domingo, 20 de novembro de 2016
War Poem/Poema de Guerra
I am entrenched
Estou entrincheirado
Against the snow,
Contra a neve,
Visor lowered
Visor abaixado
To blunt its blow
Para que o vento cegue
I am where I go
Estou aonde me leve
Samuel Menashe
Lauro Marques
sexta-feira, 15 de julho de 2016
“Tal Qual” – Paul Valéry
Tradução: Lauro Marques
Preâmbulo.
A existência da poesia é essencialmente negável; do que podemos extrair as tentações próximas da arrogância. - Sobre esse ponto, ela se assemelha ao próprio Deus.
Podemos estar surdos quanto a ela, cegos quanto a Ele - as consequências são insensíveis.
Mas isso que todo mundo pode negar e que queremos que haja - se torna o centro e o símbolo poderoso de nossa razão de sermos nós.
Um poema deve ser uma festa do Intelecto. Ele não pode ser outra coisa.
Festa: é um jogo, e no entanto, solene, regrado, significativo; imagem daquilo que não temos de ordinário, do estado em que os esforços são ritmos, recuperados.
Celebramos algo quando o realizamos ou o representamos no seu estado mais puro ou mais belo.
Aqui, a faculdade da linguagem, e seu fenômeno contrário, a compreensão, a identidade das coisas que ela separa. Descartamos suas misérias, suas fraquezas, seu cotidiano. Nós organizamos todo o possível da linguagem.
Terminada a festa, nada deve restar. Cinzas, guirlandas pisadas.
Para o poeta:
A orelha fala,
A boca escuta;
É a inteligência, a vigília, que infantiliza e sonha
É o sono que vê claro;
É a imagem e o fantasma que observam,
É a falta e a lacuna que criam.
A maioria dos homens têm da poesia uma idéia tão vaga que essa imprecisão mesma de sua idéia é para eles a definição da poesia.
Literatura
Os livros têm os mesmos inimigos que os homens; o fogo, a umidade, as feras, o tempo; e seu próprio conteúdo.
O pensamento tem dois sexos; fecunda-se e fica grávido de si mesmo.
*
A existência da poesia é essencialmente negável; do que podemos extrair as tentações próximas da arrogância. - Sobre esse ponto, ela se assemelha ao próprio Deus.
Podemos estar surdos quanto a ela, cegos quanto a Ele - as consequências são insensíveis.
Mas isso que todo mundo pode negar e que queremos que haja - se torna o centro e o símbolo poderoso de nossa razão de sermos nós.
*
Um poema deve ser uma festa do Intelecto. Ele não pode ser outra coisa.
Festa: é um jogo, e no entanto, solene, regrado, significativo; imagem daquilo que não temos de ordinário, do estado em que os esforços são ritmos, recuperados.
Celebramos algo quando o realizamos ou o representamos no seu estado mais puro ou mais belo.
Aqui, a faculdade da linguagem, e seu fenômeno contrário, a compreensão, a identidade das coisas que ela separa. Descartamos suas misérias, suas fraquezas, seu cotidiano. Nós organizamos todo o possível da linguagem.
Terminada a festa, nada deve restar. Cinzas, guirlandas pisadas.
*
Para o poeta:
A orelha fala,
A boca escuta;
É a inteligência, a vigília, que infantiliza e sonha
É o sono que vê claro;
É a imagem e o fantasma que observam,
É a falta e a lacuna que criam.
