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terça-feira, 26 de julho de 2011

Notas literárias_ Ulisses (em progresso)

  •  Lendo o prefácio do Ulisses. Algumas intuições comprovadas. Há uma "anatomização do corpo" em Ulisses, Joyce traçou um plano em que cada capítulo representava um órgão do corpo: fígado, genitais, coração, cérebro, etecetera. (Ver post anterior cadáver de leite). (O monólogo de Molly, por exemplo, é centrado na "carne"). 
  • Joyce afirmava que tomou emprestado os diálogos da fala de pessoas em Dublin e se orgulhava, como Shakespeare, de nunca ter criado uma trama.
  • Com Ulisses, Joyce chegou a um “ponto final do modernismo, em que uma cultura, tendo florescido, imediatamente anula sua própria agenda. No coração da cultura modernista está uma desconfiança na própria ideia de cultura”. Declan Kiberd, introdução de Ulisses, Penguin. 
  • "Mesmo a mais fina literatura permanece uma imitação paródica da vida".
  • "Feminilidade" de Bloom. 

sábado, 16 de julho de 2011

Um fragmento do Ulisses: Torres, cadáver de leite



Ulisses, James Joyce. Uma revolta muda, impotente, diante da morte, o transcorrer inexorável do tempo, cheirando a putrefação, em que “um dia são muitas vidas”, percorre o livro. Como na passagem a seguir, que faz uma referência cruzada ao zoroastrismo1 (a tradução é minha) :"Um cadáver é carne estragada. E queijo, o que é? Cadáver de leite. Li numa dessas Viagens à China que o chinês afirma que um homem branco cheira a cadáver. Muito melhor cremar. Os padres são mortalmente contra. (...) Câmara de gás. Ao pó voltarás. Ou enterre no mar. Onde fica essa Torre do Silêncio parse? Comido por pássaros. Terra, fogo, água."

A capa da edição da Penguin Books 2.

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1- Os elementos eram sagrados para os seguidores desse antigo culto de persas zoroastristas: os parses (ainda existente no Irã, Iraque e Índia). Enterrar ou cremar significava corromper. Eles resolveram a situação depositando os corpos dos mortos no alto de torres, expostos ao sol, para serem consumidos pela ação do tempo, pássaros, etc.

2- Foto de uma "Martello Tower", fortaleza de alvenaria circular de defesa costeira, construída pelo Império Britânico durante o século XIX após as Guerras Napoleônicas. Joyce chegou a viver uma semana numa torre dessas, em 1904, quando tinha 22 anos, onde ele localizou o início do episódio 1 de Ulisses. "The tower was leased from the British War Office by Joyce's university friend Oliver St. John Gogarty, with the purpose of "Hellenising" Ireland. Joyce left after an incident in which Gogarty fired a gun in his direction.The opening scenes of Ulysses are set the morning after this incident. Gogarty is immortalised as "Stately, plump Buck Mulligan" (ver Wikipedia). Hoje transformada em museu do escritor, em Dublin. Foi uma livre associação que fiz baseado na semelhança entre essa estrutura e a Torre do Silêncio parse mencionada no fragmento.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O homem tolo - poema, antecedido de comentário à leitura de Ulisses

Sábado 14 de janeiro de 2006


Limpo a poeira do Ulisses, traduzido por Antônio Houaiss. Poeira não. São grossas camadas pretas de poluição, gordura, e ácaro. Joyce diria: "Necrófago! Mascador de cadáveres!".

Leio a edição carcomida pelas traças, que traçaram umas curvas (algumas bem elegantes) por todo o livro. Com a caneta, sublinhando as frases que eu gosto. (Ou do estilo). E são muitas.

"Diz Maeterlink: Se Sócrates deixar sua casa hoje, encontrará o sábio sentado à sua soleira. Se Judas sair esta noite, é para Judas que seus passos tenderão. Cada vida são muitos dias, dia após dia. Caminhamos através de nós mesmos, encontrando ladrões, fantasmas, gigantes, velhos, jovens, esposas, viúvas, irmãos do amor. Mas sempre encontrando-nos a nós mesmos."

