, dar vazão especialmente a esse tipo de imagem. É algo que está sempre no âmago de nossos processos criativos e conscientes – assunto para uma possível "psicologia da arte".


“POETA” SIGNIFICA “FAZEDOR” EM GREGO

Um poeta que eu li pouco, porque só conheci muito recentemente, mas gosto muito, pela forma sintética e a força de seus poemas, Samuel Menashe (2), diz que “caminha” um poema até que esteja pronto. Ele o pensa enquanto anda, constrói na própria cabeça antes mesmo de escrevê-lo. “Eu não sinto que estou escrevendo”, afirma, “– mas talvez esculpindo. Você sabe, ‘poeta’ significa ‘fazedor’ em grego. Algumas vezes eu me sinto como alguém trabalhando num problema algébrico, e prestes a chegar a uma conclusão, e esta tem de estar perfeitamente balanceada’” (3). A etapa de passar para o papel é a que eu considero a mais difícil; é aí que eu sinto que as palavras ganham vida própria, o acaso intervém, algo fora de nós, uma folha de árvore voando... e aquilo passa a fazer parte do poema.


Promised Land
Terra Prometida

At the edge
À beira de
Of a world
Um mundo
Beyond my eyes
Além dos meus olhos
Beautiful
Lindo
I
know Exile
Eu sei que o Exílio
Is always
Sempre é
Green with hope –
Verdesperançado –
The river
O rio
We cannot cross
Não atravessado flui
Flows forever
Incessantemente


 - Samuel Menashe (tradução: Lauro Marques)

(1) Sirvo-me aqui, como em outras partes, de questionamentos surgidos dentro do grupo de estudos virttual Razão-Poesia, do qual participei, formado, dentro outros, pelos professores Gustavo Castro e Florence Dravet, de Brasília.

(2) Samuel Menashe nasceu na cidade de Nova Iorque em 1925. Em 1943 se alistou e foi mandado para a Escola de Infantaria em Fort Benning, no Estado da Geórgia (EUA). Após treinamento na Inglaterra, sua divisão lutou na França, Bélgica (A Batalha do Bulge), e Alemanha. Em 1950 foi agraciado com o título de doutor pela Universidade de Sorbonne. Seu primeiro livro, The Many Named Beloved, foi publicado em Londres em 1961.
Fonte: Revista Rattapallax

(3) New York Times (Publicado em: 10 de outubro de 2003). 


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Emil Cioran – “Do inconveniente de ter nascido”


Emil Cioran – “Do inconveniente de ter nascido” (1973)

Tradução de Lauro Marques



 Caso pudéssemos nos ver com os olhos dos outros, desapareceríamos no ato.

*

A sorte grande de Nietzsche de ter acabado como acabou. Na euforia!


« É preciso estar bêbado ou louco, dizia Sieyès, para falar nas línguas conhecidas. »
É preciso estar bêbado ou louco, eu poderia acrescentar, por se atrever ainda a usar palavras, qualquer palavra.

*  

Uma obra só existe quando ela é preparada na sombra com a atenção, com o cuidado do assassino que medita seu golpe. Em ambos os casos, o que importa é a vontade de « surpreender ».

*  

Um livro é um suicídio adiado.

*  

Não é preciso se sujeitar a uma obra, é preciso somente dizer algo que possa se murmurar à orelha de um bêbado ou de um moribundo.

*  

Há dois mil anos que Jesus se vinga de nós por não ter morrido em um sofá.

*  

Diante de um túmulo, as palavras: jogo, impostura, diversão, sonho, se impõem. Impossível pensar que existir seja um fenômeno sério. Certeza de uma fraude na origem, na base. Deveríamos gravar no frontão dos cemitérios: « Nada é trágico. Tudo é irreal ».

 

Tristeza automática. Um robô elegíaco.

*  

Todos esses poemas em que a única coisa em questão é o Poema, toda uma poesia que não tem outra matéria a não ser ela mesma. Que diríamos de uma oração cujo objeto fosse a religião?