*
A maioria dos homens têm da poesia uma idéia tão vaga que essa imprecisão mesma de sua idéia é para eles a definição da poesia.
sexta-feira, 1 de julho de 2016
Poema de Guenádi Aigui (tradução inédita)
Mais uma vez - na neve
Guenádi Aigui
[Tradução -do francês- Lauro Marques]
você entoa uma canção - e eu me distancio
pouco a pouco na neve (como ontem: silhueta
se obscurecendo na penumbra
em algum lugar cada vez mais longe) e uma tábua quebrada se
projeta para fora
lá - entre as ruínas
de uma cabana abandonada (cantando sussurrando
e
chorando há muito tempo - e ao que parece
para
a felicidade não é tão pouco) e mais ao longe a floresta
como
em sonhos
se abre - e você começa a cantar
(embora não fosse mais necessário
pois não estava tudo já terminado)
você continua
(ou mesmo sem nós profundamente amadurece já
resplandecente
a eternidade)
você continua
cada vez mais surdamente
a cantar
sexta-feira, 27 de maio de 2016
O avesso e o direito
CAMUS
Há muito o que se aprender com livros de estreia de grandes escritores. Não é diferente em relação a O avesso e o direito, de Albert Camus. O livro foi publicado, na Argélia, em 1937, quando o autor d’O estrangeiro tinha apenas 22 anos. Primeira lição: um escritor tem de tomar notas. Não necessariamente escritas. Podem ser também mentais. Ele tem de registrar tudo o que acontece à sua volta. Tudo é matéria do pensamento. Os eventos só são desimportantes para aqueles que também são.
A segunda (ou terceira?) lição é aprender a conviver com os contrários e extrair deles sua soma. O amor de viver nasce do desespero de viver. No que nos aflige está também o prazeroso. É preciso não ter pressa para poder contemplar, na paisagem que se descortina diante de nossos olhos, quase sempre cegos, o avesso e o direito das coisas. Duas faces de uma só medalha.
Uma frase do livro me remeteu para algo que escrevi anteriormente a respeito da qualidade estética no olhar oblíquo dos retratos de grupo de Manet. No penúltimo ensaio, “Amor pela vida”, Camus fala nos “olhos sem olhar dos Apolos dóricos ou nos personagens ardentes e imobilizados de Giotto”. E acrescenta em nota: “É com o surgimento do sorriso e do olhar que começam a decadência da escultura grega e a dispersão da arte italiana. Como se a beleza deixasse de existir onde começava o espírito.”
- Novamente, é preciso não ter pressa. Vemos bem em que a frase atraiçoa o autor. Há, sem dúvida beleza de sobra nos personagens “ardentes” e “imobilizados”, mas nem por isso menos "espiritualizados" de Giotto, que por sinal também podiam sorrir, como na Madonna com um sorriso maroto que ilustra esse post. Por outro lado lembremos que a estatuária grega era repleta de cores, e portanto "ardente", e que só para nós agora ela aparece branca, "espiritualizada", destituída de olhos.
C'HI
Os chineses têm uma palavra, "C'hi", que significa, entre outras coisas “beleza estática”. O termo só me ocorreu hoje, no momento em que escrevo isto, para descrever, infelizmente ainda de modo muito imperfeito, o que sentia um dia atrás, da sacada desse quarto na montanha, a mais de mil metros de altitude. Enquanto finalizava a leitura de Camus, e observava as dobras do tecido azul, lembrando um manto, da roupa de verão de minha mulher, estendida ao sol do meio-dia, sobre o parapeito de madeira, tendo ao fundo, entrecortado, o verde vibrante das colinas.
Santo Antônio do Pinhal, 4 de janeiro de 2006, atualizado em 16/6/2016
Esta "Madonna" de Giotto tinha um sorriso maroto |
Há muito o que se aprender com livros de estreia de grandes escritores. Não é diferente em relação a O avesso e o direito, de Albert Camus. O livro foi publicado, na Argélia, em 1937, quando o autor d’O estrangeiro tinha apenas 22 anos. Primeira lição: um escritor tem de tomar notas. Não necessariamente escritas. Podem ser também mentais. Ele tem de registrar tudo o que acontece à sua volta. Tudo é matéria do pensamento. Os eventos só são desimportantes para aqueles que também são.
