Poema para um derrota
Entulhas pela casa, em todo canto, os restos do passado. Passeias entre caixas, malas, bolsas, vendo o desgoverno do teu estado. Lá fora, no orvalho da noite fria, não podes deixar de cobrir com lona, devido à chuva das monções, a velha cadeira pia que tantas vezes te sentou. Não podes deixar de notar o tanto de sonhos fracassados que és. O mar de espíritos velhos, este sertão cerrado convés vazio ao mar.
Entulhas pela casa alheia, em todo canto, o relógio velho parado, o monte de saco seco nordestinado, o quadro inacabado do pintor falido, o fogão sem forno funcionado. Procuras no meio do entulho a coleção de pedras, verás estranhamente, que elas continuam pedras. Mas já não pedras como antes. Agora são pedras mudadas, acompanhadas do claudicante pó do nada.
Duas imagens me causam impacto e dão idéia da força do poeta: a cadeira pia (porque velha mãe que "lhe sentou" tantas vezes no colo) que não se pode deixar de cobrir com lona, para proteger-lhe, este resto de passado tornado coisa, devido à chuva das monções - e o uso da palavra monção, de origem árabe, para indicar chuva intensa sazonal, tem um sabor especial também para os nordestinados como Gustavo.
A segunda imagem que fica é a da coleção de pedras, transformadas pelo tempo em outra coisa, cobertas por um pó de nada hesitante, metáforas para o próprio poema, que se oferece o tempo todo en abîme.
Um comentário:
Lauro,
muito bom mesmo este poema e de tão bom parece que entramos nele, nesta casa entulhada de coisas e de sombras. Parabéns para o Gustavo Castro.
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