segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

ADENDO

Na minha coluna na Revista Bula de 7 de dezembro ficou parecendo que Nietzsche fazia o elogio do feio e da inarmonia. Nada mais falso. No fragmento citado, ele usa o artifício da paródia para atacar Wagner e os partidários do estilo wagneriano em música. Mas a ironia é que é possível encontrar também no estilo do próprio N. muito de “raios e trovões” –e de exasperação dos nervos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Diana Krall Christmas Songs (feat. The Clayton/Hamilton Jazz Orch.)

link para escutar um album inteiro de Diana Krall, com músicas de natal: clique aqui/click here

She's always beautiful. She makes my soul shine, even in this cold commercial Xmas Album.

It's not cold, it's more refreshing
12/26/2005

It's summertime here in Brazil and "we are stronger than we believe". I have heard the intire cd again, because I gave it to my wife (who btw looks like as Diana) at Xmas night. It's not cold, it's more refreshing. Best track is "Count Your Blessings Instead Of Sheep". The voice and melody are enchanting.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Não, Platão!

Amor é a coisa mais pragmaticista do mundo, pois necessita de ações para se manifestar realmente.

quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Receita Literária

Hoje na Receita Literária, da Revista Bula, eu falo sobre o neurocognitivista Steven Pinker e a analogia cérebro = máquina, sobre o fato deste afirmar que possuimos um senso de beleza visual inato, e a respeito de Prazer e Dor, de um ponto de vista estético.

http://www.revistabula.com/receitaliteraria.asp

A Revista traz ainda uma entrevista de Ian McEwan, expoente máximo da literatura inglesa atual – junto com Martin Amis, Julian Barnes e Katzuo Ishiguro.

http://www.revistabula.com/principal.asp

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

8ª JORNADA DO CENTRO DE ESTUDOS PEIRCEANOS

Data: 28 de novembro de 2005.
Local: Auditório - Rua João Ramalho, 182 - Perdizes
Horário: 8h às 18h30
Entrada franca.


As inscrições devem ser feitas antecipadamente pelo e-mail semiotica@terra.com.br

Veja a programação e como obter o certificado de participação e o Caderno da 8ª Jornada do CENEP com os textos completos dos trabalhos apresentados em http://www.pucsp.br/pos/cos/eventos/jorcepe.pdf

Tese online : Arquivo PDF

Minha tese de doutorado está disponível para download na Biblioteca digital da Puc-SP. Clicando no link a seguir, é possível baixar o arquivo em PDF.
Autor: Lauro José Maia Marques

Título(s): [pt] Estética, pragmatismo & Semiótica: Bases para uma filosofia da arte peirceana

[en] Aesthetics, semiotics, and pragmatism -Basis to a Peircean philosophy of art.


Resumo(s): [pt] A tese é uma reflexão sobre a obra de arte, baseando-nos em Charles Sanders Peirce. Buscamos aplicar os conceitos extraídos da sua Fenomenologia, Estética, Semiótica, e Pragmatismo, para a construção dos fundamentos de um modelo teórico sobre arte, não desenvolvido pelo próprio autor, mas que se encontra potencialmente na sua vasta obra. Fundamentamo-nos, principalmente, nos textos do próprio autor, sobre esses quatro campos teóricos. E em especial, buscando um caminho de pesquisa traçado por Santaella (1994a; 1992), e já desenvolvido por nós em dissertação anterior, naquilo que o autor postula como o crescimento da Razoabilidade: um processo gradual que envolve a realização de idéias na consciência dos homens e em suas obras, e que ocorre graças à capacidade humana de aprendizado através da experiência. O que seria essa Razoabilidade da arte exatamente, e como ocorreria? Encontramos nas disciplinas citadas e no método pragmático, de Peirce, uma trama conceitual capaz de oferecer uma tentativa de resposta a essas e outras perguntas ―as quais ficaram merecendo, de nossa parte, anteriormente, um maior tempo de estudo. Tais como: a Qualidade estética, o Prazer estético, o Objeto estético, e a relação da arte com o conhecimento e a conduta. Questionamentos que compõem uma Filosofia da Arte implícita nos textos do autor. Nos três capítulos da tese, a seguir, procuramos tornar isso evidente. Na Fenomenologia da Arte a questão da natureza da obra artística ganha corpo através de uma discussão sobre o papel das qualidades, o sentimento, a sensação, e a cognição na experiência estética. Na Semiótica da Arte discute-se a relação do signo artístico com o objeto que aparece através desse signo, como uma representação. O lugar da obra artística na formação e transmissão de idéias, as quais podemos perceber numa obra, é apresentado, numa aplicação a algumas pinturas, pondo em relevo o seu caráter sígnico-comunicativo. O julgamento estético é abrangido em uma reflexão sobre os padrões que tornam possível esse julgamento, de acordo com uma Filosofia do Criticismo. Na Pragmática da Arte mostramos, através de uma análise dos interpretantes do signo, ou os seus efeitos significados, como a função dos signos, segundo Peirce é COMUNICAR idéias. A maneira como a obra de arte pode participar do processo de crescimento da Razoabilidade é cumprindo com essa função. Esse ponto representa nossa maior contribuição para a área de pesquisa Signo e Significação nas Mídias, em que se insere o trabalho.

[en] This thesis is a reflection about the work of art, found mainly in Charles Sanders Peirce’s Phenomenology, Semiotics, Aesthetics, and Pragmatism. In the following three chapters we will try to show evidence of an implicit Philosophy of Art in the author’s vast work. First, in Phenomenology of Art, the problem of the nature of artwork surfaces through a discussion on the role of qualities, feeling, sensation, and cognition. This is set against the background of aesthetic experience (or how we experience artworks). Second, in Semiotics of Art, we discuss the relationship of the artwork (mainly paintings) and the object it represents. The place of artwork in the formation and transmission of ideas is presented through an analysis of some paintings (like the famous “image of solitude” Nighthawks, by North-American painter, Edward Hopper) ―emphasizing their signifying-communicative character. Aesthetic judgment is included in a debate about aesthetic standards, according to a Philosophy of criticism. Third, in Pragmatics of Art, we show, through an analysis of sign interpretants, or its significate effects, that the function of signs is to COMMUNICATE ideas. The way an artwork can take part in the growing process of Reasonableness is by satisfying this function. This point represents our major contribution to the research area “Sign and Signification in the Medias”, which is the core of our work.

Titulação: Doutor em Comunicação e Semiótica: Signo e significação nas Midias

Contribuidor(es): [Orientador] Maria Lucia Santaella Braga


Assunto(s): [pt] LINGUISTICA, LETRAS E ARTES
[pt] Semiótica e as artes
[pt] Pragmatismo
[pt] arte
[pt] C.S. Peirce
[pt] estética
[en] aesthetics
[en] semiotics
[en] pragmatism
[en] art
[en] C.S. Peirce
[pt] Arte - Filosofia


Data da defesa: 13/06/2005

Arquivo(s): Clique aqui para arquivo PDF - Bases para uma filosofia da arte peirceana

Caso o link não funcione, clique aqui

Biblioteca digital da Puc-SP

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Doce é a palavra da água

Na Receita Literária da Bula dessa quarta, 23 de novembro, eu falo de HAMLET: POEMA INFINITO, HOMO SÉMEIÓTIKÓS e termino com DOIS POEMAS de minha Balada para um Morto.
http://www.revistabula.com/receitaliteraria.asp

(Há uma surpresa. O poema a seguir "Pour Compte", recitado, creio eu, pelo próprio Tristan Tzara, para download, em mp3).

A revista traz ainda uma conversa inteligente com o argentino Alberto Manguel traduzida do site espanhol El Cultural. O autor de História da Leitura e Guia de Lugares Imaginários relembra o senso crítico de Borges, questiona o mercado editorial e ironiza Dan Brown e Paulo Coelho: para ele os dois são sintomas da estupidez atual.

http://www.revistabula.com/index.asp



POUR COMPTE

dans l'Arabie des trois midis
des tours aux fronts de caïmans
dans l'Arabie de ta peau neuve
et des turbans de rêve noir

le feu tinte dans les cloches
douce est la parole de l'eau
sous la clé des nuits légères
enchaînées au coeur des filles

le feu lèche les mirroirs
les museaux des endormies
brûlent sous le regard fendu
dans l'orange du matin

c'est pour ces pays d'un sou
que se vide la mémoire
pour la neige et la flamme
dont se parlent les étoiles

sous la crinière aveugle
court le feu inassouvi
le cristal vivant des sources
dans les eaux de l'avenir

va mon enfant dors mon cheval
il n'y a pas assez de paix
dans les justes mains des cimes
pour couvrir la voix des villes.

