quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Pascal

Pascal escreveu que "toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não terem sabido ficar quietos dentro de um quarto". Depois desse pensamento mundano (citado por Baudelaire, em um dos Pequenos Poemas em Prosa, XXIII - LA SOLITUDE), pensou melhor e chegou à conclusão de que "a causa de todas as nossas infelicidades consiste na infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal". Mas, talvez, sem querer, com a primeira frase, o sábio francês foi ainda mais profundo.

O pão da obra

Partir, quando já é tarde demais. E abandonar o que não pode ser abandonado. Entregar-se a uma causa perdida. E morrer de amor-próprio.

X quer saber como pode "aproveitar o talento" de Y. Ele não sabe que nenhum talento pode ser... (eu ia dizer, comprado...) e que só o que é inútil dura?

Lauro Marques

terça-feira, 27 de setembro de 2005

A Beleza é Difícil, Yeats

Mais um velho post, atualizado hoje.
2.2.04 "A Beleza é Difícil, Yeats"

The Lady with the Monkey.This drawing was done as part of the series, Six Drawings Illustrating Theophile Gautier's Romance Mademoiselle de Maupin by Aubrey Beardsley published by Leonard Smithers and Co., London, 1898.

Da dificuldade de falar da beleza. Li há pouco O caso Wagner — Um problema para Músicos/Nietzsche contra Wagner ― dossiê de psicólogo. É um dos melhores que já li de N. Cito na tradução de Paulo César de Sousa:
"Pulchrum est paucorum hominum" [o belo pertence a poucos]. Mau! Nós compreendemos o latim, e compreendemos também nosso interesse. O belo tem seus espinhos: nós o sabemos. Logo, para que beleza? [...]
No que toca arrebatar as pessoas, isto já se relaciona com a fisiologia. Estudemos sobretudo os instrumentos. Alguns deles convencem até as entranhas (— eles abrem as portas, para falar como Händel), outros encantam a medula espinhal. A cor do som é decisiva; o que soa é indiferente. É esse o ponto que devemos refinar! Por que nos desperdiçarmos? Sejamos, no timbre, característicos até à loucura! Nosso espírito ganhará o crédito, se os nossos timbres insinuarem enigmas! Exasperemos os nervos, acabemos com eles, utilizemos raio e trovão! ― isso arrebata...
[...] A beleza é difícil: cuidado com a beleza!... mais ainda com a melodia! Injuriemos, meus amigos, injuriemos, se de fato vemos como sério nosso ideal, injuriemos a melodia! Nada mais perigoso que uma bela melodia! Nada corrompe mais certamente o gosto! Estamos perdidos, caros amigos, se voltam a ser amadas as belas melodias!...
Princípio básico: a melodia é imoral. Demonstração: Palestrina. Aplicação prática: Parsifal. A ausência de melodia chega a santificar...
E eis a definição de paixão. Paixão ― ou a ginástica do feio na corda da inarmonia. ― Ousemos ser feios, caros amigos! [...] O "peito dilatado" seja nosso argumento, o "belo sentimento" nosso porta-voz. A virtude prevalece até mesmo em relação ao contraponto. "Como não seria bom aquele que nos faz melhor?", assim raciocinou desde sempre a humanidade! Então melhoremos a humanidade!― é o meio de tornar-se bom (de tornar-se até mesmo "clássico" ― Schiller tornou-se "clássico"). A procura pelo baixo excitamento dos sentidos, pela assim chamada beleza, tirou o nervo aos italianos, continuemos alemães! [...] Não admitamos jamais que a música "sirva à recreação"; que ''distraia"; que "dê prazer". Jamais devemos dar prazer! Estamos perdidos, se houver um retorno da concepção hedonista da arte... Isto é péssimo século XVIII... Contra isso nada seria mais aconselhável, diga-se de passagem, que uma dose de ― hipocrisia, sit vênia verbo [com o perdão da palavra]. Isso empresta dignidade.
[...]


Fonte: Ensaio de Wagner, Religião e Arte em O caso Wagner, § 6, Cia das Letras, 1999.

Ao mesmo tempo, reencontrei simultaneamente e ao acaso, com minha esposa, um livrinho de poesia chamado A Beleza Difícil, coletânea de Hopkins, na tradução de Augusto de Campos, cujos poemas (Carrion Comfort) e That Nature is a Heraclitean Fire and of the comfort of the Resurrection muito me influenciaram quando li a primeira vez num caderno de cultura há muito tempo atrás. Na epígrafe do livro: "'La beauté, A beleza é difícil, Yeats', disse Aubrey Beardsley,/ Quando Yeats lhe perguntou porque ele desenhava horrores" (Ezra Pound, CANTO LXXX).
Para ler mais:
Gerard Hopkins
Electronic resources related to G.M. Hopkins (1844-89) and his poetry

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Obras Reunidas de Roberto Piva

No dia 29 de setembro, quinta-feira, a partir das 19h (no Espaço Unibanco de Cinema - Rua Augusta 1475), acontecerá lançamento de Um Estrangeiro na Legião, volume I, das Obras Reunidas de Roberto Piva, publicadas pela Editora Globo.