E de fato, a passagem remeteu-me para algo que escrevi antes. Eis que reencontro. O anti-Zaratustra. O sem força. O poeta, o bobo. O bufão que interrompe, através da parábase, o discurso do sábio. O último dos homens, talvez. Eu. Incipt commedia!


O HOMEM TOLO


O homem tolo construiu castelos de gelo

no verão, onde pensou em morar

por muitos anos

e rimou palavras a esmo

para surdos-mudos e

analfabetos

numa língua morta e

desconhecida

desde então.



O homem tolo saiu à noite com uma lanterna

apagada

procurando pela escuridão

e só encontrou a si mesmo.



Esse homem tolo

abriu as janelas de sua alma

numa rua deserta e no lugar de inspirar,

expirou ali mesmo.


ÍNDICE DAS FRASES MAIS NOTÁVEIS DE ULISSES

Foto da primeira edição (verdemuco) do Ulisses
(TRADUÇÃO: ANTÔNIO HOUAISS)



Pág. 8: “– Por Deus – disse sereno. – Não está o mar tal como Algy lhe chama: a doce mãe gris? O mar verdemuco.” (1)

Pág. 20: “O vazio espera certo todos os que tecem o vento.”

Pág. 73: “O senhor Dedalus olhou para a claudicante personagem e disse docemente:

– Que o Diabo lhe quebre o espinhaço.”

Pág. 362: “Estética e cosméticos são para o boudoir. Busco a verdade. Pura verdade para um homem puro.”



Pág. (*): .........................................................................



(*) Para respeitar a idiossincrasia de cada um, deixamos a cada leitor a tarefa de completar esta página.

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(1)
"Snotgreen", termo "criado" por Buck Mulligan, no Ulisses. "O mar verdemuco" e não "verdemeleca" como está na tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro (Editora Objetiva, 2005). Uma bobagem essa, admito... mas me fez recuar na compra do livro. "Meleca" lembra palavreado infantil que não corresponde a snot - nasal mucus, mucous secretion, mucus - protective secretion of the mucous membranes; in the gut it lubricates the passage of food and protects the epithelial cells; in the nose and throat and lungs it can make it difficult for bacteria to penetrate the body through the epithelium - além de não combinar com o contexto da rememoração de Stephen, em seguida: a mãe a morrer vomitando a bile numa tigela de porcelana que "parecia uma lesma verde arrancada de seu fígado apodrecido em seus ataques de vômito e de altos gemidos..."

Aí está: O mundo à beira do caos e eu aqui discutindo meleca...

segunda-feira, 2 de julho de 2007

ESTRELA SOLITÁRIA

Filme recente de Wim Wenders, com roteiro e atuação impecável do ótimo Sam Shepard (Paris, Texas), nos leva a uma viagem pela paisagem mítica dos confins do oeste americano, que parou no tempo, como uma fotografia de Walker Evans ou um quadro de Edward Hopper.

Um ator de westerns (gênero, a rigor, há muito extinto em Hollywood), em franca decadência, resolve largar tudo. No meio de uma filmagem, no deserto, ele abandona o set e volta à sua cidade Natal, Elko, no Estado de Nevada.

Encontra abrigo (provisório) em casa da mãe, que não o via havia mais de 30 anos . Vaga pelos bares e cassinos, num cenário de sonho e ilusão, como um personagem sem cara própria. Ninguém o reconhece como um filho da terra, nem mesmo, num primeiro momento, a própria mãe, que acompanhou a vida dele durante anos a fio, por meio de recortes de jornais e revistas sensacionalistas.

Wenders faz, mais uma vez, como é do seu estilo, um road-movie sobre a busca da identidade, numa sociedade em que isso já se tornou quase impossível. A paternidade entra na história como mais um elemento nessa jornada, em que o reconhecimento de si próprio no outro é uma constatação dolorosa e não completamente resolvida.