Tristan Tzara. PHASES. 1949.

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terça-feira, 22 de novembro de 2005

Canto a mim mesmo


Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores:
não toco hinos
só para os vencedores consagrados,
toco hinos também
para as pessoas batidas e assassinadas.

Vocês já ouviram dizer
que ganhar o dia é bom?

Pois eu digo que é bom também perder:
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito
com que são ganhas.

Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.

Vivas àqueles que levaram a pior!
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar!
E a todos os generais
das estratégias perdidas,
que foram todos heróis!
E ao sem número dos heróis maiores
que se conhecem!

Walt Whitman


Poema 10

¿Cuántas formas de visión
se han abierto en nosotros?
Sabíamos que una sola no basta
y casi sin sentirlo
hemos ido incorporando nuevas ópticas,
insólitas retinas,
a esa ruda ecuación
de ver, ser y pasar.

Y ahora ni siquiera sabemos
con qué ojos vemos lo que vemos.
Ni sabemos tampoco
si aún somos nosotros los que vemos.

Roberto Juarroz


Depois que eu voltar
De dentro das molduras
Apago meus retratos
Invento outras figuras

Convoco meus fantasmas
Convido mil demônios
E dou posse a todos eles
No governo dos neurônios

Pio Vargas


não há caminho e
nada valho
meu rir lascivo
é uma coreografia de enganos

eu cresci como crescem
os espantalhos

eu cresci sem planos

Carlos Willian


Insurgências

Meu nascedouro foi ocupado
por insurgências

Cresci a meu modo
sonâmbulo e desigual
arvorando-me desarmado
e mesmo assim, cúmplice

Na última parte dos desejos
pintei camisas bordadas
e bebi vinhos doces
tão amargos, porém

Foram chuvas que me levaram
foram lágrimas que me lavaram
e eu segui,
sentindo em cada talho
um pequeno desconforto

Mas a madeira do meu corpo
não cresceu a tempo
ficou o ferro dos dentes
resultou a pedra e o mármore dos olhos

Tecerei em silêncio
a forma que me devolva
o nascedouro ocupado.

Samarone Lima


A poesia

Troco cinco poemas por um prato de sopa.
Escrevo versos podres num rolo de papel
desonrado, e jogo fora em serena descarga.

Não tenho honrado muito a velha poesia.
Talvez porque não esteja à altura dela.
Assim, leio poemas dos outros e sinto
como se fossem meus.
Afinal, poesia é poesia.
Não importa quem escreveu.

Começo um verso esperando nunca terminá-lo.
Mas ele quer, quer sair, desbastar, a mim, vir.

Não escrevo para ser poeta.

Escrevo porque não tenho saída.

Ou é isso.
Ou o nada.

E o nada, já tenho o bastante.

Gustavo Castro

sábado, 19 de novembro de 2005

Tal Qual – Paul Valéry

Literatura
A OBRA E SUA DURAÇÃO

Todo grande homem entretém a ilusão que poderá prescrever alguma coisa ao futuro; é o que chamamos durar.

Mas o tempo é um rebelde, – e se alguém parece lhe resistir, se uma obra ondeia e flutua e não é propriamente engolida – veremos sempre que é uma obra muito diferente daquela que seu autor creu ter deixado.

A obra dura na medida em que é capaz de parecer completamente diferente do que seu autor a havia realizado.

Ela dura por se haver transformado, e porque era capaz de mil transformações e interpretações [N.T. ver “Receita Literária” minha, sobre Rimbaud, na Revista Bula 16/11/05 ].

Ou melhor, porque ela comporta uma qualidade independente de seu autor, não criada por ele, mas por sua época ou nação, e a qual adquire valor pela mudança de época ou nação.


Tradução Lauro Marques

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Nada é puro

O cristianismo nos recorda disso: nada é puro. Até mesmo JC teve que se "encarnar" em um corpo, que suava, exalava odores, fazia suas necessidades, - e sangrava, como qualquer outro homem normal sangraria.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Da Alma: Aristóteles

Aristóteles escreve o postulado de que a alma é potencialmente as coisas que percebe e sente. Se você não percebe e sente, é sua alma que se apequena.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Pansies

Projeto: traduzir "Pansies" de DH Lawrence.
Forma anglicizada do francês "pensées", "pensamentos", mas também no sentido de aplicar pensos ("curativos") em uma ferida.

Obra completa

A Small Anthology of Poems

A Small Anthology of Poems
English Department
Seamus Cooney
(Works best with Netscape)

http://unix.cc.wmich.edu/~cooneys/poems/

Poética da indeterminação

Dando prosseguimento à publicação de minhas "NOTAS DE ESTÉTICA (2)", na Revista Bula, escrevo hoje na coluna Receita Literária, como já está virando uma tradição, sobre o livro POÉTICA DA INDETERMINAÇÃO, além de DUCHAMP, e CAOS E ORDEM NA ARTE (a imagem que ilustra este tópico na revista é bem interessante...).

http://www.revistabula.com/receitaliteraria.asp

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

OS CANTOS DE MALDOROR

Poesias - Cartas - Obra Completa

Tradução, prefácio e notas
Claudio Willer


quarta-feira,
16 de dezembro de 2005,
das 18h30 às 21h30


LIVRARIA CULTURA
Avenida Paulista, 2.073 - Conjunto Nacional
01311-940 - São Paulo - SP
(11) 3170.4033

OS CANTOS DE MALDOROR é uma das obras-primas do poeta da modernidade. Agora, aos Cantos, em tradução revista pelo poeta Claudio Willer, se junta POESIAS e CARTAS, fazendo com que o leitor brasileiro tenha acesso, finalmente, a uma edição completa da obra de Isidore Ducasse, Conde de Lautréamont.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Revista Bula Chama

Hoje, quarta-feita, é dia de "Receita Literária" minha na Revista Bula, que vem também com entrevista a um dos meus diretores-autores preferidos (Woody Allen) e ensaio sobre "o belicoso medo da palavra" (*) de Sua Excelência, o Presidente Lula –aquele mesmo que não dá entrevistas, ou só em condições muito especiais, o nosso Hamlet, que afirmou já fazer "discurso demais", ao ponto de ficar "cansado de si mesmo" e por isso não precisaria conceder coletivas aos repórteres:

http://www.revistabula.com/


"Dizem que a Bíblia ou O Poderoso Chefão são as respostas às perguntas da humanidade. Mas eu fico com Dostoievski, um profundo conhecedor da alma humana."

– Woody Allen

Ainda sobre Lula vale a pena ler também os artigos, dessa quarta-feira, 9/11, de Augusto Nunes, Guilherme Fiuza, e Villas-Bôas Corrêa no site

http://nominimo.ibest.com.br

Este site, aliás, é outra prova de que é possível encontrar ótimas publicações, gratuitamente, na Internet brasileira.

(*)"Poste-escrito": O ensaio "o belicoso medo da palavra" foi tirado do ar pelos editores. (?)

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Vida pulsante na Internet brasileira

É impressionante o número de boas publicações na internet. Destaco essas duas que só descobri recentemente:

Cronocópios - Literatura e arte no plural

Pop Box - Visual, sound and verse poetry

Esta última, apesar do nome, é em português mesmo, e tem excelentes ensaios e entrevistas, de Rodrigo Garcia Lopes, Claúdio Daniel, entre outros.

A Cronocópios é mais variada e completa, caprichada, com apresentação de primeira, e tem entre os colunistas, Alcir Pécora, que também participa do conselho editorial, além de uma longa lista de ensaios, críticas, resenhas, artigos, poemas e contos, e até uma Jam Session (escute a bela "Ondeio", de Marcelo Tápia, para guitarra e violino).

Achei as duas por acaso, procurando por ensaios sobre a crítica Marjorie Perloff.
Para quem não sabe ainda quem ela é, sugiro ler as duas entrevistas que encontrei nos respectivos sites.

