― Desculpem interromper vossa conversa, senhores, mas tenho, neste exato momento, um encontro inadiável comigo mesmo!
Disse isso, deixando as palavras em suspenso, e partiu.
* * *
― Mas se não é o diabo em pessoa! Disse o amigo, vendo-o entrar pela porta do bar.
― Por favor, evite me chamar pelo meu nome verdadeiro! Sorriu, enquanto puxava uma cadeira e sentava.
― Que maus ventos o trazem de volta ao velho antro? Perguntou o amigo.
― Era exatamente o que eu estava me perguntando agora mesmo, quando saí do trabalho.
O bar chamava-se “El Chasco” e tinha sido freqüentado por ambos na juventude.
― Mas não imaginava encontrar com outra pessoa a não ser comigo mesmo!
― Vamos com calma a essa hora, que ainda estou na primeira tequilita, hombre!
― Bueno.
― Que dices?
― Una tequila!
― E presto! Mas não perguntei, que bebes?
― Duas taças de vinho e uma boa refeição, como faziam os príncipes e não podiam os mendigos.
― Shakespeare?
― Ele também.
― Mas onde se enfiou aquele cagatintas do garçom?
O garçom se aproxima com uma bandeja, contendo dois copos e uma cerveja. Apesar de não ser exatamente um cagatintas, a palavra o impressionara.
― Ser ou não ser?
― Ser! Respondem em uníssono. O garçom enche seus copos com o líquido amarelo borbulhante.
― Não ser! Bebem de um gole.
O bar, um quadrado em forma de caixote, teto baixo, as paredes cobertas de caixas de ovo cinzas exalando a nicotina de vários cigarros antepassados, havia mudado de dono e de nome, para “El Cajón”. Ao centro da parede, pendia um quadro que parecia ter sido cuspido na tela, guache sobre cartolina, pelo autor: um rosto em forma de árvore ou uma árvore em forma de rosto, a psicologia da arte ainda não havia sido conclusória, de aspecto repulsivo e viscoso, lhes encarava.
― Esse cabrón continua aí.
― Sim, o trato foi que nada fosse removido.
― E “el gran cabrón”?
- Muerto, hace años. Um tiro pelas costas. Um fã de Warhol.
- Por supuesto.
Ao fundo, Herbie Hancock caprichava na melodia. Antigamente, eram os discos de rock, Tom Waits.
― Esse ainda toca. O dono gosta.
Pediram uma porção de pimentas, que mordiscaram sem prazer.
― Há coisas que só pioram com o tempo. De outro lado, temos a burrice (Nelson Rodrigues) e a música que são eternas.
― Na minha impressão, tudo melhora. Excetuando-se essas pimentas e a más memórias.
― Como as pimentas, não se pode simplesmente cuspir.
― Neste ponto, entra a tequila.
― Sim. Garçom!
* * *
Passaram-se minutos, talvez horas. O homem se levanta, assim como seu reflexo solitário, acompanhado pelo olhar complacente do garçom pelo espelho do bar, prestes a fechar. Estivera o tempo todo calado e pensativo e solitário olhando para o copo. Todo esse tempo não dissera uma só palavra, além do nome de umas três bebidas.
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