domingo, 25 de abril de 2010

Fotos do meu livro de poesia



 



 

Fotos do meu livro de poesia, a sair em junho pela editora carioca Confraria do Vento.
Foto original da capa por James Emery.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Filme em preto e branco

Chove há quatro dias consecutivos na cidade, que respira aliviada depois de um período prolongado de muita estiagem e secura. Mas não é uma chuva intensa, maciça, e sim chega a ser delicada, porém insistente, generosa, ininterrupta, mas sem ser excessiva, cobrindo a cidade e os habitantes com uma camada líquida que deita e literalmente rola pelos ombros dos homens e pelas ruas acidentadas, ladeira abaixo, formando verdadeiras cascatas e rios nos asfaltos e paralelepípedos, correndo por entre carros e homens ― e não parando nem para um nem outro.

Há um trilha sonora intensa e maravilhosa que sufoca os barulhos dos carros e quase que muda se faz ouvir surpreendentemente por cima dos ruídos. Os movimentos dos passantes se tornam lentos e algumas vezes incômodos, como que convidando à reflexão. Diferentemente dos dias ensolarados, em que cada um vai para aonde quiser, na hora que bem entender, a passos rápidos, esportistas, aqui vemos os guarda-chuvas se abrirem e se fecharem formando verdadeiros círculos de veículos separados, isolando seus condutores em cabines únicas, na maioria de cor preta, individualizadas.

O dia inteiro pouco se viu de luz. Embora não estivesse tão escuro a ponto de se acenderem as lâmpadas dos postes, como sói ocorrer às vezes, quando somos pegos de surpresa e quase sempre nos causa uma sensação desagradável de angústia de não saber as horas nem onde estamos. Havia luz, mas filtrada pelas nuvens e pela poluição, chegava aqui em baixo esmaecida e opaca, só tornando o concreto ainda mais feio e cinza, como num filme em preto e branco, feito intencionalmente dessas cores, ao qual assistimos mornamente, com um misto de interesse e tédio, apenas para num determinado momento espetacular de epifania nos depararmos com o conhecimento de que é para nós a nossa própria vida.

Anywhere out of the world!



― É melhor você aparar os pelos do nariz antes de falar com o capitão ― disse George.

Marcelo não via nenhuma razão naquilo. Em que diabos poderia isso afinal afetar serem aceitos ou não?

George mostrou o recorte de jornal: Navio de bandeira holandesa contrata tripulação por período determinado. Destino: Porto de Roterdã, com paradas em África e Europa. Requisitos: ser maior de idade e gozar de boa saúde física além de disposição para trabalhar no mar. Diversos postos e renumeração equivalente. Procurar o capitão do navio no porto da cidade.

Por via das dúvidas, Marcelo apanhou a tesourinha que lhe ofereceu George e enquanto mirava-se no espelho do banheiro ouvia George na cozinha preparando um lanche. George morava sozinho e tentava impressionar Marcelo com sua independência. A mãe cozinhava e mandava a comida para ele em tupperwares que eram consumidos semanalmente. Também semanalmente as roupas voltavam limpas e passadas a ferro. Marcelo nunca tinha preparado nem o café. George cortou uma salsicha em dois e jogou junto com a manteiga na frigideira fazendo subir um cheiro agradável.

Com as narinas aparadas, Marcelo sentou-se no sofá. Escutava um CD de uma coletânea de músicas de Eduardo Duzek. George chegou com a vitamina de leite com toddy e banana e o sanduíche que ambos repartiram.

― Tem essa passagem pela África ― lembrou Marcelo, um pouco sério, enquanto dava a primeira mordida no pão.

― Moleza ― disse George. ― Depois, velho mundo, meu chapa! Na primeira chance a gente desce e chispa... Vamos fumar maconha em Amsterdã!

Os dois eram magros, haviam acabado de entrar na idade adulta, brancos e esticados. George usava óculos e andava sempre com uma carteira de cigarros no bolso. Os dois eram companheiros de porres. Nenhum dos dois nadava.

― Eu sei que tem vaga na cozinha. Por isso falei para cortar o pelo. Higiene, cara, é fundamental ― falava George, o “rei da culinária” e da higiene.

Aquele era o dia que os dois iriam juntos até o porto. Marcelo achava que oportunidades assim só aconteciam em filmes, nunca na vida real. Já se via suando no porão do navio ou lavando o convés ou esticando cordas. (Não sabia bem porque, mas ele achava que o trabalho num navio deveria envolver, em algum momento, inevitavelmente, esticar cordas. Ainda que ele não tivesse a menor idéia do que afinal isso significava.) Ele tinha lido Kerouac e Hemingway e Baudelaire e Rimbaud. E todos falavam em fuga, todos concordavam que partir era a melhor, senão a única, solução. Anywhere out of the world! “― Seja onde for! Contanto que seja fora desse mundo”, não era o que diziam Baudelaire e os românticos?

domingo, 18 de abril de 2010

Revista celuzlose

Quarto número da revista digital, com boa navegação (dá para ler na tela com facilidade), tem textos inéditos de vários poetas contemporâneos brasileiros e alguns estrangeiros, poesia visual, contos, além  de um caderno crítico.

Contém ainda um excerto do segundo volume (a sair) elaborado em torno da pergunta "O que é poesia?" feita a vários autores.  Publicado na revista como um adendo à apresentação do primeiro volume, é importante ler o depoimento de Márcio-André. Segundo vaticina Márcio, mais do que nunca o que todos -fazedores de poemas ou não- desejam ser é o seu próprio poeta, "como fuga ao desencanto que se abate
em todas as instâncias da realidade institucionalizante".

Isso acaba levando a um beco sem saída, em que todos escrevem e poucos leem poesia. Porém será que de fato todos fazem poesia? Será que devemos chamar qualquer coisa de poesia? Ou será mera fuga à realidade institucionalizante? O que é poesia?

Revista Celuzlose

É preciso separar o joio do trigo. Poesia é profissão? Outra pergunta que surge na entrevista de Carlos Felipe Moisés, também na revista. Muitos fazem poesia, mas quantos podem ser chamados poetas?

E no entanto, quanto prazer quando descobrimos um poeta de verdade! Foi o que aconteceu comigo, quando "descobri", tardiamente, Juan Gelman e achei que deveria ler imediatamente toda sua obra publicada.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

AGUAS

La lluvia cae sin preocupaciones de vecino
Cualquer cosa enciende el poema:
la lluvia que cae sin preocupaciones de vecino. O:
¿por qué las maldiciones
brillan como diamantes en el día general?
Las bocas lloran hasta
el último color. Si me dejaran
solo, entraría
en las aguas al sol, dijo Almagro.

Juan Gelman in Valer la pena
(México, 1996-2000)