O primeiro volume conta com posfácio de Cláudio Willer. O prefácio e a organização da edição é de Alcir Pécora.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Federico García Lorca

Porque o Metro agora empresta livros; porque é primavera em São Paulo, apesar de não parecer; porque ninguém precisa de porquês, estou lendo a obra poética completa de Federico García Lorca. Esta manhã, um canto novo:

Cantos nuevos
Agosto de l920
(Vega de Zujaira)

Dice la tarde: "¡Tengo sed de sombra!"
Dice la luna: "¡Yo, sed de luceros!"
La fuente cristalina pide labios
y suspira el viento.

Yo tengo sed de aromas y de risas,
sed de cantares nuevos
sin lunas y sin lirios,
y sin amores muertos.

Un cantar de mañana que estremezca
a los remansos quietos
del porvenir. Y llene de esperanza
sus ondas y sus cienos.

Un cantar luminoso y reposado
pleno de pensamiento,
virginal de tristeza y de angustias
y virginal de ensueños.

Cantar sin carne lírica que llene
de risas el silencio
(una bandada de palomas ciegas
lanzadas al misterio).

Cantar que vaya al alma de las cosas
y al alma de los vientos
y que descanse al fin en la alegría
del corazón eterno.


...oooOOOooo...

Publicação original na Internet:
http://www.fut.es/~picl/libros/glorca/gl002100.htm#20

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

4 X BRASIL

Texto de Affonso Romano de Sant’Anna

(Conferência seminário 4xBrasil( 14.9.2005, Porto Alegre)- a ser publicada pela Ed. Artes e Ofícios.Objetivo: balanço do que ocorreu com o Brasil de 1960 para cá. Outros conferencistas: Fernando Gabeira, Nelson Motta, Luis Carlos Maciel)

No Palácio do Planalto em 2005 estão alguns dos guerrilheiros dos anos 60 e 70.
No Congresso Nacional em 2005 estão vários políticos que nos anos 60 cairam na clandestinidade.
O Presidente do Brasil em 2005 é um metalúrgico que nos anos 70 era líder sindical.
Estou começando a dizer o seguinte: a periferia chegou ao centro.
Estou começando a dizer o seguinte: os marginais de ontem chegaram ao poder.
Estou começando a dizer o seguinte: houve um giro de 180º nos acontecimentos e em nossas perspectivas. Somos num certo sentido uma geração privilegiada porque conseguiu ver e viver o verso e o reverso da medalha. Portanto, urge confrontar épocas e rever toda uma trajetória para nos perguntarmos: “ o que aprendemos até hoje?”(1).

Em 2003 Mick Jagger -o debochado cantor líder dos “Rolling Stones” foi condecorado “Cavaleiro” pelo príncipe Charles da Inglaterra. Aconteceu com a extravagante banda inglesa, o mesmo que ocorreu com os “Beatles” que, tendo desencadeado uma revolução na música e nos costumes, antes também foram condecorados pela Rainha. Naquele tempo dizia-se que os Rolling Stones estavam à esquerda dos Beatles. No entanto, acabaram igualmente no Palácio do Buckingham. O fato de Mick Jagger comparecer à cerimônia da condecoração de tênis, não o afirma a como um indivíduo da “margem”, mostra apenas que o tênis também foi coroado.

Lanço aqui aquilo que em propaganda se chama de “ teaser”- uma frase solta, um slogan prenunciando algo que vem depois numa maciça campanha publicitária. Ou seja: poderia intitular esta comunicação assim. “Da utopia à anomia”. Ou para tornar o texto academicamente mais impressionável e aceito: “Da utopia da modernidade à anomia da pós-modernidade”.
Mas começo falando de nossos iguais, de nós que viemos dos anos 60 e conseguimos, malgrado os obstáculos e nós mesmos, chegar até aqui. Muitos partiram antes. Como disse num poema :

“ Não era isto o combinado.
Eles estão se adiantando, os meus amigos.
Sei que é útil a morte alheia
para quem constrói seu fim.
Mas eles estão indo, apressados,
deixando filhos, obras, amores inacabados
e revoluções por terminar”( 2).

