segunda-feira, 21 de julho de 2008

PENSOS*


FALA O ATEU

Deus-me-livrei!

VARIAÇÕES SOBRE O DINOSSAURO**
Versão para o público (happy-ending)

Quando acordou, o dinossauro já havia ido embora.


(*)Dic. Houaiss. Rubrica: pesca. Linha que, presa à rede e segura pelo pescador, revela que peixes foram apanhados.
(**) sobre o miniconto "El dinosaurio" de Augusto Monterroso: Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Da criação


Diário de Balada para um Morto
(livro poético)


Com observações pós-finalizado.

Lembrar-se:
1. São as palavras que importam, não a expressão do Eu individual.
2. A pesquisa das palavras é o mais importante.
3. Ler poesia sempre. Principalmente aqueles que faltam ler ou ler mais Eliot, Artaud, etc. (Por que Eliot, Artaud? Ler mais "o que interessa". Guimarães Rosa)
4. Artigos científicos também ajudam. "a raridade dos raios ao pé dos Andes" é uma boa frase. Próximo poema: Relâmpago.

XI-RARO


Pesada a fronte
Como por um raio
Iluminada a noite

...............................RARO.

Ao pé do monte.

5. Por que importa a natureza? Os quatro elementos. Não perder de vista isso.
6.*Manter o Eu sempre em suspenso. Entre aspas. Ou em itálico.
*Este item foi revogado. O eu transborda.
7. **Narrar, abusar da terceira pessoa.
** Tem a ver com o item anterior. Fazia parte do projeto essa idéia de "obliteração" do eu. Nada disso é universal, nem muito rígido. Comecei a elaborar essa lista quando já ia longe no livro. Serviu durante algum tempo para mim. Acho importante ter um norte em que se apoiar quando se escreve algo mais demorado.
8. Quebrar frases. Expulsar o óbvio, o que rima fácil.
9. Não tentar ser lógico.
10. Contar uma história como se não tivesse entendido tudo (Borges).

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Os infinitos de Borges

Releio o volume 1 das Obras Completas de Jorge Luis Borges, publicada pela Editora Globo. Devo dizer que não escolho muito os autores que vou ler. Geralmente, os livros aparecem para mim e graças a Deus (isto é, ao Acaso) tenho tido sorte. Esse livro apareceu durante minha mudança de casa. Tentei resistir à leitura, pois tenho muito déficit a cumprir, mas não foi possível. Sobrevoei os poemas e novamente achei-os desinteressantes, como da primeira vez, esses poemas antigos de Borges, a não ser por terem sido escritos pela mesma mão que escreveu o Aleph ou Ficções. O melhor livro de poesia de Borges para mim ainda é o que ele ditou, já em um estado avançado de cegueira, aos 70 anos: O Elogio da Sombra, de 1969. Minha avaliação, como sempre, é pessoal. Esse livro também veio até mim pela mão de meu pai. Li-o quando já estava morto e li-o, lendo a sua leitura, por meio das marcas que deixou, em grafite, assinalando uma ou outra passagem. Não sei com quem está esse livro, procurei-o agora mesmo e não o encontrei. Em que mãos andará? Aguardo paciente o retorno. Livros são objetos carregados de afetividade. Não tenho muitas fotos em casa, nenhuma do meu pai. Fiquei com esse livro dele e uma edição dos contos de Poe, com a data de 1979, escrita à mão ―quando eu tinha sete anos e lembro que a capa em preto e dourado com um homem trajando um manto cheio de motivos geométricos e arabescos, terminando nuns quadriculados, acompanhado de um gato preto, povoou os meus pesadelos―, além de um ou outro volume de filosofia, que me esforço para me lembrar qual agora (talvez os Pensamentos de Pascal). O resto está espalhado pelo Rio de Janeiro, Alemanha e Natal, onde moram meus quatro irmãos.

Voltemos a Borges e às suas Obras Completas, Volume 1. Após passar a vista nos poemas, fui direto para a leitura que me prendeu ao livro, e que me fez chegar até aqui, a esse ponto do meu relato: o conto que dá nome ao título mais famoso de Borges: O Aleph. Uma vez que caímos na sua armadilha não o esqueceremos jamais. O Aleph é pois um tipo de Zahir borgeano, o objeto que é capaz de nos fazer esquecer todo o universo. No caso, o esquecimento pode ser das outras obras de Borges, assim como A Metamorfose é para alguns, péssimos leitores, o Zahir kafkiano, e não me admiraria se ele tivesse querido em algum momento desfazer-se desse conto. Mas é sem dúvida exagero dizer isso e só o faço por uma questão de estilo. O Zahir é tema de outro conto do livro, uma espécie de conto irmão deste, talvez escrito antes do Aleph, e em ambos o autor assinala, num epílogo de 1949, a influência da estória “The crystal egg” (1899), de Wells. Talvez o Aleph seja afinal um reflexo de uma outra miragem de Borges, de outro livro, anterior, Ficções, e dentro deste o conto: o Jardim de Veredas que se Bifurcam, o labirinto dentro de um livro, com suas dobras temporais: presente em que releio (e portanto situado no passado) e futuro em que será relido (fecha-se o círculo que é eterno). Começa-se a ler Borges e fica-se prisioneiro das referências, dessas palavras e termos, enriquecido pelo conhecimento, dessas metáforas vertiginosas, de sua mise en abîme. Não se esquece, rememora-se, vai-se adiante e retorna-se. Não se deve ler Borges começando pelo Aleph, como fez um conhecido meu. As obras completas têm portanto essa vantagem, de trazer ao leitor recém-iniciado tudo de uma só vez. Ler saltando de uma estória a outra, e no tempo, é outro dos prazeres. Falei em enriquecimento e não há melhor palavra para descrever. Borges é o tipo de escritor que nos torna mais inteligentes, ou em contato com a sua inteligência superior, nos faz sentir mais inteligentes do que realmente somos. Abrem-se mundos, que não existiam antes, deuses que criamos, fala-se com os mortos, alguns até ressuscitam.

