― É melhor você aparar os pelos do nariz antes de falar com o capitão ― disse George.
Marcelo não via nenhuma razão naquilo. Em que diabos poderia isso afinal afetar serem aceitos ou não?
George mostrou o recorte de jornal:
Navio de bandeira holandesa contrata tripulação por período determinado. Destino: Porto de Roterdã, com paradas em África e Europa. Requisitos: ser maior de idade e gozar de boa saúde física além de disposição para trabalhar no mar. Diversos postos e renumeração equivalente. Procurar o capitão do navio no porto da cidade.
Por via das dúvidas, Marcelo apanhou a tesourinha que lhe ofereceu George e enquanto mirava-se no espelho do banheiro ouvia George na cozinha preparando um lanche. George morava sozinho e tentava impressionar Marcelo com sua independência. A mãe cozinhava e mandava a comida para ele em
tupperwares que eram consumidos semanalmente. Também semanalmente as roupas voltavam limpas e passadas a ferro. Marcelo nunca tinha preparado nem o café. George cortou uma salsicha em dois e jogou junto com a manteiga na frigideira fazendo subir um cheiro agradável.
Com as narinas aparadas, Marcelo sentou-se no sofá. Escutava um CD de uma coletânea de músicas de Eduardo Duzek. George chegou com a vitamina de leite com toddy e banana e o sanduíche que ambos repartiram.
― Tem essa passagem pela África ― lembrou Marcelo, um pouco sério, enquanto dava a primeira mordida no pão.
― Moleza ― disse George. ― Depois, velho mundo, meu chapa! Na primeira chance a gente desce e chispa... Vamos fumar maconha em Amsterdã!
Os dois eram magros, haviam acabado de entrar na idade adulta, brancos e esticados. George usava óculos e andava sempre com uma carteira de cigarros no bolso. Os dois eram companheiros de porres. Nenhum dos dois nadava.
― Eu sei que tem vaga na cozinha. Por isso falei para cortar o pelo. Higiene, cara, é fundamental ― falava George, o “rei da culinária” e da higiene.
Aquele era o dia que os dois iriam juntos até o porto. Marcelo achava que oportunidades assim só aconteciam em filmes, nunca na vida real. Já se via suando no porão do navio ou lavando o convés ou esticando cordas. (Não sabia bem porque, mas ele achava que o trabalho num navio deveria envolver, em algum momento, inevitavelmente, esticar cordas. Ainda que ele não tivesse a menor idéia do que afinal isso significava.) Ele tinha lido Kerouac e Hemingway e Baudelaire e Rimbaud. E todos falavam em fuga, todos concordavam que partir era a melhor, senão a única, solução.
Anywhere out of the world! “― Seja onde for! Contanto que seja fora desse mundo”, não era o que diziam Baudelaire e os românticos?