Estou me lembrando, por exemplo, do mítico Betinho, o sociólogo, o irmão do Henfil, o organizador do programa de combate à fome. Mas estou me lembrando do Betinho que era meu colega em Belo Horizonte nos anos 60, quando eu cursava a Faculdade de Filosofia da UFMG e ele a recém criada Faculdade de Ciências Econômicas, de onde saíram vários guerrilheiros, inclusive o saudoso Juarez Brito, com quem conversava sempre no bandeijão da universidade e que virou lugar-tenente de Lamarca e morreu metralhado ou suicidado no Rio.
Betinho é também uma metáfora do que comecei a dizer quando falei dos guerrilheiros no Palácio do Planalto, do presidente hoje que era líder sindical ontem, quando falei do rock enquanto marginalidade e poder.
O Betinho que nos anos 80 voltou de um longo exílio em vários paises, criou o IBASE lançou essa mobilização para combater a fome, foi nos anos 60 e 70 um maoista, que acreditava na revolução como forma de modificar de vez a história. Numa biografia de Betinho feita por Ricardo Gontijo – e para a qual fiz a orelha – há estórias muito pedagógicas, politicamente, sobre sua trajetória de um lado ao outro da experiência humana.
Não é só o Betinho. Olhem essas ONGs espalhadas pelo país. Quantas delas são geridas, quantas foram criadas por ex-guerrilheiros de ontem?
Teria ocorrido um giro de 360 graus da revolução ao assistencialismo?
A mudança estrutural de ontem teria sido substituída pela atuação apenas pontual?
Interessa-me menos qualificar essa modificação do que assinalar formalmente a mudança, uma mudança estrutural de comportamento e visão do mundo.

Ao dizer isto estou já me inclinando noutra direção, direção mais esclarecedora do que está embutido no que estou tentando desdobrar como raciocínio. E o que vou dizer, poderia ser resumido nesta frase: viemos de uma geração de utópicos.
Digo isto e lembro aquela outra frase que lancei anteriormente, meio aleatoriamente quando disse que poderia intitular essa apresentação de: “Da utopia à anomia”.
Começo então pela utopia.
Nossa geração foi criada dentro de uma ideologia utópica: a Modernidade. A Modernidade, aliás, como o Romantismo, são ideologias siamesas, utópicas. Romantismo e Modernidade acreditavam na História com H maíúsculo. Ou seja, na história segundo a visão não apenas marxista, hegeliana e cristã, mas numa História que, para usar uma expressão que tenho empregado em vários textos, caminha em sentido de flecha. Ela parte de um determinado lugar para chegar a outro. A História teria um desenho linear. Sai-se do Gênesis para o Apocalipse, onde nos espera, na catástrofe, a redenção. Os revolucionários marxistas colocaram dentro da catástrofe (ou conflito de classes) a criação do estado dialético onde teríamos a beatitude seráfica dos eleitos da História.
Neste sentido, a arte moderna, que irrompe mais claramente com os manifestos literários no princípio do século XX alardeiam a utopia, o progresso onde a máquina estaria a serviço do artista. (Alguns foram até mais radicais, o homem é que estaria a serviço da máquina, como foi satirizado por Chaplin em “Tempos Modernos”). A mitificação do progresso, constituído como motor propulsivo da história foi tanta, que para fazer logo uma paródia, e pela paródia, como pela charge, traçar melhor o perfil do que estamos dizendo, no Brasil, essa ideologia progressista da modernidade fez com que em qualquer vilazinha se encontre uma “Mercearia Progresso” “ Padaria Progresso”, “Alfaiataria Progresso”. Enfim, isto estava já no emblema de nossa bandeira positivista: “Ordem e Progresso”. (E ler os nomes de ruas, nomes de lojas, enfim as inscrições nos grafitos urbanos é desconstruir certa ideologia). Com efeito, os positivistas também modernos no seu tempo achavam que a história marchava em linha reta. Começava com estado Teocrático (no mundo primitivo) e terminava com o Estado Positivista, onde a razão seria a nova religião, não se sabendo muito claramente onde começava uma e terminava a outra.
Dois exemplos tautologicamente exemplares: Maiakovksly pela esquerda e Ezra Pound pela direita, personagens da vanguarda e do modernismo, ambos tinham uma visão utópica da história. No modernismo brasileiro, de novo Plínio Salgado, que antes de ser líder integralista era escritor pela direita ou Oswald de Andrade e Jorge Amado pela esquerda viveram essa utopia divergente.