A segunda (ou terceira?) lição é aprender a conviver com os contrários e extrair deles sua soma. O amor de viver nasce do desespero de viver. No que nos aflige está também o prazeroso. É preciso não ter pressa para poder contemplar, na paisagem que se descortina diante de nossos olhos, quase sempre cegos, o avesso e o direito das coisas. Duas faces de uma só medalha.
Uma frase do livro me remeteu para algo que escrevi anteriormente a respeito da qualidade estética no olhar oblíquo dos retratos de grupo de Manet. No penúltimo ensaio, “Amor pela vida”, Camus fala nos “olhos sem olhar dos Apolos dóricos ou nos personagens ardentes e imobilizados de Giotto”. E acrescenta em nota: “É com o surgimento do sorriso e do olhar que começam a decadência da escultura grega e a dispersão da arte italiana. Como se a beleza deixasse de existir onde começava o espírito.”
- Novamente, é preciso não ter pressa. Vemos bem em que a frase atraiçoa o autor. Há, sem dúvida beleza de sobra nos personagens “ardentes” e “imobilizados”, mas nem por isso menos "espiritualizados" de Giotto, que por sinal também podiam sorrir, como na Madonna com um sorriso maroto que ilustra esse post. Por outro lado lembremos que a estatuária grega era repleta de cores, e portanto "ardente", e que só para nós agora ela aparece branca, "espiritualizada", destituída de olhos.
Um exemplo de um torso "carnavalesco". |
C'HI
Os chineses têm uma palavra, "C'hi", que significa, entre outras coisas “beleza estática”. O termo só me ocorreu hoje, no momento em que escrevo isto, para descrever, infelizmente ainda de modo muito imperfeito, o que sentia um dia atrás, da sacada desse quarto na montanha, a mais de mil metros de altitude. Enquanto finalizava a leitura de Camus, e observava as dobras do tecido azul, lembrando um manto, da roupa de verão de minha mulher, estendida ao sol do meio-dia, sobre o parapeito de madeira, tendo ao fundo, entrecortado, o verde vibrante das colinas.
Santo Antônio do Pinhal, 4 de janeiro de 2006, atualizado em 16/6/2016
terça-feira, 26 de abril de 2016
Um poema de outono
sexta-feira, 22 de abril de 2016
Valéry sobre política
"A atitude da indignação habitual, sinal de uma grande
pobreza de espírito.
A 'política' aí constrange seus apoiadores. Vemos seu
espírito se empobrecer dia após dia,de justa cólera a justa cólera.
Cada partido tem seu programa de indignação, seus reflexos
convencionais.
***
terça-feira, 19 de abril de 2016
Tradução de César Vallejo
Hoje gosto da vida muito menos...
Hoje gosto da vida muito menos,
mas sempre gosto de viver: já dizia isto.
Quase toquei a parte do meu todo e me contive
com um tiro na língua por detrás de minha palavra.
Hoje me apalpo o queixo em retirada
e dentro dessas calças momentâneas eu me digo:
Tanta vida e jamais!
Tantos anos e sempre minhas semanas!
Meus pais enterrados com sua pedra
e seu triste crescimento ainda não acabado;
de corpo inteiro irmãos, meus irmãos,
e, por fim, meu ser parado e de colete.
Gosto da vida enormemente
mas, desde logo,
com minha morte querida e meu café
e vendo os castanheiros frondosos de Paris
e dizendo:
É um olho este, aquele; uma testa esta, aquela... E
repetindo:
Tanta vida e jamais me falha a toada!
Tantos anos e sempre, sempre, sempre!
Disse colete, disse
todo, parte, ânsia, disse quase, por não chorar.
Que é verdade que sofri naquele hospital que fica
ao lado
e está bem e está mal haver mirado
de abaixo acima meu organismo.
Gostarei de viver sempre, assim fosse de barriga,
porque, como ia dizendo e o repito,
tanta vida e jamais! E tantos anos,
e sempre, muito sempre, sempre sempre!
_______________
"Hoy me gusta la vida mucho menos..."
Poema de César Vallejo.