Na Pop Box, respondendo a uma pergunta de Rodrigo Garcia Lopes, sobre "Qual a sua opinião sobre a poesia concreta", Perloff afirmou:

Perloff - Foi uma experiência muito interessante, mas a experiência era basicamente prestar atenção à materialidade do significante, a idéia de que de que o material é o sentido, e eu acho muitos poemas concretos magros em sentido. Poesia, para mim, deve ser complexa, rica, ter sentido, ser interessante a cada leitura. Para mim, muitos daqueles poemas se tornaram mais próximo de logotipos, da arte comercial, do design. Como no poema "Wind" de Gomringer, onde a palavra "wind" é tudo que você tem. OK, é uma experimento interessante, mas onde você chega com isso? Ou como no poema "beba coca-cola", de Décio Pignatari. Você pode até dizer que é uma sátira ao capitalismo, mas bastante rudimentar. Quantas vezes pode-se ler este poema e achá-lo interessante? Veja: o perigo na poesia de Creeley, dos "language poets" ou da poesia concreta é a de tornar redutora, o de querer passar por "caprichosa", extravagante, inteligente. O perigo é de se tornar só um jogo de palavras inteligente, fazer trocadilho pelo trocadilho, ser tão auto-consciente da linguagem mas não ter nada a dizer. Acho que é o seguinte: na poesia, seja do século 17 ou na contemporânea, se você não tiver nada para dizer, essa poesia não vai ser interessante. Você tem que ter algo que você realmente queira dizer, que você queira comunicar, um novo modo de olhar para as coisas.

! Link para esta entrevista na íntegra


Na Cronocópios, retorquindo à colocação de Alcir Pécora, sobre a passagem de uma idéia de “transparência” da poesia (na qual o poeta quer soar “natural”, “informal”) para a de “artifício” (na qual a linguagem poética traz para o primeiro plano sua própria construção), passagem essa que é nuclear na análise que faz da poesia contemporânea, ela explicou assim a sua posição:

Perloff - A poesia padrão de uma “oficina de poesia”, como a chamamos nos Estados Unidos, é “transparente” naquilo em que as palavras são meramente um veículo para a expressão de um pensamento profundo ou de um vislumbre supostamente importante. Eu nunca achei esses vislumbres tão profundos assim. É duvidosa a noção de um indivíduo único expressando a si mesmo. Na poesia Language e movimentos afins, o poeta começa com linguagem e deixa que a linguagem gere “idéias” mais do que o contrário. Os bons poetas sempre fizeram isso. Uma das queixas bobas feitas hoje é a de que “dificuldade” em poesia é alguma coisa nova. Entretanto, Donne era um poeta muito difícil, assim como é Wallace Stevens; não foi preciso esperar pela poesia do grupo Language para saber que a simples transparência não é uma virtude em poesia.)


!! Link para esta entrevista na íntegra

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

Las mantenidas sin suenos


Finalmente consigo ver algo da Mostra de Cinema de São Paulo. No último dia, pego o Metrô, desço na Paulista, dou uma passadinha na Livraria Cultura, como quem não quer nada, compro um livrinho "Tel Quel", de Valéry, que ainda vou traduzir uns pedaços aqui no blog, e de quebra filo uma taça de vinho.

No novo Cine Bombril, ali em frente da livraria, não tinha nada que interessasse naquela hora. Então, decido caminhar até o Reserva Cultural, já imaginando também que se não conseguisse ver nada, pelo menos tomaria mais uma taça, e comeria algo na padaria francesa, aproveitando para ler o livro.

Dito e feito. não achei nada que me atraísse, pelo título, já que sinopses de filmes para mim não dizem nada, mas fiquei por ali assim mesmo. Quando deu 21 horas, vendo o povo sair da sessão anterior, bateu a vontade de ver um filme, qualquer que fosse.

Passo na bilheteria e compro o ingresso para a última sessão da mostra, um filme de título espanhol "Las mantenidas sin suenos", que descubro durante a exibição ser argentino. Naõ me perguntem o nome do diretor, atores, não sei nada disso. Mas o filme começa e percebo que ele fala comingo na minha linguagem, que eu entendo. Sarcástico, sem patacoadas ou firulas.

A "mantenida" do título, que em português se traduz por "manteúda", é essa mulher de meia-idade, bonita, educada e que vive drogada, na miséria. Ela está grávida, sem saber de quem, depois de vários abortos, e tem já uma filha, chamada Eugênia, que vai completar 9 anos, também inteligentíssima - uma espécie de "Mafalda" dos quadrinhos, de ótimas tiradas, responsável pelos momentos de maior humor do filme (e de tristeza também). O interessante é exatemente esse humor, irônico, azedo, que se contrapõe à situação de infelicidade. Fica no ar um cheiro de revolta vazia, de geração perdida, de questionamento dos valores e de impotência em afirmar algo para se colocar no lugar.

Ensaia-se uma pretensa luta de classes entre a amiga rica que deu certo, graças ao casamento, com um homem rico, mas idiota, de um lado, e de outro, a mãe drogada, chamada Florência, que afirma preferir não trabalhar, e ser uma "manteúda sem sonhos", como na canção-título do filme. Mas a oposição não se resolve facilmente, para o bem do enredo, percebe-se que as duas têm ainda algo em comum, ambas foram vítimas dos "projetos" que haviam sido traçados para elas na infância. Em certa altura a amiga rica diz que havia se tornado um "projeto sem vida", graças aos "projetos de vida", de que tanto falava a mãe de Florência, uma terapeuta bem sucedida, mas em declínio, um retrato da sociedade argentina, ex-hippie, ex-viciada, que representa a geração anterior.

E como é comum nos filmes hispânicos, a mãe é uma figura central. São elas as causadoras e também as que lidam de alguma forma com os impasses. O pai é uma figura ausente ou em fuga, alguém em "férias permanentes", como se autodefine o pai da pequena Eugênia.

Em suma, ótimas atuações em um roteiro inteligente, sem muitas reviravoltas, e sem recair no excesso de dramaticidade, nem no cinismo cômico.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Show do Macacco




O amigo Hugo me manda a resenha e as fotos, do amigo pop star Macacco, quebrando tudo com sua performance em Natal-RN, e o que muito me honra, interpretando (a palavra certa é essa!) a letra que fiz para "Ameaçando a escuridão".

Se eu gostei? Alumão (vulgo Macacco) tem superado todas as minhas expectativas! Ainda não vi o clip, mas tenho certeza que deve ter ficado bom... Muito boa essa idéia de projetar nos guarda-chuvas.

As fotos ficaram excelentes, Hugo, melhor até do que se eu estivesse lá.

Ah, fico muito feliz mesmo pelo que está rolando com os shows, é quase como um sonho louco (sem frescura) de alumão, e de quebra nos levando junto, se realizando.

Ainda somos jovens! Ainda somos jovens! Valeu por essa alumão, obrigado!
Obrigado pelas fotos e a resenha Hugo.


Agora chega de rasgação de seda.
Em frente viajores!
Lauro

* * *

A interpretação de "ameaçando a escuridão" foi fantástica... vc tinha que ver... Intérbio cantando todo de preto sendo iluminado por luzes que vinham dos "óculos com lanterna" que cada integrante da banda usava... uma geladeira antiga no palco...



Só para vc ter uma idéia... as três primeira músicas: "não saberei resistir", "pareburro" e "constantine" foram tocadas com vídeos que alumão produziu e que foram projetados em uma tela de guarda-chuvas abertos... os clips por si só já são fantásticos, mas a exibição nos guarda-chuvas "torô dentro".




Outro grande momento do show foi a interpretação de "engarrafada" por alumão... que simplesmente reproduzia os efeitos sonoros aplicados na frase "a cerve...cerve...cerveeeeeeeeeja...é a buceta engarrafada"... genial!

O espetáculo ficou com gosto de el chaco e cara de cinema... foi muito bom.


Quando vc vai aparecer por aqui?
Acho que agora seria um bom momento.

Abraço,

HugoSoliz.



>Ouça a música Garrafas de cerveja, apelidada "Ameaçando a escuridão" (demo version mp3)

>Ouça "Pareburro" e Engarrafada" e mais Músicas do Macacco no saite da Trama Virtual:
http://www.tramavirtual.com.br/artista.jsp?id=21539

segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Revista Bula - Coluna toda quarta

Virei colaborador semanal da Revista Eletrônica Bula, mantida pela Universidade Estadual de Goiás, que tem como um dos fundadores-editores o jornalista e poeta Carlos Willian.