Pois os anos 60 foram um período de recrudescimento utópico. A revolução cubana arrebatou toda a nossa geração. Até filósofos que deveriam ser mais sensatos, como Sartre, deixaram-se empolgar. No caso de Sartre, foi mais grave e radical, pois foi também maoísta.
E foi neste contexto que os que estão participando das rodadas dessa discussão surgiram. Lembro-me de Fernando Gabeira, por exemplo, no “Jornal do Brasil”, para onde chamou-me para trabalhar com ele no Departamento de Pesquisa, em 1967, antes de ele cair na ilegalidade e participar do sequestro do embaixador Elbrick. Lembro-me de tê-lo ido visitar na cadeia depois dos ferimentos e tortura. E com ele tenho continuado esse diálogo textual e literário desde seu retorno, quando publicou a autocrítica em “O que é isso, companheiro”, sobre o qual discorri no ensaio “ É isso aí, companheiro”(3).
Lá, naqueles anos e naquele jornal, também estava Nelson Mota (outro colega nestes debates), participando e ajudando a parir o movimento tropicalista e já participando do histórico programa Flávio Cavalcanti na TV Tupi. E Luiz Carlos Maciel, diretor de teatro já ia se configurando como guru, editando o jornal Rolling Stones, escrevendo livros não apenas sobre Sartre, mas tomando Marcuse e Norman 0’ Brown como seus gurus, aplicando-se a expandir o underground e outras formas de utopias marginais.
De minha parte, fazendo agora um depoimento, depois das experiências com os grupos de vanguarda e de ter participado do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE fui lecionar nos Estados Unidos; e na Califórnia, durante dois anos, vi de perto e vivi a utopia da cultura hippie, participei dos “ love-in” dos “teach-in”, das marchas contra a guerra no Vietnam, seja em São Francisco ou Los Angeles. Acho que posso até botar em meu curriculum que assisti até a um concerto dos Beatles em Los Angeles…

Sem complicar muito, como seria lícito fazer em linguagem acadêmica, quando se começa a falar de modernidade, criando uma parábola que sintetize vários pensamentos aqui embutidos, eu tomaria uma frase emblemática daquela época para começar a contrastar com o que ocorre nos nossos dias, esses dias em que uma insidiosa anomia parece nos grudar às sem-saídas do presente.
Daquelas frases de 68 inscritas nos muros de Paris, tomo uma: “É proibido proibir”. Como nos fascinava! Era a liberdade absoluta, uma resposta, na Europa, ao peso da tradição que engessava os estudantes na universidade e no sistema; no Brasil, na canção de Caetano num daqueles festivais, uma reação à censura imposta crescentemente desde 1964.
Essa frase lida hoje tem algumas lições a nos dar. Examinando-a do lugar onde estamos essa “É proibido proibir” deixa de ser uma frase libertária e utópica e passa ser uma frase igualmente autoritária, posto que ao enfatizar o “ proibir”, ainda que paradoxalmente, está reafirmando um centro, uma verdade única. É uma frase tão contraditória quanto aquela fórmula que vulgarmente se aplica à teoria da relatividade: “Tudo é relativo”. Então, podemos paradoxalmente raciocinar: a afirmativa “tudo é relativo” é uma afirmativa absoluta, absolutista, que nega a si mesma, tanto como a frase dos rebeldes jovens de 68 que, ao proibir a proibição remete gostosa e idilicamente para o paraíso, mas pode desencadear também a anomia, a entropia e o impasse.
No contexto em que estamos, quarenta anos depois, descobrimos que ao contrário de “é proibido proibir”, é também legal dizer “Não”, dizer “ Basta”. Diria, correndo todos os riscos de ser mal interpretado, que esta é uma das diferenças fundamentais entre aquele ontem e o este hoje.
Não é verdade que existe liberdade sem limites.
Não é verdade que existe revolução permanente.
Não é verdade que tudo é arte ou que arte seja qualquer coisa que qualquer pessoa chame de arte.
Enfim, não é verdade que qualquer coisa é igual a qualquer coisa.
Não é verdade que uma sociedade (que uma cultura) possa viver sem “valores” e sem um “cânone”. O que não significa que “valores” e “cânone” tenham que ser verdades pétreas. Como disse Whitehead: “a arte de uma sociedade livre consiste primeiro: em manter um código simbólico; e, depois, em não temer a revisão… As sociedades que não podem combinar a reverência aos seus símbolos com a liberdade de revisão hão de deteriorar-se no final”.
E é de revisão que venho falando há tempos.
E para ir ilustrando isto e retomando tanta coisa que tenho diluidamente dito em crônicas, poemas e ensaios, basta lembrar primeiro a famosa frase de um bandido famoso nos anos 70 -Lúcio Flávio. Como se verá, certas frases tiradas dos muros, tiradas da boca de marginais, podem ter a mesma força das frases formuladas por intelectuais e heróis consagrados. Dizia Lúcio Flávio, cansado de ser explorado pela polícia, que o encurralava e achacava para que distribuísse com ela seus ganhos, dizia ele, querendo restabelecer os limites das ações entre a polícia e os criminosos: “Polícia é policia, bandido é bandido”.
Bons tempos aqueles em que se pensava que polícia era polícia e bandido era bandido.
Bons tempos aqueles em que juiz era juiz e ladrão era ladrão. (Isto foi antes do juiz Nicolau e tantos outros).
Ilusórios tempos aqueles em que se pensava que havia limites entre o centro e a periferia, quando os revolucionários sonhavam que chegando ao poder criariam um novo Éden.