*  

Nada de mais abominável que o crítico, e com mais razão ainda, o filósofo em cada um de nós: se eu fosse poeta, reagiria como Dylan Thomas, que, sempre que comentavam seus poemas, se deixava tombar no solo e se entregava a contorções.

*  

Todo misantropo, se sincero for, lembra por momentos aquele velho poeta acamado e completamente esquecido, o qual, enfurecido contra seus contemporâneos, tinha decretado que não queria receber mais ninguém. Sua mulher, por caridade, tocava de vez em quando à porta.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Poema escrito no escuro


Poema escrito no escuro


Poema escrito no escuro
que vai nascer amarelado
com nódoas no coração
incapaz de matar o eu lírico
sem pedir perdão

O poema fraco, indolente,
escrito em surdina, com fome
enquanto as rodas dos carros passam sobre / ao lado
se combinam ao som de uma melodia no rádio (
constantemente ligado,
de música clássica)
e ao cheiro de couro
no caderno
natimorto.




Poema escrito en la oscuridad

Poema escrito en la oscuridad
a nacer amarillo
manchado en el corazón
incapaz de matar el yo lírico
sin pedir perdón

El poema débil, indolente,
escrito a escondidas, con hambre
mientras que las ruedas de los coches pasan sobre / al lado
se combinan a el sonido de una melodía en la radio (
permanentemente encendida,
de música clásica)
y a el olor de cuero
en el bloc de notas
nacido muerto.




Poem written in the dark

Poem written in the dark
to be born yellow
stained in the heart
unable to kill the lyrical I
without asking for forgiveness

The poem weak, indolent,
written on the sly, hungry
while the wheels of cars pass over / next
combines with the sound of a melody on the radio (
permanently switched on,
classical music)
and the smell of leather
in the notebook
stillbirth.

Variações sobre a identidade



Traduções e notas

Tradução (1) "Os cadernos e as poesias de André Walter" - André Gide.
25 de abril

Não compreenderão este livro, os que procuram pela felicidade. A alma não está satisfeita; ela adormece nas felicidades. É o repouso, não a vigília! É preciso velar. A alma ativa, eis o desejável ― e que encontre sua felicidade, de nenhum modo na FELICIDADE, mas no sentimento de sua atividade violenta. ― Portanto a dor mais que o júbilo, pois ela torna a alma mais viva; quando a alma não prosterna, as vontades se lhe exasperam: sofremos, mas o orgulho de viver poderosamente afasta as fraquezas. A vida intensa, eis a soberba: eu não trocaria a minha vida por a de nenhum outro, eu aqui vivi várias vidas, e a real foi a menos importante.

Intensificar a vida e guardar a alma vigilante: então ela não mais se lamentará, indolente, mas lhe agradará a própria nobreza.

* * *
O autor -André Gide- assinala o ano de 25 de abril de 1889 para este trecho. Data em que, no romance, publicado em 1891, o personagem escreve no seu diário. O fragmento faz parte do Caderno Branco, uma das seções (a outra é o Caderno Negro) em que se subdivide o romance de estréia de Gide intitulado "Os cadernos e poesias de André Walter".

Em nota, o editor da versão original em francês, Claude Martin, assinala que a frase que encerra o primeiro parágrafo contém uma “idéia essencial à Gide, que está na própria raiz de sua criação romanesca, nutrida das ‘direções infinitas de sua vida possível’, ao mesmo tempo que ‘o romancista fictício criou seus personagens com a linha única de sua vida real’, seguindo uma fórmula de Albert Thibaudet e suas Reflexões sobre o romance, Paris: Gallimard, 1938, p 12] retomada por Gide no final de seu Diário dos Moedeiros Falsos [Paris NRF, 1927, p 113] , um dia após ter colocado o ponto final no seu romance”.