Procurem no índice a seção "BLOG - LAURO MARQUES" :

http://www.revistabula.com/artigo4.asp

E TAMBÉM A SEÇÃO "RECEITA LITERÁRIA"

http://www.revistabula.com/receitaliteraria.asp

O endereço da página principal da revista é:
http://www.revistabula.com

"Toda quarta-feira uma receita diferente".






Onde escreverei textos iguais ao que posto aqui no blog, fragmentos de teoria, ensaios beirando a crônica, e,espero, poesia (alguma).

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Chuva de pétalas

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cerca de 1% dos brasileiros mais ricos (1,7 milhão de pessoas) detêm uma renda equivalente à renda dos 50% mais pobres (86,5 milhões). País está na frente só de Serra Leoa, na África, no ranking da desigualdade social. Alagoas é o Estado com mais pobres.
Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior


http://www.observatoriosocial.org.br/portal/content/view/189/89/

Por
Orual Seuqram


Chuva de pétalas amarelas na Praça da Sé. Pára o tempo um instante. —E a sujidade.
Sem tempo para pesar, o homem cruza o semáforo. Antes que lhe atropelem os carros, os bondes elétricos e os motoboys. Outros apenas se arrastam, literalmente, pelo chão. Uns estão sentados mas não sentem. Alguns estão entorpecidos pelo álcool. Outros não têm nada, simplesmente. E deixam tombar a cabeça por entre as pernas, como avestruzes. Há vários nessa mesma posição, ao longo dos bancos da praça, perto da fonte de águas poluídas, onde se banham crianças, na maioria, pardas. Alguns estão cobertos de lama da cabeça aos pés e passam, barbados, carregando um fedor enorme. Parece que tudo piora quando faz sol. Há pregadores na praça. Traçando com giz seu território. Dá a impressão que brincam de “amarelinha”, mas não é nada disso. Há cenas de teatro puro. A um sinal, eles batem palmas juntos. Eles, os que não têm nada. “Isso é o Brasil”. Os policiais tentam expulsar a chutes os camelôs, a mão na cintura segurando a arma no coldre. Na frente da igreja, o povo se reúne. Um lugar totalmente inacessível, a Catedral. Um homem com um microfone anuncia o seu produto: remédio para curar “lombrigas”. Estas são diversas, medem de 20 a 40 centímetros, e estão expostas à frente dele numa espécie de aquário, ou potes de vidro contendo um líquido de cor fosca, lembrando compota e laboratório. Ao redor se junta um número considerável de pessoas. Ele pede então a “quem souber ler” que leia onde está escrito quantos ovos um só desses vermes põe dentro de nosso estômago. Há cistos também expostos, curáveis, segundo ele, por meio da fórmula milagrosa. “A primeira dosezinha é grátis”. Uma garapa imunda preparada ali mesmo, na hora, na "farmácia" improvisada.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Corredor Literário

Texto de Divulgação
Fonte do Texto: AGENDA CULTURAL DA SEMANA – 102
Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo
Assessoria de Imprensa / Informações: 3351-8165

Site: http://www.cultura.sp.gov.br/
E-mail: imprensacultura@cultura.sp.gov.br

Um projeto de incentivo ao hábito da leitura vai ser levado gratuitamente para cerca de um milhão de pessoas na mais paulista das avenidas. Durante uma semana, a partir desta segunda (24), a avenida Paulista vai sediar o Corredor Literário na Paulista. As atividades foram programadas nos três quilômetros de extensão da avenida, que será transformada numa imensa biblioteca ao ar livre, com uma programação de mais de 400 atrações entre palestras, oficinas de criação de textos e de arte, lançamentos literários, espetáculos de teatro e dança, workshops, recitais, saraus, shows, intervenções, feiras de livros, filmes, exposições de arte e muito mais. O evento integra o Ano Ibero-Americano de Leitura, instituído pela Unesco, OEI e Cerlalc e está acontecendo em 21 países da Europa e Américas.

Os eventos acontecerão simultaneamente em 28 espaços: Colégio São Luís; Instituto Cervantes; Conjunto Nacional; Hotel Crowne Plaza; Caesar Business; Casa das Rosas; Itaú Cultural; Sesc Paulista; MASP; SESI; Condomínio Esplanada, Colégio Dante Alighieri; Cetenco; Center 3; Trianon; FNAC; Alameda das Flores; Reserva Cultural (antigo cine Gazeta); Livraria Cultura; Livraria Martins Fontes; Club Homs; Ícone Espaço Cultura; Espaço Premier; Estação do Metrô Paraíso; Japan Foun-dation, entre outros. A programação completa está disponível no site http://www.corredorliterario.com.br.

Espaço de arte Pretérito Perfeito

O editor da Revista Aisthesis, estudioso de Estética, escritor e curador, Jorge Anthonio e Silva, convida para inauguração do seu novo espaço múltiplo de arte, chamado Pretérito Perfeito .
Onde pretende fazer lançamentos de livros e encontros poéticos, com leituras, e performances .

Inauguração: 29/10/05, das 9h as 16h
.

Com a exposição de Ex Votos: Matéria de Fé.
São cerca de 200 peças, como cabeças, pés, braços, olhos, dedos, pênis, cavalos, bois, torsos, casas.

Endereço: Largo do Arouche, 99 - Local 20.
São Paulo -SP


Quebre a perna, Jorge!

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

TRADUÇÕES

Sculpture de Nouvelle-Irlande.Uli.XVIIIe-début du XIXe siècle.Nord de l'île centrale, Nouvelle-Irlande.Bois.H. 150 cm.Collectée par Franz Boluminski, 1908. Anciennes collections Museum für Völkerkunde de Leipzig, Alain Schoffel.Musée du quai Branly
SUMÁRIO DE TRADUÇÕES PARA O PORTUGUÊS (COM LINKS)*
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por Lauro Marques


André Breton
Uli
Plus que Suspect
D. H. Lawrence
Search for Truth
Ezra Pound
Alba



Radiohead
Pyramid Song
Samuel Menashe
Promised Land
Pity us
T. S. Eliot
Ash-Wednesday (fragment)
W.B. Yeats
Aedh wishes for the Cloths of Heaven

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Nietzsche - Ecce Homo, uma obra peculiar dentro da biografia de N.

Adquira o livro no site da Companhia das letras:http://www.companhiadasletras.com.br/
(Novas atualizações a este post serão adicionadas, até um ponto limite, que não sei o certo. O ensaio como forma - Adorno)

Uma versão desse post foi publicada na Revista Bula, Goiânia, 26/10 a 01/11/2005, com boas fotos e uma charge de N.

Ecce Homo é uma obra peculiar dentro da biografia de N. Ele a escreveu pouco antes de perder a lucidez. Freud a estudou como um "caso clínico". Em algumas passagens, N. extrapola no auto-elogio, "Shakespeare e Goethe não saberiam respirar nessas alturas". Alguns chegam mesmo a classificar o volume como "pós-filosófico". E no entanto, o livro nos deslumbra com várias passagens poéticas e altamente dignas de ser pensadas, como em todos do filósofo alemão. Tal como esse parágrafo em que ele discorre sobre a maneira de reconhecer a vida que vingou:

"Um homem que vingou faz bem a nossos sentidos; ele é talhado em madeira dura, delicada e cheirosa ao mesmo tempo. Só encontra sabor no que é salutar; seu agrado, seu prazer cessa, onde a medida do salutar é ultrapassada. Inventa meios de cura para injúrias, utiliza acasos ruins em seu proveito; o que não o mata o fortalece. De tudo que vê, ouve e vive forma instintivamente sua soma: ele é um princípio seletivo, muito deixa de lado. Está sempre em sua companhia, lide com homens, livros ou paisagens: honra na medida em que elege, concede, confia. Reage lentamente a toda sorte de estímulo, com aquela lentidão que uma larga previdência e um orgulho conquistado nele cultivaram – interroga o estímulo que se aproxima, está longe de ir ao seu encontro. Descrê de “infortúnio” como de “culpa”: acerta contas consigo, com os outros, sabe esquecer – é forte o bastante para que tudo tenha de resultar no melhor para ele.”

A tradução é de Paulo César de Souza, Cia. das Letras, São Paulo, 2001, 25-26.
Não parecem as palavras de um homem louco. A não ser que a loucura seja uma forma extrema de sanidade.