Recentemente publiquei um livro- “ Nós, os que matamos Tim Lopes”( Ed. Expressão e Cultura), onde reuni todas as crônicas sobre violência escritas dos anos 70 até recentemente. E uma delas tinha o profético título. “ A história de um país é também a história de seus bandidos”. E propunha que se fizesse uma história dos bandidos para que através desses marginais entendêssemos melhor nosso sistema. Os marginais não são outro sistema. São parte do sistema e metonimicamente o explicam.
Que se faça um estudo comparativo entre o bandido ainda romântico Lúcio Flávio e Fernandinho Beira-mar hoje. Que se faça um estudo sobre o artesanal jogo do bicho ontem e o intrincado comércio das drogas hoje. Que se faça uma análise de como a guerrilha colombiana acabou se misturando com o narcotráfico, e se terá uma noção mais nítida de como certos “valores” se metamorfosearam.
E aqui a chamada “pergunta que não quer calar”: o que a tragédia do PT tem a nos ensinar sobre isto tudo?

Devo esclarecer a essas alturas que nas entrelinhas do meu texto até agora existe um pensamento que tornarei mais explícito. Falo de estratégia epistemológica. Não se deve tentar pensar o confronto entre os anos 60 e os dias de hoje, sem um enfoque epistemológico. E esse enfoque exige que esclareçamos a partir de que ponto de vista emitíamos nossa visão do mundo ontem e a partir de que ponto de vista emitimos nossa visão de mundo hoje. É neste sentido, que ao situarmos a nossa geração como herdeira da utopia e da revolução artística e social, ao localizarmos aí uma ideologia visível e invisível que configurava nossas ações, torna-se necessário esclarecer que ideologia está a nos envolver hoje, para que saibamos criticamente nos comportarmos em relação a ela.
É aí que entra a questão da pós-modernidade. É aí que entra o papel da arte como metáfora ilustrativa de nossos impasses e perplexidades.
Se tomarmos os movimentos que surgiram em torno dos anos 60: a Bossa Nova, o Teatro de Arena, o Centro Popular de Cultura, o Opinião, as Neovanguardas, o Tropicalismo, o Cinema Novo, veremos que eram iniciativas programáticas, com manifestos e idéias apriorísticas. Estão dentro do espectro da modernidade, quando se acreditava na História e no sujeito histórico.
Em torno da década de 80, configura-se mais nitidamente algo que, para uso acadêmico, passaram a chamar de pós-modernidade. Algo que teve aí o seu apogeu, representado sobretudo pelas artes plásticas. Quem acompanhou os debates acadêmicos ouviu insistentemente dizer sobre “a morte da arte”, a “ morte do sujeito”, a “morte do romance”, e tantas outras mortes, a exemplo da “ morte da história”. Tornou-se exemplar disto a afirmativa daquele pensador da CIA que decretou “a morte da história”. Morte da qual, com a maior desfaçatez, depois de ter provocado polêmicas em toda parte, já se arrependeu, produzindo um outro texto dizendo que havia se equivocado.
Há algum tempo venho insistindo numa cantilena de
que precisamos rever a modernidade e a pós-modernidade para iniciarmos um outro tempo ou pelo menos para purgarmos nossos erros e fantasmas de ontem. O livro “Desconstruir Duchamp” foi mais uma tentativa nessa direção. Aí, tomando a arte como metáfora sintomal vejo que as últimas décadas têm sido caracterizadas na arte e em nossas vidas por uma ideologia que privilegia o instantâneo no lugar do projeto; que privilegia a quantidade no lugar da qualidade; que cultua a aparência e o brilho como valores em si; que incita ao supérfluo; que oferece mais o verniz da visualidade do que a imersão na leitura; que louva a marginalidade e a falsa marginalidade; que cultua o lixo como luxo; que impõe o globalizado sobre o nacional e o regional e que cultiva o indivíduo narcísico sobre o social participativo. É como se a utopia se tivesse transformado numa eutopia. Mas a eutopia, aqui não no sentido grego, do “Eu” como sinônimo do “ bom”, mas numa cultura do “ego” enredado apenas em seus fantasmas.
Essa cultura da alienação do sujeito, da isenção de responsabilidade, onde a cópia vale tanto quanto o original tem sua metáfora magnífica no filme de Jorge Furtado- “O homem que copiava”. Os personagens não têm qualquer valor ético, os indivíduos são simples objetos metonímicos e o falso passa por verdadeiro. E aqui, ainda que de passagem uma anotação: não se trata de recair na antiga concepção estática e cêntrica de falso e verdadeiro.Trata-se, isto sim, de observar que ao mesmo tempo que o conceito de falso e verdadeiro faz parte de uma construção conceitual, isto não significa que o falso e o verdadeiro se equivalem, que sejam valores que se anulem.
