“Talvez eu nem sequer seja escritor”, escreve, “mas apenas alguém que rabisca de vez em quando garranchos ininteligíveis em seu caderno”.
Pegou um trecho qualquer e leu: “Quando o vento veio irritar, enrugando, a superfície da água...”. O texto não tinha início nem fim.
Mais adiante, achou essas anotações encabeçadas por um título curioso, e, é claro, não plenamente desenvolvido e também deixado incompleto: “Da culinária dos nômades: lições de sobrevivência”. Cito um trecho:
“Comida do nordestino. Foi feita para viajar. Um pedaço de rapadura e a carne salgada e seca ao sol duram meses. Nisso temos em comum com os povos nômades (...) O sertão não é deserto. Talvez nem mesmo o deserto seja tão deserto assim para quem vive nele. Logo saberá descobrir-lhe os oásis.”
“Há desertos nas cidades grandes que são mais desertos que...”.
Parou neste ponto, perigosamente perto de um lugar-comum.
Depois, essas anotações sobre a Beleza:
“A beleza não existe. Ponto. O artista deve ser obrigado a inventá-la. Uma das formas de inventar a beleza é mostrando seu extremo oposto. O feio. O feio existe. Logo, a beleza pode ser imaginada...”
Pensou ter encontrado uma “palavra-valise”, mas, enganou-se. A valise não continha nada.
Etílicos e suicidas
“Melhor/ morrer de vodca/ que de tédio!”, escreve Maiakovski num poema dedicado a Sierguei Iessiênin, que se suicidou num quarto de hotel, em Leningrado, em 28 de dezembro de 1925, aos 30 anos. Cortou os pulsos e escreveu com o próprio sangue estas duas estrofes na parede (tradução de Augusto de Campos):
Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.
No mesmo poema, já citado, em que responde lindamente a essas linhas, Maiakovski quase que admoesta o amigo: “Nesta vida / morrer não é difícil./ O difícil /é a vida e seu ofício.” (Tradução de Haroldo de Campos). Ele que, no entanto, cinco anos depois, em 1930, quando tinha 37 anos, também se suicidou, com um tiro no peito, imitando a si mesmo num dos seus poemas famosos.
Em “A flauta vértebra!” (1915), ele afirma: “Seria melhor talvez / pôr o ponto final de um balaço” (Trad. De Haroldo de Campos).
Quem morreu mesmo de vodca, dizem, foi Paulo Leminsky. E é Carlos Heitor Cony, num prefácio às “Novelas Nada Exemplares”, do também curitibano Dalton Trevisan, quem diz: “Um moço em Curitiba só tem um remédio: afogar-se. Como não há mar, um tonel de rum serve”.
Ultimas notícias
Extra! Extra! Deu entrada no Hospital da Poesia, recentemente, mais um poeta, vítima do trocadilhismo - doença medieval que reaparece de tempos em tempos entre nós. A vítima foi internada, suspeita-se, devido à ingestão conjunta de uma “Mc-rima” com um “Rilke-Shake”.
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