Há também muitas curiosidades nesse livro: não deixa de ser cômico imaginar N. percorrendo Roma, em vão, à procura de um lugar “não-cristão” para hospedar-se; ou a afirmação, suprimida da edição após sua morte, de que “a verdadeira objeção” à idéia de eterno retorno eram sua irmã e sua mãe! A quem ele chama de “vermes venenosos”: “Crê-me aparentado a tal canaille seria uma blasfêmia à minha divindade”, diz. Quando se pensa no que a irmã fez depois com sua obra, chegando ao ponto de falsificar cartas atribuídas a ele, associando-o ao nazismo, deve se dar toda razão a Nietzsche por essas investidas contra a família.

Outro fato curioso é que N. tinha certeza que descendia de nobres poloneses, mas a pesquisa genealógica demonstrou a sua origem totalmente germânica. É mais fácil encontrar passagens elogiosas aos judeus em seus livros, do que a favor do alemão médio da época – um tipo que N. desprezava profundamente, e em relação ao qual se considerava um "antípoda".

N. promoveu um ataque feroz à "cultura" alemã e o que esta, segundo ele, havia produzido até então de pior: o idealismo "tornado um instinto" nos alemães. Kant não era filósofo de fato, nem sequer era "profundo". "Os alemães acham-se inscritos na história do conhecimento apenas com nomes ambíguos, jamais produziram senão falsários 'inconscientes' (– Fichte, Schelling, Schopenhauer, Hegel, Scheiermacher merecem o termo tanto quanto Leibniz e Kant; não passam todos de 'fabricantes de véus' [Scheiermacher] –)."

Ninguém é perfeito. N. odiava a "cerveja alemã", duvidava da máxima "in vino veritas". Um copo de vinho servia, segundo ele, para lhe estragar todo o dia. Estranho para um "fervoroso" "seguidor" de Dionísio. A explicação no entanto não tem nada de "metafísica", mas vem a ser meramente fisiológica. O filosófo da Gaia Ciência tinha o estômago fraco.

Há toda uma seção dedicada à culinária e, mais uma vez, serve para espinafrar a cozinha alemã, as carnes excessivamente cozidas. N. escreveu a favor e contra o vegetarianismo. Todas esssas observações, demasiado humanas, tinham no entanto um lugar na sua filosofia, cujo mandamento era olhar para o homem e não procurar por nada cuja elucidação não pudesse ser encontrada aqui mesmo na terra.

Em Ecce Homo ele faz a autocrítica (e o autoelogio) de todos os seus livros anteriores, passando-os em revista. "Eis o homem" é a frase com a qual Pilatos apresenta Cristo aos judeus. ("Crucifica-o, Crucifica-o", responderam, tendo-o visto, os príncipes e os ministros dos sacerdotes, de acordo com o episódio citado no Evangelho de São João). No posfácio a esse volume, da edição das obras de N, pela Cia. das Letras, o tradutor afirma que, com essa obra, N. fez para si mesmo os louvores que gostaria de ter ouvido , durante toda a sua vida, e não escutou de ninguém. E no entanto, mal começara ele a ser lido e admirado, à epoca que terminou de escrever o livro, e já incita a todos na introdução, citando passagens do Zaratustra, que o abandonem, e encontrem a si mesmos. E conclui ele dizendo: "Somente quando me tiverem todos renegado, retornarei a vós".

Nisto consiste o "anti-cristianismo" de N. “Nunca adules teu benfeitor”(a frase é de Buda, citado em A Gaia Ciência). Apesar de falar às vezes como um pregador, N. afasta a possibilidade de ser ele o fundador de uma religião. Escreve Ecce Homo antes que alguém tenha a má idéia de atribuir-lhe algo parecido. Ele também ensinou a “filosofar com o martelo”, usando o instrumento como um diapasão, capaz de constatar a existência de deuses-ídolos ocos. Ele nunca foi santo. “Costumo lavar as mãos após o contato com pessoas religiosas”, afirma. Ao cristianismo, “essa recusa de viver tornada religião”, opõe o amor-fati, amor ao destino, amor de si mesmo. Dionísio contra o crucificado.

Continua... Talvez.



Lauro Marques

PARA IR ALÉM: Leia-se esse excelente ensaio "Ecce homo: um livro quase homem", de Alexandre Mendonça -Mestrando do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, nos CADERNOS NIETZSCHE 4 (Maio 1998)

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

ESTÉTICA, PRAGMATISMO & SEMIÓTICA –UMA FILOSOFIA DA ARTE PEIRCEANA

Lauro José Maia Marques
(TEXTO DA PALESTRA A SER APRESENTADA NA 8ª JORNADA DO CENEP -CENTRO DE ESTUDOS PEIRCEANOS. 28 DE NOVEMBRO DE 2005. LOCAL: PUCSP, AUDITÓRIO - RUA JOÃO RAMALHO, 182 – TÉRREO. HORÁRIO: 8 ÀS 18 HORAS. POSTERIORMENTE SERÁ PUBLICADA NO CADERNO DA JORNADA.)


Resumo: Este artigo resume tese de doutorado, cujo objetivo foi desenvolver uma reflexão sobre a obra de arte, baseada em Charles Sanders Peirce. Buscamos aplicar conceitos extraídos da Fenomenologia, Estética, Semiótica, e Pragmatismo, para a construção dos fundamentos de um modelo teórico sobre arte, não desenvolvido pelo próprio autor, mas que se encontra potencialmente na sua vasta obra.

Abstract: This paper summarizes a thesis, which specific purpose was to develop a reflection about the work of art, found mainly in Charles Sanders Peirce’s Phenomenology, Semiotics, Aesthetics, and Pragmatism. In this thesis, we have tried to show evidence of an implicit Philosophy of Art in the author’s vast work.


A tese de doutorado, cujo resumo apresentamos, de forma sucinta aqui, nasceu de dissertação de mestrado anterior (Marques 2000), onde nos deparamos pela primeira vez com a Filosofia e a Estética de Charles Sanders Peirce ―seguindo de perto os passos do trabalho original e inspirador, desde então, desta pesquisa, da Profa. Dra. Lucia Santaella (1994, 1992). Baseamo-nos, naquela ocasião, principalmente, no interrelacionamento apontado por Santaella, da Estética com a Ética peirceanas. Vimos também que isso indicava um ideal estético da Razoabilidade crescente, concretizado em existentes, o qual se desenvolvia quando incorporado nas construções artísticas.

A questão da razoabilidade da arte, no entanto, permaneceu nos intrigando. Qual seria exatamente essa razoabilidade? Como a arte poderia cumprir a sua função no Summum Bonum? Peirce, ele mesmo, deixou apenas algumas pistas como resposta. Num dos poucos textos manuscritos em que ele se refere, de maneira mais ou menos direta a essa questão, ele afirma que: “a Qualidade estética” parece ser a “impressão total inanalisável de uma razoabilidade que se expressou numa criação. É um puro Sentimento, mas um sentimento que é a Impressão de uma Razoabilidade que Cria” (Peirce 2003: 230).

No decorrer de nossa pesquisa fomos lançados a realizar antes de tudo, um estudo da Fenomenologia peirceana: a primeira quase-ciência da Filosofia [i]. Esta, para Peirce, começa no estudo das categorias, que são as mais Universais que existem: Primeiridade, Secundidade, Terceiridade. Desses três conceitos básicos derivam uma Estética, Ética, Lógica (ou Semiótica) e até mesmo uma Metafísica cosmológica. E não só. Na verdade, como expomos no início do Capítulo 1, essas são também “as categorias de elementos formais integrantes de todo e qualquer fenômeno” (CP 1.284).

Esse primeiro capítulo era para ser introdutório dos conceitos básicos de qualquer estudo, e, portanto, para o desenvolvimento daquilo que estávamos propondo chamar de uma “Filosofia da Arte peirceana”. Tal Filosofia, expliquemos, seria evidenciada a partir não só do que Peirce elaborou sobre a Estética, como já havíamos tratado antes. A Filosofia da arte deveria se valer de todos os ramos da Filosofia peirceana. Demos à nossa investigação o nome de Filosofia da Arte, para deixar claro que nosso interesse era uma aplicação de aspectos parciais da Filosofia de Peirce, ao estudo da produção e interpretação de obras de arte. E não da Estética no sentido mais amplo, que pode levar, dentro da Filosofia peirceana, a caminhos os mais diversos, todos eles interessantes.

