Mais um velho post, atualizado hoje.
2.2.04 "A Beleza é Difícil, Yeats"
Da dificuldade de falar da beleza. Li há pouco O caso Wagner — Um problema para Músicos/Nietzsche contra Wagner ― dossiê de psicólogo. É um dos melhores que já li de N. Cito na tradução de Paulo César de Sousa:
"Pulchrum est paucorum hominum" [o belo pertence a poucos]. Mau! Nós compreendemos o latim, e compreendemos também nosso interesse. O belo tem seus espinhos: nós o sabemos. Logo, para que beleza? [...]
No que toca arrebatar as pessoas, isto já se relaciona com a fisiologia. Estudemos sobretudo os instrumentos. Alguns deles convencem até as entranhas (— eles abrem as portas, para falar como Händel), outros encantam a medula espinhal. A cor do som é decisiva; o que soa é indiferente. É esse o ponto que devemos refinar! Por que nos desperdiçarmos? Sejamos, no timbre, característicos até à loucura! Nosso espírito ganhará o crédito, se os nossos timbres insinuarem enigmas! Exasperemos os nervos, acabemos com eles, utilizemos raio e trovão! ― isso arrebata...
[...] A beleza é difícil: cuidado com a beleza!... mais ainda com a melodia! Injuriemos, meus amigos, injuriemos, se de fato vemos como sério nosso ideal, injuriemos a melodia! Nada mais perigoso que uma bela melodia! Nada corrompe mais certamente o gosto! Estamos perdidos, caros amigos, se voltam a ser amadas as belas melodias!...
Princípio básico: a melodia é imoral. Demonstração: Palestrina. Aplicação prática: Parsifal. A ausência de melodia chega a santificar...
E eis a definição de paixão. Paixão ― ou a ginástica do feio na corda da inarmonia. ― Ousemos ser feios, caros amigos! [...] O "peito dilatado" seja nosso argumento, o "belo sentimento" nosso porta-voz. A virtude prevalece até mesmo em relação ao contraponto. "Como não seria bom aquele que nos faz melhor?", assim raciocinou desde sempre a humanidade! Então melhoremos a humanidade!― é o meio de tornar-se bom (de tornar-se até mesmo "clássico" ― Schiller tornou-se "clássico"). A procura pelo baixo excitamento dos sentidos, pela assim chamada beleza, tirou o nervo aos italianos, continuemos alemães! [...] Não admitamos jamais que a música "sirva à recreação"; que ''distraia"; que "dê prazer". Jamais devemos dar prazer! Estamos perdidos, se houver um retorno da concepção hedonista da arte... Isto é péssimo século XVIII... Contra isso nada seria mais aconselhável, diga-se de passagem, que uma dose de ― hipocrisia, sit vênia verbo [com o perdão da palavra]. Isso empresta dignidade.
[...]
Fonte: Ensaio de Wagner, Religião e Arte em O caso Wagner, § 6, Cia das Letras, 1999.
Ao mesmo tempo, reencontrei simultaneamente e ao acaso, com minha esposa, um livrinho de poesia chamado A Beleza Difícil, coletânea de Hopkins, na tradução de Augusto de Campos, cujos poemas (Carrion Comfort) e That Nature is a Heraclitean Fire and of the comfort of the Resurrection muito me influenciaram quando li a primeira vez num caderno de cultura há muito tempo atrás. Na epígrafe do livro: "'La beauté, A beleza é difícil, Yeats', disse Aubrey Beardsley,/ Quando Yeats lhe perguntou porque ele desenhava horrores" (Ezra Pound, CANTO LXXX).
Para ler mais:
Gerard Hopkins
Electronic resources related to G.M. Hopkins (1844-89) and his poetry
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