Hoje gosto da vida muito menos...
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Vallejo em París |
Hoje gosto da vida muito menos,
mas sempre gosto de viver: já dizia isto.
Quase toquei a parte do meu todo e me contive
com um tiro na língua por detrás de minha palavra.
Hoje me apalpo o queixo em retirada
e dentro dessas calças momentâneas eu me digo:
Tanta vida e jamais!
Tantos anos e sempre minhas semanas!
Meus pais enterrados com sua pedra
e seu triste crescimento ainda não acabado;
de corpo inteiro irmãos, meus irmãos,
e, por fim, meu ser parado e de colete.
Gosto da vida enormemente
mas, desde logo,
com minha morte querida e meu café
e vendo os castanheiros frondosos de Paris
e dizendo:
É um olho este, aquele; uma testa esta, aquela... E
repetindo:
Tanta vida e jamais me falha a toada!
Tantos anos e sempre, sempre, sempre!
Disse colete, disse
todo, parte, ânsia, disse quase, por não chorar.
Que é verdade que sofri naquele hospital que fica
ao lado
e está bem e está mal haver mirado
de abaixo acima meu organismo.
Gostarei de viver sempre, assim fosse de barriga,
porque, como ia dizendo e o repito,
tanta vida e jamais! E tantos anos,
e sempre, muito sempre, sempre sempre!
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"Hoy me gusta la vida mucho menos..."
Poema de César Vallejo.
Tradução Lauro Marques.
São Paulo, 26 de outubro de 2010.
2h.