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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um poema de Gelman e uma tentativa de tradução crítica

O poeta e o tradutor na arena da poesia

El tajo

La poesía no hace
que algo suceda, dijo W. H. Auden.
Apenas sobrevive, dijo.
No dijo por qué. Sobrevive como
sobrevive la imposibilidad.
Es decir, nuestro amor,
o el bisonte que hace cruces en la arena
olvidado de sus dientes de leche.
Es bello eso. Significa
que el frío de conocerse
puede tener otro destino.
Lo que nadie dijo
está bajo las máscaras
que la verdad necesita.
Mis ganas de dar besos y palabras
son un cuarto muy grande donde
se sienta absurdamente el corazón.
Es decir, sobrevive.
En el tajo de sus corrientes extrañas.

Juan Gelman


Uma tentativa de tradução:

O talho

A poesia não faz
com que algo suceda, disse W. H. Auden.
Apenas sobrevive, disse.
Não disse por quê. Sobrevive como
sobrevive a impossibilidade.
Quer dizer, nosso amor,
ou o bisonte que recruza a arena
esquecido de seus dentes de leite.
É belo isso. Significa
que o frio de conhecer-se
pode ter outro destino.
O que ninguém disse
está sob as máscaras
que a verdade necessita.
Minhas ganas de dar beijos e palavras
são um quarto muito grande onde
assenta-se absurdamente o coração.
Quer dizer, sobrevive.
No talho de suas correntes estranhas.

Lauro Marques

O poema é riquíssimo em analogias semiocultas ou caladas (que ninguém disse).
 
"Talho" aqui é sulco (como o rastro de um rio de "correntes estranhas") e ferida, rasgo (a imagem evocada pelo bisonte/touro).

O bisonte "faz cruzes", cruza, ou perambula pela areia (arena) esquecido de seus "dentes de leite" (de sua juventude/fragilidade), que tanto pode ser uma demonstração de coragem - não podemos resistir aqui a sublinhar a sugestão implícita de 'hace cruces"/"hace muertes" -, como de desorientação, embotamento ou desconhecimento de si.

O coração se senta e assenta-se num quarto muito grande onde se sente o coração.

Assenta-se absurdamente (a imagem é de inadequação, desconforto ou desproporção). Ou, dito de outra forma: o coração é pequeno demais para conter os desejos do poeta, que apesar disso, sobrevive, como a poesia e o touro na arena e a impossibilidade do amor.  

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um poema de Roberto Juarroz (tradução Lauro Marques)



La campana está llena de viento,
aunque no suene.
El pájaro está lleno de vuelo,
aunque esté quieto.
El cielo está lleno de nubes,
aunque esté solo.
La palabra está llena de voz,
aunque nadie la diga.
Toda cosa está llena de fugas,
aunque no haya caminos.
Todas las cosas huyen
hacia su presencia.


A campainha está cheia de vento,
ainda que não soe.
O pássaro está cheio de vôo,
ainda que esteja quieto.
O céu está cheio de nuvens,
ainda que esteja só.
A palavra está cheia de voz,
ainda que ninguém a diga.
Toda coisa está cheia de fugas,
ainda que não haja caminhos.
Todas as coisas fogem
rumo à sua presença.