Voltemos a Borges e às suas Obras Completas, Volume 1. Após passar a vista nos poemas, fui direto para a leitura que me prendeu ao livro, e que me fez chegar até aqui, a esse ponto do meu relato: o conto que dá nome ao título mais famoso de Borges: O Aleph. Uma vez que caímos na sua armadilha não o esqueceremos jamais. O Aleph é pois um tipo de Zahir borgeano, o objeto que é capaz de nos fazer esquecer todo o universo. No caso, o esquecimento pode ser das outras obras de Borges, assim como A Metamorfose é para alguns, péssimos leitores, o Zahir kafkiano, e não me admiraria se ele tivesse querido em algum momento desfazer-se desse conto. Mas é sem dúvida exagero dizer isso e só o faço por uma questão de estilo. O Zahir é tema de outro conto do livro, uma espécie de conto irmão deste, talvez escrito antes do Aleph, e em ambos o autor assinala, num epílogo de 1949, a influência da estória “The crystal egg” (1899), de Wells. Talvez o Aleph seja afinal um reflexo de uma outra miragem de Borges, de outro livro, anterior, Ficções, e dentro deste o conto: o Jardim de Veredas que se Bifurcam, o labirinto dentro de um livro, com suas dobras temporais: presente em que releio (e portanto situado no passado) e futuro em que será relido (fecha-se o círculo que é eterno). Começa-se a ler Borges e fica-se prisioneiro das referências, dessas palavras e termos, enriquecido pelo conhecimento, dessas metáforas vertiginosas, de sua mise en abîme. Não se esquece, rememora-se, vai-se adiante e retorna-se. Não se deve ler Borges começando pelo Aleph, como fez um conhecido meu. As obras completas têm portanto essa vantagem, de trazer ao leitor recém-iniciado tudo de uma só vez. Ler saltando de uma estória a outra, e no tempo, é outro dos prazeres. Falei em enriquecimento e não há melhor palavra para descrever. Borges é o tipo de escritor que nos torna mais inteligentes, ou em contato com a sua inteligência superior, nos faz sentir mais inteligentes do que realmente somos. Abrem-se mundos, que não existiam antes, deuses que criamos, fala-se com os mortos, alguns até ressuscitam.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Os infinitos de Borges
Voltemos a Borges e às suas Obras Completas, Volume 1. Após passar a vista nos poemas, fui direto para a leitura que me prendeu ao livro, e que me fez chegar até aqui, a esse ponto do meu relato: o conto que dá nome ao título mais famoso de Borges: O Aleph. Uma vez que caímos na sua armadilha não o esqueceremos jamais. O Aleph é pois um tipo de Zahir borgeano, o objeto que é capaz de nos fazer esquecer todo o universo. No caso, o esquecimento pode ser das outras obras de Borges, assim como A Metamorfose é para alguns, péssimos leitores, o Zahir kafkiano, e não me admiraria se ele tivesse querido em algum momento desfazer-se desse conto. Mas é sem dúvida exagero dizer isso e só o faço por uma questão de estilo. O Zahir é tema de outro conto do livro, uma espécie de conto irmão deste, talvez escrito antes do Aleph, e em ambos o autor assinala, num epílogo de 1949, a influência da estória “The crystal egg” (1899), de Wells. Talvez o Aleph seja afinal um reflexo de uma outra miragem de Borges, de outro livro, anterior, Ficções, e dentro deste o conto: o Jardim de Veredas que se Bifurcam, o labirinto dentro de um livro, com suas dobras temporais: presente em que releio (e portanto situado no passado) e futuro em que será relido (fecha-se o círculo que é eterno). Começa-se a ler Borges e fica-se prisioneiro das referências, dessas palavras e termos, enriquecido pelo conhecimento, dessas metáforas vertiginosas, de sua mise en abîme. Não se esquece, rememora-se, vai-se adiante e retorna-se. Não se deve ler Borges começando pelo Aleph, como fez um conhecido meu. As obras completas têm portanto essa vantagem, de trazer ao leitor recém-iniciado tudo de uma só vez. Ler saltando de uma estória a outra, e no tempo, é outro dos prazeres. Falei em enriquecimento e não há melhor palavra para descrever. Borges é o tipo de escritor que nos torna mais inteligentes, ou em contato com a sua inteligência superior, nos faz sentir mais inteligentes do que realmente somos. Abrem-se mundos, que não existiam antes, deuses que criamos, fala-se com os mortos, alguns até ressuscitam.
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3 comentários:
Lauro, a minha estante é pequena mas carregada de afetividade. Abri um de meus afetos depois de ler o seu post. Releio algumas passagens que deixei marcadas(assim como seu pai) no livro Elogio da Sombra. As passagens ainda me emocionam e para lembrar-lhe:
"Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando." (do poema elogio da sombra).
abraços
Borges é mesmo "sedutor", como disse Cioran, "seja falando do Eterno Retorno ou do Tango".
Gosto dos seus ensaios.
Relendo pela terceira vez, recentemente e depois de minha segunda visita a Buenos Aires, passei a gostar mais dos primeiros poemas. Borges é como esses fractais, onde as partes menores repetem o todo. Nos primeiros poemas estavam todo Borges já (ele mesmo disse isso e creio que gostaria da comparação).
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