Esta cultura chamada de pós-moderna nos trouxe também essas multidões sem rumo, das quais os recentes happenings chamados “ flash mob” foram um sintoma. Grupos de pessoas correndo daqui para ali, sem qualquer sentido, porque se decretou que a vida não tem sentido, que a arte não tem sentido, que a vida social não tem sentido, ignorando com essas afirmativas, que esse “não sentido” define já um sentido. Iludem-se ao dizer que “nada tem sentido” que podem escapar à análise. É semelhante à tolice dos que apregoaram o fim “das grandes narrativas”, sem se darem conta que esse discurso sobre o fim das grandes narrativas é uma “grande narrativa” e, como tal, pode ser analisada, desde que se tenham elementos epistemológicos eficientes para a análise do discurso.
No campo da arte dá-se mal entendido semelhante: tornou-se moda com a chamada “arte contemporânea”(nome totalmente impróprio) os artistas se apresentarem como “antiartistas” ou “não-artistas”. Deste modo produzem ”antiarte” e “não-arte”, mas ocupam esperta e hipocritamente o espaço que é da arte: os museus, galerias e livros de história da arte.
É um mal entendido conceitual e linguístico. É como se uma pessoa pelo simples fato de se declarar invisível, passasse a ser invisível. A pós-modernidade exacerbando experiências da arte conceitual acabou enredada no ilusionismo e naquilo que Baudrillard denuncia como um jogo de simulacros.
É como se vivêssemos uma época em que o discurso se descolou totalmente de sua contraparte, o real, como se tivesse se tornado significante puro. Isto pode ser muito estimulante para debates acadêmicos, mas em termos existenciais e sociais é uma alucinação discursiva.
Por isto, terminando, é que insisto no termo anomia. Digo “ anomia” e vou ao dicionário me entender: “1.ausência de lei ou regras; anarquia. 2. Estado da sociedade no qual os padrões informativos de conduta e crença têm enfraquecido ou desparecido..3. Condição semelhante em um indivíduo, comumente caracterizada por desorientação pessoal.ansiedade e isolamento social. 4. Med. perda da faculdade de dar nome aos objetos ou coisas ou de reconhecer e lembrar seus nomes”.
Em muitos casos chegamos a um estágio de anomia ética e estética. A vida artística e a vida política e social mostram isto. Mas entrever essa anomia não significa ficar paralizado diante dela. Há instrumentos para analisá-la, diagnosticá-la. Daí que tenho proposto insistentemente (vejo outros intelectuais no exterior na mesma linha), uma revisão do que foi a modernidade e a pós-modernidade, como uma forma de, nomeando, configurar o sentido até mesmo do não-sentido.
Chegando ao fim desta apresentação, talvez pudesse terminar com palavras que usei recentemente ao participar de um seminário em Santiago do Chile (11-12 de julho), patrocinado pelo CEPAL, onde havia uma preocupação semelhante a esta aqui: queria-se entender os caminhos e descaminhos percorridos pelo Brasil e pelo Chile entre 1960 e hoje. Ali, evidentemente tracei outro percurso de idéias. Mas terminei dizendo que o desafio comum que vejo para os intelectuais e artistas chilenos e brasileiros é nitidamente este: proceder à revisão urgente não apenas da década de 60, mas da modernidade e da pós-modernidade, não com os pés no retorno ao século XIX, mas com os pés no século XXI. Uma revisão impiedosa, que sendo uma autocrítica, seja um enfrentamento com os ídolos de ontem, porque a maior homenagem que se pode fazer a um contestador de ontem é contestá-lo hoje.
Com efeito, se olharmos a história da arte e do pensamento do século XX teremos, de certa forma, uma lúgubre imagem. Aí se falou exaustivamente da “morte da arte”, da “morte da poesia”, da “morte do romance”, da “ morte do homem”, da “morte do sujeito”, da “morte da história”, da “morte de Deus”. Enfim, essa sequência de mortes nos convence que o século XX é um cemitério, um vasto cemitério.
Façamos a autópsia desse século. Procuremos a “causa mortis” de tantas idéias e ideologias. A ordem é recomeçar. Já dizia Nietzsche o genial suicida e coveiro de tantas idéias, que só pode haver ressurreição onde houver morte. Não se trata, portanto, de regressar, mas de recriar algo novo que com o novo século se inicia. Mas para que isto se faça é preciso fazer o

EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX



Affonso Romano de Sant’ Anna



1.Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.

2.Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.

3. Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux-vômica

4. Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado, empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

5.Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.

6.Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.

7. Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas, sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro
a custo aproximou.

8.Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

9.Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno.
Século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
-já vai tarde.

10.Foi duro atravessá-lo.
Muitas vezes morri, outras
quis regressar ao 18
ou 16, pular ao 21,
sair daqui
para lugar nenhum.