Partiríamos daí, dos conceitos extraídos dos vários ramos da Filosofia peirceana, e de sua interconexões, para uma discussão sobre obras de arte, dentro da proposta de entender um pouco melhor como elas poderiam contribuir para o crescimento da Razoabilidade, segundo afirmava Peirce. A passagem há pouco citada, em que Peirce se refere à “Qualidade estética”, como uma “Impressão”, já indicava que nosso primeiro capítulo teria de ser sobre a Fenomenologia. Uma vez que os termos Qualidade, Impressão, e Sentimento são praticamente sinônimos, e ocorrem, principalmente, nessa parte de sua Filosofia.

No CAPÍTULO 1, FENOMENOLOGIA DA ARTE: apresentamos as três categorias, Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, nos seus traços essenciais de qualidade, reação e mediação. Delineamos, em seguida, uma distinção entre sentimento e sensação ―dois conceitos basais para a arte e o estudo filosófico desta. Em uma acepção, sentimento é uma qualidade de “senso interno”; isto é, de consciência imediata (CP 1.307), sem nenhuma atribuição a qualquer objeto que seja, e “de si mesmo”. Ou seja, independente de alguém experienciá-lo. Nessa acepção é qualidade de sentimento. Uma “qualidade em si mesma” é o que está na base de toda nossa experiência, embora não possamos atentar para ela. É uma pura qualidade antes de estar incorporada em qualquer coisa que seja. É uma mera potencialidade abstrata. Ela existe ainda que ninguém de fato a perceba. Seu Ser consiste em que é uma Possibilidade (CP 1.422). Experiências de Primeiridade Pura só podem ser concebivelmente imaginadas.

Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion.1944.Oil and pastel on hardboard.each panel 145x128 cm.The Tate Gallery, London
Já a sensação é um “senso de externalidade”; é o que está no início de um sentimento; sendo, portanto, um acontecimento, como por exemplo, o ato de ver um objeto vermelho. Na percepção, as qualidades ganham generalidade. Qualidades de sentimento, como uma cor vermelha, só podem ser reconhecidas como idéias gerais, reflexionadas. Isto é, prescindidas dos objetos. Idéias gerais associadas numa forma são “sentimentos vivos” (CP 6. 138). Os sentimentos que experienciamos em uma obra de arte podem ser rememorados e sentidos de forma subjetivamente intensa e continuar agindo sobre nós, muito tempo depois de as termos visto, escutado, lido, ou tocado.

A partir dos conhecimentos adquiridos até esse ponto, em nossa tese, e já principiando a introduzir elementos de Semiótica, analisamos um trecho de Peirce, que se revelou uma verdadeira chave de compreensão para outras passagens suas quando se refere à apreciação de obras de arte. Notemos que, na grande maioria das vezes, Peirce se refere a pinturas, quando especula sobre arte. Isso se refletiu também no nosso trabalho. As nossas análises foram baseadas principalmente em pinturas. Trata-se de uma redução que fizemos da Arte como pintura ―ou da “Pintura como Arte”, parafraseando título do livro de Wollheim (2002)— dentro de uma proposta de um modelo exploratório, esperando que venha a ser desenvolvido melhor por outros autores.

Peirce compara a obra de arte, um poema, uma sinfonia, e, por último, uma pintura, detendo-se nessa última, a um argumento. Ele afirma que: (1) assim como num argumento, o “efeito total” de uma pintura “está além do nosso reconhecimento”. Mas, (2) “nós podemos apreciar em alguma medida a Qualidade resultante de partes do todo” (EP2: 194, ênfase acrescida). O que significa isso em termos de um argumento, é que este pode ser avaliado criticamente, através da construção e observação de um diagrama, o qual representa a hipótese do argumento em questão. E através da observação do diagrama, por meio de uma reflexão, que fazemos sobre ele, ao perceber as relações entre as suas partes, a conclusão fica imediatamente clara.

Indo mais longe na analogia da obra de arte como um argumento, e guardadas as proporções, dissemos, então, que há um momento perceptivo da contemplação das qualidades de uma pintura, em que desapareceria a distinção entre a pintura, como um objeto existente, e as suas qualidades materiais corporificadas nesse signo ―e nesse momento, contemplaríamos a Qualidade resultante de partes do todo da pintura. Nesse momento contemplaríamos uma idéia geral, que se formou a partir da associação com outras idéias, na percepção. O primeiro efeito disso na mente de quem experiencia uma pintura, é um sentimento (interpretante emocional do signo). Tudo que podemos dizer a respeito da Qualidade total de uma pintura é através de uma reflexão sobre as qualidades que compõem as suas partes. Em certo sentido, é assim que podemos avaliar criticamente uma obra de arte.

Seguindo nesses argumentos, nossa abordagem baseou-se na experiência estética como sendo primeiramente uma questão de detectar propriedades estéticas, as quais podemos perceber numa obra, por meio de um exame atento daquilo que há nela, e de nos deixar guiar por suas relações, e pelas associações que daí surgem. Essas propriedades são qualidades reflexionadas, idéias gerais, propriedades intrínsecas, discriminadas do objeto e abstraídas de sua ocorrência individual. Propriedades que podem ser expressivas, incluindo os predicados emocionais, desde que exista uma base objetiva para o predicado. Quer dizer, desde que seja uma propriedade do objeto, que nos compele a um tipo de sentimento, ou interpretante emocional, quando atentamos para esse objeto. Quando uma idéia de algo, por exemplo, ser “repugnante”, surge a partir da experiência que temos de uma obra, o primeiro caráter dessa apreensão é o interpretante emocional. O reconhecimento dessas idéias, na mente, de ordem lógica, é em função de um interpretante lógico, que já é um pensamento, de natureza conjectural, ter se formado na percepção.

Qualidades estéticas, para Peirce, são quaisquer “simples qualidades de totalidades [idéias gerais] incapazes de corporificação completa nas partes, cujas qualidades podem ser mais fortes e decididas em um caso que em outro” (EP2: 201, ênfase acrescida), em si mesmas, não são nem boas nem más. O que significa dizer simplesmente, que há certa autonomia do objeto, em relação à sua recepção. Só quando atribuímos valor, dizendo de uma obra, que “é boa”, é que adquire uma função normativa, de algo a ser buscado. O fato de ser significativa é que torna possível o julgamento de valor estético que ela “é boa”.

Agora, o modo como as qualidades presentes nos objetos se combinam, em se tratando de signos artísticos, não-naturais, deve ser um meio para a realização do propósito envolvido na fabricação de uma obra de arte. Será através desse exercício de perceber e abstrair (contemplando as idéias, que se formam, por associação, com o que percebemos na pintura) que poderemos apreciar em alguma medida a qualidade total presente na obra; e nos aproximarmos, talvez, da “intenção” do artista.

A “intencionalidade” do artista, sabemos, é assunto polêmico. A apreciação da obra, para o artista, como boa, deve se dar em relação a algum propósito; isto é, se a qualidade que estava lutando ―inclusive com o material― para exprimir foi atingida ou não; e essa questão vai ser respondida de acordo com a maneira como ele próprio será afetado (cf. CP 2.81). Essa qualidade procurada não pode ser mais do que uma vaga noção na mente do artista. A avaliação da obra, como já dissemos, só pode ser feita através da apreciação da Qualidade resultante de partes do todo, sendo efetuada durante todo o processo criativo. Segundo o que diz Wollheim (2002:43), em uma pintura o olhar é o elemento imprescindível para essa avaliação. Em qualquer caso, seja qual for a intenção do artista, algo é trazido à luz, algo que “exibe afinidades com o que a mente outorga alguma aprovação” (EP1: 261). Isto é o que caracteriza o trabalho do artífice, segundo Peirce.

Do ponto de vista da obra de arte em processo semiótico, ela é uma representação (signo) capaz de criar seu próprio interpretante; isto é: uma interpretação de si própria, considerada em respeito ao seu conteúdo. A intenção do artista, de qualquer forma que isso se manifeste, deve ser inseparável da finalidade ―ou como prefere Ransdell (2002: 21), do télos inerente ou “direcionalidade”― em si da obra de arte.

No CAPÍTULO 2, SEMIÓTICA DA ARTE: Desenvolvemos melhor essas hipóteses a respeito da tendencialidade da obra de arte em gerar seu próprio interpretante, e a apreciação da Qualidade resultante de partes de uma pintura, a partir de um caso concreto.