A certa altura o personagem principal afirma que está “travelling light”, viajando de forma descomprometida, sem carregar muita bagagem. A frase também serve de metáfora para o filme, que consegue ser ao mesmo tempo leve e divertido, sem deixar por isso de oferecer material para a reflexão.

PATERNIDADE

“A paternidade, no sentido de gerar conscientemente”– diz Stephen Dedalus, na cena da biblioteca em Ulisses, de James Joyce,– “é desconhecida do homem”. “A paternidade talvez seja uma ficção legal. Quem é o pai de um filho que um filho qualquer deva amá-lo ou ele a um filho qualquer?” As implicações de tal teoria, segundo Harold Bloom, são que “a Igreja e todo o cristianismo se dissolvem se se acreditar nisso”.

A hipótese “perigosa” de Stephen poderia ser pensada como tendo sua origem naquele tipo de herói moderno, tal qual definiu Baudelaire, já no século XIX, na persona do artista que “nada revela senão ele próprio. Não promete aos séculos vindouros senão suas próprias obras. Só cauciona a si mesmo. Morre sem filhos. Foi seu rei, seu sacerdote, seu Deus”.

O preço pago por isso, sabemos, geralmente é alto; costuma vir na forma da melancolia, da dor, o spleen, que é também uma característica marcante do romance de Joyce –ele mesmo um “pai que foi seu próprio pai”, e como tal, sem precursor ou sucessor, o que, ainda segundo Harold Bloom, “é visivelmente a visão de Joyce de si próprio como autor”.

CAUBÓI

O tema da paternidade entra no enredo do longa-metragem de Wim Wenders, Estrela Solitária, como um complicador a mais na jornada do personagem principal, em busca da identidade perdida.

O título original em inglês, Don’t come knocking, um aviso de “Não me perturbem”, é uma alusão às dificuldades que enfrentará Spence, personagem interpretado por Sam Sheppard, ao voltar para casa, passados 30 anos. Ele descobre que tem um filho, a essa altura já na idade adulta, o qual mora com a mãe (Jessica Lange), na cidadezinha de Butte, Estado de Montana, EUA.

Assim como o artista moderno, descrito por Baudelaire, o caubói americano, visto pela ótica da ficção cinematográfica no gênero “faroeste”, consagrado no século passado, é também o retrato de um ser solitário, que busca se realizar de maneira autônoma, e parte sem deixar herdeiros “conscientes”. (É curioso constatar como esse mito persiste até mesmo na versão ressignificada, homossexual, em Brokeback Mountain.)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Idéia para uma cena usando o poema "Fábula".
Preto e branco (Final de tarde):

Um grupo de homens, entre eles, um calvo, e mulheres, 5 ou 6 pessoas, vestidos de branco, envoltos em mantos, como se fossem seguidores de Zoroastro (mas que podiam ser foliões de carnaval, ou hare-krishnas) tocando instrumentos (pandeiro, flauta), entoando o poema (à maneira de um mantra), passa numa estrada que sobe uma montanha por um homem sentado à beira do caminho, que veste calça jeans, e parece não se importar com o grupo, não se mexe (talvez tenha um livro nas mãos -a definir qual- e um caderno em que rabisque algo).

A câmara acompanha a passagem em travelling. A última frase que se ouve é um pedaço do poema:
No alto daquela montanha ... à noite gris .... no meio de
nenhum lugar...há pássaros


Corta.

Como seria filmada a cena:

1. Câmera fixa no homem parado em primeiro plano.

2. À Aproximação do grupo (pela esquerda), a câmera recua (para uma abertura maior) e passa a acompanhar a passagem das pessoas em travelling.


Penso agora que em lugar de um homem, poderia ser uma bela garota, com um livro e um caderno de notas, na cena que bolei para "Fábula". O livro: Ulysses, JJ, na edição da Penguin.

O que ela estaria anotando? "Smart girls writing something catch the eye at once. Everyone dying to know what she’s writing."