11.Tende piedade de nós, ó vós
que em outros tempos nos julgais
da confortável galáxia
em que irônicos estais.
Tende piedade de nós
-modernos medievais-
tente piedade, como Villon
e Brecht por minha voz
de novo imploram. Piedade
dos que viveram neste século
per seculae seculorum.


********************************

1-Título de uma aula inaugural dada em meia dúzia de universidades na década de 90, analizando críticamente o século XX.
2- “Eles estão se adiantando”- in “O lado esquerdo do meu peito”Ed. Rocco, 1992, Rio
3. “Politica e paixão”.Ed. Rocco, 1984, Rio


Leia também: poema de Lauro Marques com dedicatória a ARS

NAPOLEÃO

(A Affonso Romano de Sant’anna)


“Do sublime ao ridículo,
há apenas um passo”,
disse Napoleão.

O conselho serviu
bem mais de uma
geração.

Insepultos vivos caminham
onde jazem ilustríssimos
no chão.



Lauro Marques

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Convite Sarau

Nossa Música (Plano-sequência para Rubens Rodrigues Filho)

Com o lançamento do filme de Godard em DVD, resolvi republicar um velho post:
14.2.05 Nossa Música
(Plano-sequência para Rubens Rodrigues Torres Filho)
Por Lauro Marques

Godard, "Nossa Música". Na grande tela do Cine-Sesc, um lugar ainda possível para se assistir a Filmes.

A Imagem é certeza, o Real é incerteza.

Na total imundície, desordem, e completa desestruturação social, urbana, da Rua Augusta com a Avenida Paulista, essa é a música que estamos compondo na maior cidade do "país do século XXI", em fevereiro de 2005.

Je est un autre. O Eu é um outro. Eu sou um outro. "Ah, não ser eu toda a gente em toda a parte!" Iluminação profética e danação existencial de ser humano.

O homem desgrenhado sorrindo com a cara na lata de lixo, e escarrando repetidas vezes na parede. "Por que ele não foi fazer isso em outra parte?"

Esse outro, passeia conversando com o amigo, puxando uma carroça na calçada mínima despedaçada por "obras" e entulhada de camelôs e gente de paletó e gravata na fervilhante tarde da Paulista.

O ar é um bouquet de borracha queimada e vômito, e o único prédio limpo, a aparecer quase como uma miragem, num ponto da Avenida, é o imaculada e miraculosamente branco Banco de Boston. A contrastar com o mar de bosta, e como a dizer: I am another.

Purgatório e inferno com reflexos muito distantes do Paraíso. E pessoas jogadas nos cantos dos canteiros abertos, o barro à mostra sem flores. Imagens da nossa atrocidade.

Fico pensando em que guerra foi que a gente se meteu e por que perdemos? Os outros ainda podem sonhar com os inimigos e nós com quem sonhamos?

Godard, sem sentido? Not at all, Mr. Au contraire, c'est justement au contraire. Mal vu, mal dit. Mal visto, mal dito. Está tudo isso lá no seu filme. O melhor da arte é quando sai de si própria, pára de interpretar a si própria, e fala da vida, do que está ao redor, dos arredores.

Um país que não tem grandes poetas merece ser vencido por outro que os tem?
Um país que não escreve poesia não pode ser um país forte.


Rubens Rodrigues Torres Filho

Para quem interessar possa: um sebo na mesma Rua Augusta (não guardei o nome, mas fica ao lado do Mac Donald's, e em frente ao Vienna Café da Alameda Santos com a Augusta) tem dezenas de exemplares de dois livros de poesia de Rubens Rodrigues Torres Filho: O vôo circunflexo, prêmio Jabuti de poesia 1981, e A letra descalça, de 1985. Estão à venda por míseros R$ 2, 90. Embolorados e na última prateleira da última parede da loja. O poeta, estudioso de filosofia clássica, tradutor de Kant, Nietszche, Novalis, autor de O Espírito e a Letra: A crítica da imaginação Pura em Fichte, merece um pouco mais do que isso.

Dele, de seu A letra descalça, pesco ao acaso, que sempre é acaso objetivo, esse

Plano-sequência

Fugiste, gesto? A vida, essa, totalmente fora de mim.
Alheia como vistas na tela. Cinema dos outros. Uma
moça que me quer bem. Pois bem. A ela, eu diria:
cenas que comovem, vistas e revistas, são sempre. Até
a emoção é cena. A inspiração, que é uma forma de
respirar e deixar passar o ar. Pela boca, também. E o
ar saindo, metodicamente entrecortado de silêncios,
vai formando o que se chama voz, e parece dizer algo.
A presença se adensa. Pérolas, vôos de pássaro sem
pássaro, pouso de plumas, diretamente, no mesmo
ar. Laços, pequenas liberdades, abstratas no espaço
disponível. Cena, cena. Dedos articulando solidões e
seus espaços. Refinada química dos afetos, cristaliza-
cões de um fluxo sem nome. Imagens. Intensidades
mentais. A cena estaria completa. Resta um fio de
voz, buscando rumo para o contorno. E é dele que se
trata, súbito.


