Limpo a poeira do Ulisses, traduzido por Antônio Houaiss. Poeira não. São grossas camadas pretas de poluição, gordura, e ácaro. Joyce diria: "Necrófago! Mascador de cadáveres!".
Leio a edição carcomida pelas traças, que traçaram umas curvas (algumas bem elegantes) por todo o livro. Com a caneta, sublinhando as frases que eu gosto. (Ou do estilo). E são muitas.
"Diz Maeterlink: Se Sócrates deixar sua casa hoje, encontrará o sábio sentado à sua soleira. Se Judas sair esta noite, é para Judas que seus passos tenderão. Cada vida são muitos dias, dia após dia. Caminhamos através de nós mesmos, encontrando ladrões, fantasmas, gigantes, velhos, jovens, esposas, viúvas, irmãos do amor. Mas sempre encontrando-nos a nós mesmos."
E de fato, a passagem remeteu-me para algo que escrevi antes. Eis que reencontro. O anti-Zaratustra. O sem força. O poeta, o bobo. O bufão que interrompe, através da parábase, o discurso do sábio. O último dos homens, talvez. Eu. Incipt commedia!
O HOMEM TOLO
O homem tolo construiu castelos de gelo
no verão, onde pensou em morar
por muitos anos
e rimou palavras a esmo
para surdos-mudos e
analfabetos
numa língua morta e
desconhecida
desde então.
O homem tolo saiu à noite com uma lanterna
apagada
procurando pela escuridão
e só encontrou a si mesmo.
Esse homem tolo
abriu as janelas de sua alma
numa rua deserta e no lugar de inspirar,
expirou ali mesmo.
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