HOPPER, Edward - Nighthawks. 1942. Oil on canvas. 30 x 60 in.The Art Institute of Chicago
Agora num nível maior de Terceiridade, na leitura de uma obra, em relação ao primeiro capítulo, procuramos evidenciar como raciocínios, a partir da percepção, podem se dar dentro da nossa observação de uma pintura: Notívagos, do pintor norte-americano Edward Hopper, tomada como estudo de caso, refletindo sobre o modo como o próprio pensamento, e sentimento, combinar-se-iam a partir da percepção das formas dessa pintura.

Aquilo que já sabemos, mistura-se ao que é percebido, através dos sentidos, e disso surge uma hipótese explicativa para o que vemos na tela. Isso, dissemos, seria suficiente, desde que haja um esforço de compreensão ―e também, obviamente, desde que haja algo, por mais vago que seja, sendo comunicado― para chegarmos a uma espécie de crença, ou aceitação de uma proposição, sobre determinado quadro.

Segundo Peirce, a generalidade “precipita-se sobre nós”, lenta e gradualmente, como o fluxo ininterrupto de um rio, ou à maneira de uma chuva de perceptos, “nos nossos próprios julgamentos perceptivos, e em todos nossos raciocínios” (CP 5.150). “Solidão”, no exemplo que demos, seria um conceito, interpretante lógico, uma idéia geral, como uma generalização de um sentimento, o que envolve uma associação de idéias na mente, pois se trata de um sentimento difundido, que se generaliza e ganha forma numa idéia geral, a partir da percepção do quadro de Hopper. O primeiro caráter, ou efeito disso em nossa mente, já dissemos, seria um interpretante emocional. A consequência disso é que um hábito de sentimento (que é também uma idéia geral) teria se formado em nossa consciência, a partir de tal generalização. O sentimento vivo de solidão, uma “perceptiva idéia geral” (cf. 6.143), seria uma “Qualidade resultante total” da pintura de Hopper. O sentimento conectado a isso, seria o primeiro possível efeito característico dessa pintura: o seu quale; a sua Impressão de Razoabilidade, que a torna significativa. Solidão e todas as idéias conectadas a isso dentro de um continuum infinito de idéias.

Daí nossa hipótese, levantada no segundo capítulo, de que a obra de arte poderia ser considerada um signo contribuindo para um argumento. Esse entendimento da obra de arte como um argumento, que já havíamos indicado em passagem anterior de Peirce, possibilitaria também compreendê-la como fazendo parte daquelas entidades que contribuem para o aumento da Continuidade sígnica, que é outra forma de Peirce descrever o Crescimento da Razoabilidade. Os artistas contribuem para esse ideal estético e ético apresentando objetos e idéias razoáveis, que sejam expressivas do “fato” ―algo que, ao cabo, é Real, como o “fato” da solidão é Real. Tanto quanto o branco, sobre branco, ou o orvalho, ou o amargo do orvalho branco são.

Na segunda metade do capítulo 2, antes mesmo de adentrarmos novamente a Estética Normativa elaborada por Peirce, como havíamos planejado, acrescidos agora de muito mais poder de fogo para análise, ainda assim, tentamos antes definir melhor a espécie de julgamento que fazemos sobre uma obra de arte. Isso nos levou a debater as idéias que vínhamos desenvolvendo a partir da Semiótica, contrapondo ao que Monroe Beardsley (1981) chamou de os problemas na Filosofia do Criticismo: a descrição, interpretação e avaliação crítica de obras. O último ponto, sendo mais crucial, relacionado ao julgamento de valor (de mérito ou demérito) estético, que, segundo Beardsley, seria também afirmação normativa.

Nessa parte aprofundamos a concepção semiótica da obra de arte, como um signo complexo, capaz de gerar seu próprio interpretante. No sentido de que se poderia sempre, em princípio, entender seu poder significante por meio de um exame do signo e, após uma inspeção detalhada, descobrir-se dentro dele elementos significantes do que ele próprio é um interpretante (Ransdell 2002: 9).

O mais importante é que o objeto, aquilo que a obra representa, faz sua aparição através da obra artística, funcionando a obra como uma representação do objeto. Ela pode ser um meio para a revelação ou apresentação de muitas coisas diferentes, em muitas maneiras diferentes. O objeto pode também ser de qualquer grau de complexidade (Ransdell 2002: 9-10).

Agora, como algo unificado, que se formou a partir da coalescência de partes díspares, a obra de arte deve possuir um caráter unitário. E é através do interpretante emocional (sentimento) que podemos primeiramente nos certificar desse caráter (uma qualidade) alcançado pela obra como um todo, por maior que seja seu nível de complexidade interna.

Unidade é um padrão estético e uma virtude a ser possuída por uma obra, segundo Beardsley (1981: lxi). Mais do que isso, unidade, em uma experiência, seria parte do que faz disso uma experiência estética. Dos outros dois padrões, propostos por Beardsley, que discutimos no capítulo 2, complexidade e intensidade de qualidade, unidade parece ser o mais importante. Também do ponto de vista da obra de arte considerada como uma representação, porque pressupõe algum controle crítico.

Ransdell (2002: 11-12) considera, de modo análogo a Beardsley, que aquilo que é produzido como arte, deve ser acessado em termos de uma “produção artística ou satisfação estética”, associado com “valores distintivamente estéticos”. O que significa, para ele, “avaliar as obras produzidas [...] porque a experiência delas tem intensidade, atratividade, e uma irresistível presença que as torna de extraordinário valor indiferentemente de outra crença sobre a sua função” (Ransdell 2002: 12, ênfase nossa).

Agora, alguma intensidade de qualidade é esperada de uma obra de arte. Não importando qual seja a qualidade ―se é alegre, triste, jubilosa ou rancorosa. É preciso ter em mente que uma qualidade pode ser atrativa independentemente de ser “agradável” ou “bela”. A qualidade pode ser desagradável, dependendo do objeto que está na origem da semiose e que está sendo revelado através da obra. Uma qualidade desagradável pode ser atraente, e portanto “satisfatória” ou prazerosa ―do ponto de vista do prazer estético, porque produz um sentimento concordante com o desenvolvimento da obra, por exemplo o sentimento despertado pela pintura de Goya ou de Bacon.

Isso trouxe consequências quando fomos analisar melhor a distinção dual da Estética Normativa, segundo Peirce, entre sentimentos prazerosos e não prazerosos, na última parte do capítulo. Em uma das suas últimas formulações, Peirce afirma que a Estética é “a ciência das condições de idéias atrativas e repulsivas” (EP2: 378, ênfase acrescida). Prazer ou desprazer são sentimentos secundários concomitantes e conseqüentes de uma percepção complexa (de uma imagem ou idéia). A Estética, ainda segundo Peirce, debate acerca dos sentimentos de prazer ou desprazer conforme ela sela com a sua aprovação (com o prazer) na percepção de imagens ou idéias. Portanto embora a Estética, para Peirce, como aventamos também nesse capítulo, em si mesma, não faça nenhum julgamento, ela está fornecendo um critério para uma avaliação crítica, uma “afirmação normativa”, de acordo com Beardsley (1981: 9).

Porém mais importante ainda, a nosso ver, Peirce está também apontando para a possibilidade do julgamento acerca do valor de idéias ou imagens em geral, e de obras de arte em particular, ser fundado na percepção. Essa conclusão nos levou a, no último capítulo, evidenciar esse caráter perceptivo da Estética Peirceana, ligado a uma atratividade das idéias, ao mesmo tempo em que retomamos alguns pontos, os quais havíamos deixado no capítulo anterior, sobre a modificação dos hábitos de sentimento, a partir da experiência estética das obras de arte.
Goya, Francisco.Saturn.c. 1821-1823.146 x 83 cm.Oil on plaster remounted on canvas.Museo del Prado, Madrid

No CAPÍTULO 3, PRAGMÁTICA DA ARTE: pudemos encarar com novos olhos a Estética peirceana, na compreensão da Razoabilidade da arte. Uma obra de arte é feita com o intuito de ser percebida, contemplada, experienciada, interpretada, de alguma forma. De fato, o primeiro intérprete da obra de arte é o seu próprio produtor. Agora, uma vez realizada a obra artística, em que o intérprete é um ser em potencial, ela é, por sua própria natureza interna de signo, algo que aspira a ser compreendido (interpretado). Afinal, como diz Peirce (EP2: 388), “Para que servem os signos? Eles servem para comunicar idéias”.

