“No final, todas as vidas não passam de uma soma de fatos contingentes, uma crônica de interseções fortuitas, lances de sorte, casualidades que nada revelam senão sua própria falta de propósito”, diz o personagem principal de “O quarto fechado”, uma das histórias que compõem A trilogia de Nova York, de Paul Auster.
“Pode ser”, pensa Gabriel. Ele lembra que a viu passando pelo corredor vestida num collant azul, a cor preferida dele. Gabriel recorda de ter pensado como ela era bonita e que com certeza ela devia ter um namorado. Ela nem sequer o notou e não podia saber que alguns meses depois eles iriam estudar juntos na mesma sala no mesmo curso de pós-graduação. Ele também não podia imaginar que eles iriam estar casados um ano depois e que ele seria de fato o primeiro namorado dela.
“Pode ser”, pensa Gabriel. Ele lembra que a viu passando pelo corredor vestida num collant azul, a cor preferida dele. Gabriel recorda de ter pensado como ela era bonita e que com certeza ela devia ter um namorado. Ela nem sequer o notou e não podia saber que alguns meses depois eles iriam estudar juntos na mesma sala no mesmo curso de pós-graduação. Ele também não podia imaginar que eles iriam estar casados um ano depois e que ele seria de fato o primeiro namorado dela.
Nessa época, Gabriel estava morando numa “República” perto da Universidade, no apartamento de número 13. A casa dela ficava no número 1131, em outro bairro, uma casa grande, com piscina, que lembrava um quadro de David Hockney. A placa do carro que o pai de Gabriel dirigia quando morreu era 3113. Quando eles se casaram foram morar num apartamento que tinha sido da avó dela, por mais de dez anos, e que ela costumava alugar a terceiros. Qual era o número do apartamento? Bem, você pode procurar por eles no décimo primeiro andar, nº 113.
Dois poemas.Remexendo na gaveta de guardados (caixa de entrada do seu velho Outlook Express), M. encontra fragmentos de poemas e a explicação para a semelhança daquilo o que ambos exprimem numa nota enviada pelo correio eletrônico também a S.F.
“Ô a beleza! A beleza que cuspo quando sonho -- o puro licor que adoece.” (Alcides Pinto).
E o de M.:
“Cuspiram-me o cadáver -- o amor!
O amor estava sendo preparado
-- deram-me o amor!
Aí então me tornei a doença que tanto temiam.”
O amor estava sendo preparado
-- deram-me o amor!
Aí então me tornei a doença que tanto temiam.”
Final de Interlúdio (1) (Do Amor): IV-A MUSA, de Balada para um Morto, livro inédito.
Na nota, M. explica que estava lendo o Alcides e se carcomendo o espírito: “Como posso EU ter sido influenciado por esse senhor??? Na verdade ambos devemos ter sido influenciados pelo ‘De Azedo’ e o ‘De Arbelo’. E Ambos os ‘Dos Demônios’... O Blake e o outro, Dos Anjos, é claro.”
M. gosta de charadas com os nomes. Encontra “Azedo” no nome de Álvares de Azevedo e apelida Baudelaire de “De Arbelo” (tradução para o francês “Beau de l’air”). O profeta paraibano Augusto dos Anjos é consumido por demônios, os mesmos dos “Provérbios do Inferno”, do poeta místico William Blake, e, talvez, pensa M., fossem os mesmos “demônios de rapina” que assaltavam seu peito à noite, de madrugada, queimando como o alcatrão de saias perfumadas, saídos do “seu” Livro dos Mortos em um outro poema esquecido de M.
Aquele mesmo livro cujo primeiro poema ele escreveu exatamente um mês antes da morte do pai e foi “gerado” pela leitura que o pai fez para ele do soneto de Augusto dos Anjos, que vinha com uma dedicatória ao “primeiro filho nascido morto com sete meses incompletos”. “Imagine a dor que ele sentia quando escreveu isto”, disse o pai de M. Naquele mesmo dia, de olhos fechados, no seu quarto, M. imaginou.
Quadros retratando ausências.
Do quadro de Munch, Puberdade (1895) ,diz Giulio Argan, em Arte Moderna, p. 256, retomando alguns temas que eu vinha tratando antes.
“A figura é realista, com mãos e pés grandes e um pouco avermelhados, como frequentemente ocorre com os adolescentes; delicados, como de menina, são o peito e os braços, e plena, já de mulher, é a curva dos quadris e da bacia. O rosto indeciso e amedrontado indica a perturbação da moça pela transformação que sente se realizar em seu próprio ser. Realista é a sombra, projetada pela iluminação frontal, apenas levemente deslocada para esquerda; todavia, essa sombra agigantada, que nasce do próprio corpo da menina, toma forma avulta como um fantasma, possui um claro sentido simbólico, é a prefiguração da vida futura. A cama também é realista, vê-se a marca, sente-se a tepidez deixada pelo corpo; no entanto, certamente se refere aos que, para Munch, são os dois pólos da existência, o amor e a morte”.
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