-Rubens Rodrigues Torres Filho

segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Poemas na Confraria do Vento

Começo a semana muito bem acompanhado. Acaba de sair a revista Confraria do Vento, edição nº 4, setembro/outubro de 2005, que já está na rede, desde a semana passada, com seleção de poemas meus, fotos e poesia inédita de Jean Baudrillard (a foto abaixo é dele), tradução inédita de texto em prosa de "certas peças nobres do Japão" de W.B. Yeats, além de poemas inéditos em português do russo Guennady Aigui, conto de Ferrez, entre outras coisas.
O endereço é: http://www.confrariadovento.com

Fotografia de Jean Baudrillard

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Ne me quittez pas !...

Um homem são é colocado num quarto completamente fechado e sem a menor incidência de luz. Desperta no meio da noite assustado e, por alguns instantes, de intensa agonia, crê que ficou cego para sempre. "Ne me quittez pas, poésie, ne me quittez pas!..."

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Nietz., Severino, Pragmatismo e o complexo de culpa cristão

Nietz. dizia que o "último cristão morreu na cruz". Sim, e ao meu ver, em vão.
Só não concedo a tese de que Severino é bode expiatório, nem Cristo.
Uma teoria que levasse em conta os atos, e as consequências dos atos (sem culpa, é possível? Por que isso ainda me parece terrivelmente cristão?), ao meu ver seria um substituto melhor.
Borges, esse pragmatista, escreveu que "todo ato projeta uma sombra no futuro", isto é a soma do que somos. E somos o próprio argumento de nós mesmos. Assim como a nona sinfonia, com todos os seus movimentos.
Veja aqui o cheque que compromete o Severino e analise

domingo, 11 de setembro de 2005

Rimbaud revisitado

"Tudo isso passou. Hoje, sei saudar a beleza."
A frase de Rimbaud, a certa altura de "Uma temporada no inferno", resume bem para o artista o sentimento de superação diante do trágico. Sentimento, eu diria, seguindo Schiller, mais do sublime, do que do belo.
"Uma tarde, sentei a Beleza nos meus joelhos - E achei-a amarga. - E injuriei-a" , não é com essa frase que ele também abre "Uma temporada..."?

"Poste-escrito" (Millôr): Para leitores menos sutis: "Abrir uma temporada", nesse caso, é bem o termo.

sábado, 10 de setembro de 2005

Lançamento de livro


Unimarco Editora e Livraria Lima Barreto convidam para o lançamento de Alta traição, poemas de Proust, Apollinaire, Cernuda, Auden e outros, selecionados e traduzidos por Carlos Felipe Moisés.


Haverá leitura de poemas do livro, pelo tradutor.



13/09, terça-feira, 19h



LIMA BARRETO - Livraria & Creperia

R. Inácio Pereira da Rocha, 414

V. Madalena (11) 3819-5090

incomunidade

Blog português de nome sugestivo:
incomunidade

Talking gibberish

a nose that laughs

Tenho estado sempre no lugar errado, fazendo o que não sei o que. Tudo bem, “let’s face the music and dance”. E o único lugar que me reconheço… isso é Rilke. “Our sentimental friend the moon”, o caralho, “garras descarnadas escavando os subterrâneos” – Paulo Francis, resumo de poética e da ópera.

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Achados e perdidos

Venha para Sé e perca a Fé.
Conheça o Desespero.
Sexta, sete da noite, no som da lojinha de cds Renato Russo tocava e cantava "Quando tudo está perdido..." para os mendigos da praça.
Chovia e era São Paulo.
Eu também fecho com os bêbados da praça, Gustavo*.

Gustavo Castro*

Pois vos digo de quem gosto.

Gosto dos bêbados e dos viciados,
e dos que se confundem com o lixo.
Dos que dormem sob marquises
e bebem para viver de morte.
Gosto dos bêbados com sua pele alva,
gélida, pálida, inchada e lívida.
Gosto também dos que fodem devagar
expressando o sabor dos que gozam gostoso.
Gosto dos que sabem que para cima é que se anda.
Gosto dos que nunca perdem a alegria e suportam
com ironia o peso dos imbecis.
Gosto dos que se fiam em sonhos
e dos que dançam
e dos que dizem:
´´deus dança em mim``
porque já se sabem divinos.
Gosto dos anônimos, dos velhos das cidades do interior,
das mulheres que gostam de cozinhar,
dos que oferecem aquilo que lhes resta.
E sobretudo gosto de crianças,
e das crianças que são meus filhos.

Ah... as crianças,
se eu soubesse como amá-las de fato,
se eu soubesse ser pedófilo de fato
...E ainda assim angelical!