No diário de Édouard, personagem do romance de Gide em Os Moedeiros Falsos, Círculo do Livro: tradução de Celina Portocarrero, p. 62, este também escreve: “Nunca sou senão aquilo que acredito ser ― e isso varia sem cessar, de modo que frequentemente, se eu não estivesse aqui para aproximá-los, meu ser da manhã não reconheceria o da tarde. Nada pode ser mais diferente de mim do que eu mesmo.”E, continuando: Nada para mim tem realidade, senão poética (e atribuo a essa palavra seu sentido pleno) ― a começar por mim mesmo. Parece-me às vezes que não existo realmente, mas que simplesmente imagino que sou. Aquilo em que mais custo a crer é em minha própria realidade.”

Tradução (2). "Coisas inauditas". Paul Valéry
Variações sobre Descartes
  Às vezes eu penso; e às vezes, eu sou.

*

Se um ser não pudesse viver uma outra vida diferente da sua, ele não poderia viver a própria vida.

Pois a sua vida não é feita senão de uma infinidade de acidentes, cada um dos quais podendo pertencer a uma outra vida.

*
Si mesmo
 Quanto mais uma consciência é “consciente” mais sua personalidade, mais suas opiniões, seus atos, suas características, seus sentimentos lhe parecem estranhos, ― estrangeiros. Ela tenderia então a dispor do que ela tem de mais próprio e pessoal como coisas exteriores e acidentais.

Decerto é preciso que eu tenha opiniões; hábitos, um nome, afetos, repulsões, tanto quanto a parede de meu quarto tenha uma certa cor. Tudo isso não é mais meu do que a luz pertence a essa cor. Ela poderia iluminar o que quer que fosse.

― Como te chamas?

― Eu não sei...

Tua idade?... Eu não sei...Onde nasceste? Não sei...Profissão? Não sei... Está bem: Tu és eu mesmo.
Traduções de Lauro Marques

terça-feira, 28 de junho de 2011

Um poema de Rilke traduzido do francês




Poema de Rainer Maria Rilke


Traduzido do Francês por Lauro Marques


Não temas a súbita aparição
do anjo que à tua mesa sente:
as dobras alise levemente
na toalha onde repousa o pão.

Oferecerás tua refeição frugal,
para que a prove, companheiro,
que erguerá ao lábio sem mal
o simples copo costumeiro.

Reste tranquille, si soudain
l’Ange à sa table se décide:
efface doucement les quelques rides
qui fait la nappe sous ton pain.

Tu offriras ta rude nourriture,
pour qu’il en goûte à son tour,
et qu’il soulève à la lèvre pure
un simple verre de tous les jours.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um poema de Roberto Juarroz (tradução Lauro Marques)



La campana está llena de viento,
aunque no suene.
El pájaro está lleno de vuelo,
aunque esté quieto.
El cielo está lleno de nubes,
aunque esté solo.
La palabra está llena de voz,
aunque nadie la diga.
Toda cosa está llena de fugas,
aunque no haya caminos.
Todas las cosas huyen
hacia su presencia.


A campainha está cheia de vento,
ainda que não soe.
O pássaro está cheio de vôo,
ainda que esteja quieto.
O céu está cheio de nuvens,
ainda que esteja só.
A palavra está cheia de voz,
ainda que ninguém a diga.
Toda coisa está cheia de fugas,
ainda que não haja caminhos.
Todas as coisas fogem
rumo à sua presença.

sábado, 11 de junho de 2011

Tirésias/Tiresias

Odysseus and Tiresias in the Underworld. South Italian Red-Figure bowl . Detail: Tiresias seated holding sacrificial knife as Odysseus (left) stands by him. Bibliothéque Nationale, Paris. Dolon painter.
NÃO, POETAS
vocês não são Tirésias*,
mas falsos
profetas
a embalar os homens
em seus versos mel-
odiosos

Não, vocês também
não são
pássaros―

Porém, cuidado!
A esses,
de vez em
quando,
les perforan
los ojos

para melhor ouvir
seu canto.