sábado, 5 de julho de 2008

CADERNOS DE ESTÉTICA

Pico do cabugi_on the road
Revista Bula, 11 de setembro de 2006
Lauro Marques

RAZÃO-POESIA


–– “O que faz uma obra ser dotada de poesia e outra não? A sensibilidade do receptor?”

Acredito que deva haver uma razão objetiva, isto é, na própria obra. Existem potencialidades latentes que apelam tanto à razão como à emoção, para um receptor suficientemente apto a interpretar-sentir (sentir já é uma forma de interpretar).

Alogicidade, pelo menos de um tipo de lógica, formal, estrito senso, é uma das características da poesia. Mas há um outro tipo de lógica, que apela para, na falta de uma palavra melhor aqui, a “intuição” e funciona por meio, por exemplo, do uso de metáforas.

Lembremo-nos que um poema verbal é constituído de um encadeamento de palavras, uma após a outra. Essas palavras formam conexões “abertas”, e, para mim, quanto mais abertas, ambíguas, mais “poéticas”.

Isso nos “salva do abismo de existir”? Talvez seja um só nó em que nos seguremos, por algum tempo. Não seria o poeta aquele que, ao contrário, mantém-se sempre na superfície? Sempre mirando o abismo e portanto nunca a salvo dele?

Salvos estariam somente os que evitam esse olhar. O homem comum. Mas quem quer estar-se a salvo quer também fugir. Este tem medo... não sente....

Talvez nossa tarefa, e parte de nossa condenação, como poetas, seja “permanecer valentemente na superfície, na dobra, na pele, adorar a aparência, acreditar em formas, em tons, em palavras, em todo o Olimpo da aparência!”. Ser “superficiais – por profundidade...” , como os gregos, como queria Nietzsche.


TRANSPARÊNCIA


Pensar como o poema “revela” algo (de nós, do mundo). Por que temos pudor do poema? Porque ele nos deixa nus, ao mesmo tempo em que esconde. É transparência. Benedito Nunes fala algo a respeito disso no livro “Introdução à filosofia da arte”, da Série Fundamentos, vol. 38. São Paulo: Ática.

O objeto estético, que é ao mesmo tempo sensível e expressivo, é para Nunes (1991: 79) uma “existência ‘aparente’, não como Platão queria, mas como Schiller entendeu: aparência que é translucidez ou transparência, a qual vive de sua própria forma reveladora”. E afirma Suzanne Langer (apud Nunes 1991: 80) que: “uma obra de arte difere de todas as outras coisas belas pelo fato de que é ‘vidro e transparência’ (palavras de Ortega y Gasset)”, sendo, portanto, nessa acepção, “um símbolo”.

“A arte é uma forma de ação, cujos efeitos se produzem de maneira indireta, oblíqua, na proporção da transparência do mundo que exprime. Revelando-nos o humano em sua variedade e profundeza, forçando-nos a interiorizar essa revelação e assimilá-la à experiência, ela age sobre a nossa maneira de sentir e pensar” (Nunes 1991: 88).

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Poesia é risco. Ser poeta é arriscar-se. Mas não nos confundamos mais, uma coisa é o poema, outra a poesia (há até quem faça poema sem poesia...).


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Há na poesia uma espécie de fusão. Quando eu era menino, por volta dos sete anos, lembro que minhas viagens de carro com meus pais duravam horas. Iam da madrugada até o meio da tarde do dia seguinte. Eram séculos, em que eu podia observar todas as colorações, mudanças de tom, da paisagem e vegetação que iam do preto-azul escuro cinza ao amarelo e azul e verde e depois cinza e azul e depois verde-escuro-azul e amarelo-ouro de novo. Lembro da paisagem lunar do Pico do Cabugi, marciana, quando ficava avermelhado. (Revendo a fotografia, me lembrei de uma Torre do Silêncio Parse). Lembro também da comoção que me causavam algumas pessoas caminhando ao pé da rodovia. Como, diante de uma casa solitária com um homem velho parado à entrada eu podia sentir como se fosse aquele homem, ou essas crianças jogando bola num chão de terra batida, ou agachadas ao lado de um cão, ou aquela mulher com um lenço vermelho estendendo roupa numa cerca de arame na planitude. Podia me ver transportado para dentro daquela pessoa e quase me observar passando diante deles, de seus olhos. Em uma ocasião, disse à minha mãe, como eu me sentia. Cautelosa, ela pediu-me para não fazer mais isso. Eu não deveria fazer mais isso. Era perigoso, ela disse, olhar na alma das pessoas.