Tradução Lauro Marques.
São Paulo, 26 de outubro de 2010.
2h.
Vallejo em París |
Hoje gosto da vida muito menos,
mas sempre gosto de viver: já dizia isto.
Quase toquei a parte do meu todo e me contive
com um tiro na língua por detrás de minha palavra.
Hoje me apalpo o queixo em retirada
e dentro dessas calças momentâneas eu me digo:
Tanta vida e jamais!
Tantos anos e sempre minhas semanas!
Meus pais enterrados com sua pedra
e seu triste crescimento ainda não acabado;
de corpo inteiro irmãos, meus irmãos,
e, por fim, meu ser parado e de colete.
Gosto da vida enormemente
mas, desde logo,
com minha morte querida e meu café
e vendo os castanheiros frondosos de Paris
e dizendo:
É um olho este, aquele; uma testa esta, aquela... E
repetindo:
Tanta vida e jamais me falha a toada!
Tantos anos e sempre, sempre, sempre!
Disse colete, disse
todo, parte, ânsia, disse quase, por não chorar.
Que é verdade que sofri naquele hospital que fica
ao lado
e está bem e está mal haver mirado
de abaixo acima meu organismo.
Gostarei de viver sempre, assim fosse de barriga,
porque, como ia dizendo e o repito,
tanta vida e jamais! E tantos anos,
e sempre, muito sempre, sempre sempre!
_______________
"Hoy me gusta la vida mucho menos..."
Poema de César Vallejo.
Tradução Lauro Marques.
São Paulo, 26 de outubro de 2010.
2h.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Não me convide para o baile
Observando a cronologia dos contos de Raduan
Nassar, o último é de 1996: “Mãozinhas de seda”, escrito especialmente para o
segundo número dos Cadernos de Literatura Brasileira, IMS, e não publicado a
pedido do autor - como informa edição da antologia editada pela Companhia Das
Letras no ano seguinte. É portanto, também, sua última composição literária.
Escrito na primeira pessoa, e que termina com uma
exclamação entre parêntesis “(Saudades de mim!)”, o tom é autobiográfico. Nele,
o escritor evoca a memória de um bisavô aristocrata que teria lhe dado o
conselho de que "a diplomacia é a ciência dos sábios", e que o
"'negócio é fazer média', e enfatizava a palavra negócio (...): 'Nada de
porraloquice. Me promete.’"
Em seguida compara os intelectuais, "eruditos,
pretensiosos, e bem providos de mãozinhas de seda", às mocinhas casadoiras
de sua Pindorama natal, que, às vésperas dos bailes de Primavera esgotavam o
estoque de pedra-pome, com a qual poliam as mãos a fim de torná-las macias e
sedosas para melhor seduzir os mancebos.
"A harmonia do perfil é completa por
faltar-lhes justamente o que seria marcante: rosto. Em consequência desse
aparente paradoxo, tenho notado também que estão entregues a um rendoso
comércio de prestígio, um promíscuo troca-troca explícito, a maior suruba da
paróquia!".
Com esse texto -como não poderia deixar de ser,
breve, que foge ao formato do conto tradicional-, Raduan Nassar dá adeus não só
à literatura mas ao "troca-troca" intelectual. Este último, feito por
negociantes disfarçados, “mercadores de ideias”, "sem rostos", ao seu
ver, o impediria de praticar aquilo o que à abertura afirma ter a convicção de
considerar “a maior aventura humana”: "dizer o que se pensa".
A isso, a “fazer média”, “o verbo passado na régua,
o tom no diapasão, num mundanismo com linha ou no silêncio da página”, escolhe,
diplomaticamente, a saída da reclusão e de não mais escrever. Resta saber se
ainda veremos surgir inéditos, escritos longe das festas e do comércio, cercado
de boas-maneiras, dos intelectuais, que só serão descobertos depois que o autor
não puder mais receber o convite para a valsa do baile que não queria dançar.
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