quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Diálogos - O encontro inadiável



― Desculpem interromper vossa conversa, senhores, mas tenho, neste exato momento, um encontro inadiável comigo mesmo!

Disse isso, deixando as palavras em suspenso, e partiu.

* * *

― Mas se não é o diabo em pessoa! Disse o amigo, vendo-o entrar pela porta do bar.

― Por favor, evite me chamar pelo meu nome verdadeiro! Sorriu, enquanto puxava uma cadeira e sentava.

― Que maus ventos o trazem de volta ao velho antro? Perguntou o amigo.

― Era exatamente o que eu estava me perguntando agora mesmo, quando saí do trabalho.

O bar chamava-se “El Chasco” e tinha sido freqüentado por ambos na juventude.

― Mas não imaginava encontrar com outra pessoa a não ser comigo mesmo!

― Vamos com calma a essa hora, que ainda estou na primeira tequilita, hombre!

Bueno.

Que dices?

Una tequila!

― E presto! Mas não perguntei, que bebes?

― Duas taças de vinho e uma boa refeição, como faziam os príncipes e não podiam os mendigos.

― Shakespeare?

― Ele também.

― Mas onde se enfiou aquele cagatintas do garçom?

O garçom se aproxima com uma bandeja, contendo dois copos e uma cerveja. Apesar de não ser exatamente um cagatintas, a palavra o impressionara.

― Ser ou não ser?

― Ser! Respondem em uníssono. O garçom enche seus copos com o líquido amarelo borbulhante.

― Não ser! Bebem de um gole.

O bar, um quadrado em forma de caixote, teto baixo, as paredes cobertas de caixas de ovo cinzas exalando a nicotina de vários cigarros antepassados, havia mudado de dono e de nome, para “El Cajón”. Ao centro da parede, pendia um quadro que parecia ter sido cuspido na tela, guache sobre cartolina, pelo autor: um rosto em forma de árvore ou uma árvore em forma de rosto, a psicologia da arte ainda não havia sido conclusória, de aspecto repulsivo e viscoso, lhes encarava.

― Esse cabrón continua aí.

― Sim, o trato foi que nada fosse removido.

― E “el gran cabrón”?

- Muerto, hace años. Um tiro pelas costas. Um fã de Warhol.

- Por supuesto.

Ao fundo, Herbie Hancock caprichava na melodia. Antigamente, eram os discos de rock, Tom Waits.

― Esse ainda toca. O dono gosta.

Pediram uma porção de pimentas, que mordiscaram sem prazer.

― Há coisas que só pioram com o tempo. De outro lado, temos a burrice (Nelson Rodrigues) e a música que são eternas.

― Na minha impressão, tudo melhora. Excetuando-se essas pimentas e a más memórias.

― Como as pimentas, não se pode simplesmente cuspir.

― Neste ponto, entra a tequila.

― Sim. Garçom!

* * *

Passaram-se minutos, talvez horas. O homem se levanta, assim como seu reflexo solitário, acompanhado pelo olhar complacente do garçom pelo espelho do bar, prestes a fechar. Estivera o tempo todo calado e pensativo e solitário olhando para o copo. Todo esse tempo não dissera uma só palavra, além do nome de umas três bebidas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

"Sereias degoladas"


Li uma poetisa que falava de "sereias degoladas" por "piratas abusivos", surgidos de um "mar ensanguentado". Primeiro, pensei:"Que absurdo!", pois quem degolaria sereias? Para evitar seu canto, depois lembrei: "sereias são monstros".


quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

DE MANHÃ, RESSUSCITAREI

Adoro destruir-me.
Destruir-me-ei mil vezes.
Mas não como Cristo.
Que não ressuscitou.
Jamais!
Ressuscitarei como a manhã
Que levemente beija a folha da maçã.
E cairei
de podre!