terça-feira, 4 de outubro de 2005

Norte e Sul em Nietzsche


14.10.03 Atualizado hoje
Lauro Marques
(Para Maria Augusta)

Nietzsche nasceu no leste da Alemanha, em Röcken (de 170 habitantes!), a 250 km a sudoeste de Berlim, na parte onde ficava (recentemente) a ex-alemanha oriental. Depois dos 34 anos, doente, "ele tende a passar o verão nos Alpes e o inverno na Riviera italiana e francesa. Vive entre o mar e as montanhas, adorando e ao mesmo tempo receando (por causa da vista) o sol do Sul. Como muitos alemães, antes e depois dele, Nietzsche viveu um caso de amor não correspondido com a Itália.
Foi em Gênova que ele viu pela primeira vez o mar. Metáforas marítimas são frequentes em suas obras, e ele se via como um Colombo do pensamento, a explorar mares perigosos e nunca dantes navegados. Mas fez apenas duas breves viagens marítimas: de Gênova a Sorrento e depois a Messina. Chegou a pensar em cruzar o Atlântico e viver no México, mas não foi nem sequer à Grécia, tão mais próxima em todos os sentidos." (Paulo César de Souza, Mais! 06/08/2000).

Em Gênova, "percorrendo algumas localidades em volta do golfo de Gênova – Rapallo, Sta. Margherita, Ruta, Portofino – , salta aos olhos por que essa região o fascinava. É um litoral alcantilado, com inúmeras pequenas enseadas, sobre as quais há terraços verdejantes que descortinam, a cada curva, uma paisagem deslumbrante. Junto ao mar há estreitas faixas de areias escuras e pedregosas, que os europeus chamam de praias. Nietzsche andava por esses montes horas a fio, sempre com uma caderneta onde anotava seus pensamentos. Várias de suas obras, como Aurora e A Gaia Ciência estão associadas a Gênova e seus arredores. O mar e o sol tinham que estar presentes, numa filosofia que exalta a sensualidade." (Paulo César de Souza, Mais! 06/08/2000).

O Norte pode ser lido como sinônimo de bravura, ou de altivez, ele dizia que era “um vento do norte para os figos maduros”. Mas também de morte. (Ou de uma melancólica amargura, como no poema de Jean Baudrillard, "Amarga /nas mãos enluvadas/ a luz artificial/ o Norte"). É para lá que ele volta, para Weimar, para então morrer. O sul é a felicidade. Para o sul, rumo à Itália do Norte, ele gostava de ir, e foi em Turim que escreveu Ecce Homo, finalizado apenas algumas semanas antes de mergulhar de vez na escuridão de sua doença, em que consta a seguinte passagem:
"Quando digo além dos Alpes, quero dizer apenas Veneza. Quando busco outra palavra para música, encontro somente a palavra Veneza. Não sei distinguir entre música e lágrimas, não sei pensar a felicidade, O Sul, sem um estremecimento de temor.

Junto à ponte me achava
há pouco na noite gris.
De longe vinha um canto;
gota de ouro orvalhando
sobre a superfície trêmula.
Luzes, gôndolas, música
Ébrio em direção ao crepúsculo...

Minha alma, um alaúde
por mão invisível tocado,
cantou para si, em segredo,
uma canção gondoleira,
trêmula de iridescente ventura.
Alguém a teria escutado?"


Fonte: O caso Wagner - Um problema para Músicos/Nietzsche contra Wagner- Dossiê de um psicólogo. Trad. de Paulo César de Souza. Cia das Letras, 1999, pp. 97-98.



Yachts Crowding Portofino Harbor.ITL0035 Corbis Royalty Free Photograph

In the South

On a crooked branch I sway
And rock my weariness to rest.
A bird invited me to stay,
And I sit in a bird-built nest.
But where am I? Far, far away.

The white sea stretches, fast asleep,
A crimson sail, bucolic scents,
A rock, fig trees, the harbor's sweep,
Idylls around me, bleating sheep:
Accept me, southern innocence!

Step upon step—this heavy stride
Is German, not life—a disease:
To lift me up, I asked the breeze,
And with the birds I learned to glide;
Southward I flew, across the seas.

Reason is businesslike—a flood
That brings us too soon to our aim.
In flight I rose above the mud;
Now I have courage, sap, and blood
For a new life, for a new game ...

To think in solitude is wise;
Singing in solitude is silly.
Hence I shall sing, dear birds, your praise,
And you shall listen, willy-nilly,
You wicked, dear birds, to my lays.

So young, so false, so full of schemes,
You seem to live in loving dreams,
Attuned to all the games of youth.
Up north—embarrassing to tell—
I loved a creepy ancient belle:
The name of this old hag was Truth ...


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Um comentário:

Anônimo disse...

Estive afastada do computador por algum tempo, por isso que somente hoje numa madrugada insone de um sábado gelado e escuro, li sobre seu filósofo e o sul. Interessante que a maioria dos grandes poetas, compositores e filósofos nasceram na parte oriental da Alemanha, apesar de não ter existido na época deles o muro. Hoje quando ainda há reminiscências desse muro invisível, a parte oriental ainda é mais interessante no ponto de vista cultural. Estamos no outono, estação da luz. De manhã cedo , quando o sol chega, minha sala é banhada por cores amarelas e laranjas. Assim como as folhas nas árvores e as montanhas. Posso entender como os alemães do norte anseiam pelo sul.
Beijos e brigada pela mencão a mim.