TIRESIAS

NO, POETAS
vosotros no sois
Tiresias
sino falsos
profetas
al envolver a los hombres
en sus versos miel-
odiosos

No, tampoco sois
pájaros -
Por ello, ¡cuidado!
A esos
de vez en cuando
les perforan los ojos
para mejor oír
su canto.


Lauro Marques



* Tirésias, adivinho cego da cidade de Tebas e junto com Calchas, é um dos adivinhos mais célebres da mitologia grega.
*Tiresias: adivino ciego de la ciudad de Tebas y junto con Calchas, es de los adivinos más célebres de la mitología griega.


De: "Sumário de Incertezas/Resumen de Incertidumbres"", Lauro Marques. Editora Confraria do Vento, 2010
Gracías a Jorge Paolantonio por correcciones a la versíon en español.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O homem tolo/ El hombre tonto

Foto "Páteo noturno_sepia", de Lauro Marques
O homem tolo construiu castelos de gelo no verão, onde pensou em morar por muitos anos e rimou palavras a esmo para surdos-mudos e analfabetos, numa língua morta e desconhecida desde então.



O homem tolo saiu à noite com uma lanterna apagada procurando pela escuridão e só encontrou-se a si mesmo.



Esse homem tolo abriu as janelas de sua alma numa rua deserta e, no lugar de inspirar, expirou ali mesmo.

El hombre tonto construyó castillos de hielo en verano, donde pensó vivir por muchos años e hizo rimas con palabras al azar para sordomudos y analfabetos en una lengua muerta y ya para siempre desconocida.

El hombre tonto salíó de noche con una linterna apagada en busca de la oscuridad y sólo se encontró a sí mismo.

Este hombre tonto abrió las ventanas de su alma en una calle desierta y, en lugar de inspirar, expiró allí mismo.






De: "Sumário de Incertezas/Resumen de Incertidumbres"", Lauro Marques. Editora Confraria do Vento, 2010

Gracías a Jorge Paolantonio por correcciones a la versíon en español.

sábado, 28 de maio de 2011

Cronopios

HISTORIA DE CRONOPIO

 Lauro Marques

Cierta vez dijo que vio arrastrarse
por las calles de una ciudad en ruinas en la noche
un fugitivo cronopio, muy verde y muy húmedo.
(Mintió que esto sucedió en París.)

El desafortunado polichenela mendigaba
mientras sacudía sus campanas
contra el piso de adoquín
perseguido sólo por el ruido
de los gritos de los niños, el canto
de los grillos y el ladrido de los perros.

O Cão- Juan Gelman



O cão
- Juan Gelman

O poema não pede para comer. Come
os pobres pratos que
gente sem vergonha ou pudor
lhe serve no meio da noite.
A palavra divina já não existe. Que pode
fazer o poema, senão
contentar-se com o que lhe dão?
Depois uivará por aí
sem resposta, será
outro cão perdido
na cidade impiedosa.


- [Tradução Lauro Marques]


terça-feira, 24 de maio de 2011

Um poema do meu livro "Sumário de Incertezas" traduzido para o espanhol


N.



"Yo escribí hermosos libros,"

dijo Nietzsche

a su hermana nazi

loco de sífilis.

Y no dijo más nada.

Nietzsche ha muerto

(por supuesto, como Dios)

pero por lo menos escribió

sus propios libros.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Um novo poema traduzido para o espanhol

dibujos * 1 borrones


Entonces no había fuego, todavía, frío
¿Quién te dio permiso para cambiar, así, de lugar?
por casualidad no estabas acostumbrado a la ausencia
(de los que te querían, muerto, sin embargo.
cuando te acercaban perros, vestidos de negro como padres)
y al viento, empujando chozas contra el acantilado
y a la lluvia, disolviendo ojos en agua
y al deseo, ciego, explotando en miríadas