Observando a cronologia dos contos de Raduan
Nassar, o último é de 1996: “Mãozinhas de seda”, escrito especialmente para o
segundo número dos Cadernos de Literatura Brasileira, IMS, e não publicado a
pedido do autor - como informa edição da antologia editada pela Companhia Das
Letras no ano seguinte. É portanto, também, sua última composição literária.
Escrito na primeira pessoa, e que termina com uma
exclamação entre parêntesis “(Saudades de mim!)”, o tom é autobiográfico. Nele,
o escritor evoca a memória de um bisavô aristocrata que teria lhe dado o
conselho de que "a diplomacia é a ciência dos sábios", e que o
"'negócio é fazer média', e enfatizava a palavra negócio (...): 'Nada de
porraloquice. Me promete.’"
Em seguida compara os intelectuais, "eruditos,
pretensiosos, e bem providos de mãozinhas de seda", às mocinhas casadoiras
de sua Pindorama natal, que, às vésperas dos bailes de Primavera esgotavam o
estoque de pedra-pome, com a qual poliam as mãos a fim de torná-las macias e
sedosas para melhor seduzir os mancebos.
"A harmonia do perfil é completa por
faltar-lhes justamente o que seria marcante: rosto. Em consequência desse
aparente paradoxo, tenho notado também que estão entregues a um rendoso
comércio de prestígio, um promíscuo troca-troca explícito, a maior suruba da
paróquia!".
Com esse texto -como não poderia deixar de ser,
breve, que foge ao formato do conto tradicional-, Raduan Nassar dá adeus não só
à literatura mas ao "troca-troca" intelectual. Este último, feito por
negociantes disfarçados, “mercadores de ideias”, "sem rostos", ao seu
ver, o impediria de praticar aquilo o que à abertura afirma ter a convicção de
considerar “a maior aventura humana”: "dizer o que se pensa".
A isso, a “fazer média”, “o verbo passado na régua,
o tom no diapasão, num mundanismo com linha ou no silêncio da página”, escolhe,
diplomaticamente, a saída da reclusão e de não mais escrever. Resta saber se
ainda veremos surgir inéditos, escritos longe das festas e do comércio, cercado
de boas-maneiras, dos intelectuais, que só serão descobertos depois que o autor
não puder mais receber o convite para a valsa do baile que não queria dançar.