Várias das caracterizações do terceiro ramo da Semiótica, ao qual ligamos esse nosso último capítulo, a Metodêutica ou Retórica, dadas por Peirce apud Bergman (2000: 225, grifos nossos), vão no sentido de caracterizá-la, como estando devotada “ao estudo da transmissão do significado através dos signos, e às maneiras pelas quais um signo dá vida a outro” (CP 1.444; CP 2.229; NEM 4:331). Peirce também fala frequentemente do caráter “dialógico” do pensamento (um exemplo primordial de semiose, a ação dos signos) e chega mesmo a definir o signo como “um meio de comunicação”. As idéias que somos capazes de perceber numa obra crescem e se desenvolvem na mente, elas são “realidades vivas”.

O pragmatista, segundo Peirce (EP2: 388), “aceita como verdadeiro” que o Summum Bonum é o crescimento contínuo da Razoabilidade―“potencialidade da idéia”. E “a função própria do ser humano é dar corpo a idéias gerais em criações artísticas, em utilidades e, sobretudo, em cognição teorética” (CP 6.476). “Um processo gradual, que envolve uma realização de idéias na consciência do homem e em suas obras, e que tem lugar graças à capacidade do homem para aprender, e pela experiência continuamente precipitando sobre ele idéias que ele não tinha ainda adquirido” (CP 5.402, n. 2).

O modo como a obra de arte pode realmente comunicar alguma coisa é através da formação de hábitos de sentimentos, algo que envolve já mediação. Essa consideração passou a ocupar uma posição central dentro da nossa compreensão da Estética peirceana como uma teoria da formação deliberada de hábitos de sentimentos, como descrevemos em detalhes nesse capítulo final.

O prazer estético emerge a partir da constituição de um novo hábito de sentimento. Hábito que se formou ao longo de um processo de associação de idéias na mente de quem experiencia uma obra. Hábitos de sentimento correspondem a idéias gerais. Um hábito, ou “um conceito”, segundo Barnow (1989: 172), envolve essencialmente a relação mútua de sentimentos. “Um intervalo finito de tempo contém em geral uma série inumerável de sentimentos”. E quando esses sentimentos “se fundem numa associação”, como já foi dito, “o resultado é uma idéia geral”, cujo primeiro caráter da idéia que assim resulta “é que se trata de um sentimento vivo” (6.137-8, grifos nossos). Esse caráter é o que torna um hábito capaz de dar início a uma resposta.

Hábitos de sentimento podem ser desenvolvidos, através de um envolvimento crítico com as obras. O que envolve percepção e esforço, surpresa e imaginação. Nenhuma nova associação, nenhum novo hábito surge sem isso. Perceber, para Peirce, é fazer uma hipótese sobre aquilo que vemos. A única diferença disso para um pensamento é que essas inferências que fazemos a partir da percepção não são controladas. Sentimentos se forçam sobre nós e nos estimulam a pensar.

A experiência estética, no contato real que podemos ter com as obras de arte, deve ser causadora de alguma forma de resistência, a qual irá suscitar, por sua vez, naquele que experiencia, uma ruptura, e, por meio de esforço e reflexão, um novo hábito de sentimento poderá vir a ser formado. Se, como diz Potter (1967: 20), hábitos podem ser alterados, modificados ou rejeitados em termos do choque da experiência e “entender a idéia de uma obra de arte é mais como ter uma nova experiência” (Langer 1980: 259), então, novos hábitos podem ser adquiridos através da experiência estética; ao ficarmos expostos, em todos os sentidos da palavra, à ação das obras de arte.

A experiência, para Peirce, é cognitiva. Isto é, ela é um efeito na consciência produzido por algum objeto ou evento atual. “Experiência significa apenas aquilo, cuja natureza é cognitiva, que a história de nossas vidas forçou sobre nós” (CP 5.348)[ii]. Esses são os “efeitos sensíveis”, ou seja, “experienciáveis”, que, em termos semióticos, formam o interpretante dinâmicodo signo.

Começamos a tentar entender o significado de uma obra de arte, a partir de uma série de exercícios internos, provocados por uma experiência externa. O que implicará sempre, como de fato fazemos quando desejamos compreender melhor o sentimento “razoável” ou a “impressão de razoabilidade”, provocada pela experiência de uma obra, numa atividade da consciência (interna). A qual, se intensificada por um esforço submetido ao autocontrole ―empenho que poderíamos classificar como sendo todas as nossas tentativas de esclarecer o significado de uma obra de arte, durante, ou após, ficarmos expostos à sua ação, o que poderia incluir inclusive escrever sobre isso, e também todas as leituras, palestras, discussões, ou seja, todas as mediações da heterocrítica, que podemos supor, além disso, fazendo parte de nossa bagagem cognitiva, no momento em que conjecturamos sobre o significado de uma determinada obra ―resultará em novos hábitos, os quais irão influenciar o comportamento externo: Isto é: como iremos reagir diante de outras obras ou eventos no futuro.


Referências Bibliográficas

BARNOUW, Jeffrey (1989). The place of Peirce’s esthetic in his thought and in the tradition of aesthetics. Peirce and value theory: on Peircean ethics and aesthetics. Amsterdam: John Benjamins, p. 155-178.
BEARDSLEY, C. Monroe (1981). Aesthetics – Problems in the philosophy of criticism. Indianapolis-Cambridge: Hacket.
BERGMAN, Mats (2000). Reflections on the role of the communicative sign in semeiotic. Transactions of the Charles S. Peirce Society. Vol. XXXVI, nº 2, p. 225-254.
LANGER, Suzanne K. (1980). Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva.
MARQUES, Lauro J. M. (2000). A estética pragmaticista de C. S. Peirce. Dissertação inédita de mestrado, PUCSP.
PEIRCE, C. S. (1931-58). Collected papers of Charles Sanders Peirce. Charles Hartshorne, Paul Weiss e Arthur Burks (eds.), 8 vols. Cambridge: Harvard University Press. As referências indicam o número do volume e do parágrafo: (CP 1.1).
PEIRCE, C. S. (1976). New elements of mathematics. Carolyn Eisele (ed.), 4 vols. The Hague: Mouton. As referências indicam o volume e o número da página: (NEM 4: 239).
PEIRCE, C. S. (1992). The essential Peirce 1. Nathan Houser et al. (eds.). The Peirce edition project. Bloomington, Indiana: Indiana University Press. As referências indicam o número da página: (EP1: 1).
PEIRCE, C. S. (1998). The essential Peirce 2. Nathan Houser et al. (eds.). The Peirce edition project. Bloomington, Indiana: Indiana University Press. As referências indicam o número da página: (EP2: 1).
PEIRCE, C. S. (2003). Manuscrito 310.1-14. Conferências sobre o pragmatismo – Conferência V. Tradução, apresentação e notas de Lauro José Maia Marques. Cognitio – Revista de Filosofia. Vol. 4, nº 2, p. 227-231.
POTTER, Vincent G. (1967). On norms and ideals. Amherst: The University of Massachusetts Press.
RANSDELL, Joseph (2002). The Semiotical conception of the artwork. Caderno do First Advanced Seminar on Peirce’s Philosophy and Semiotics. Centro de Estudos Peirceanos, COS-PUCSP, p. 05-28.
SANTAELLA, Lúcia (1992). A assinatura das coisas. Peirce e a literatura. Rio de Janeiro: Imago.
SANTAELLA, Lucia. (1994). Estética: de Platão a Peirce. São Paulo: Experimento.
WOLLHEIM, Richard (2002). A pintura como arte. São Paulo: Cosac & Naify.

____________________________

[i] Servimo-nos em grande parte, nesse ponto, de uma monografia realizada para a disciplina “A Interpretação das Aparências: As Raízes da Semiótica na Fenomenologia”, ministrada pelo Prof. Dr. Ivo Assad Ibri, no curso de Comunicação e Semiótica da PUCSP, 1º semestre de 2001. O fato de termos cursado essa disciplina nos chamou a atenção para a importância de um maior aprofundamento na Fenomenologia peirceana, como uma forma de tornar mais clara a compreensão da Semiótica ―e também da Estética― de C. S. Peirce.
[ii] Todo o conteúdo da consciência, “a inteira manifestação fenomenal da mente”, para Peirce, é cognitivo (CP 7.591; CP 5.311; CP 5.313).

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

8º Encontro Internacional sobre Pragmatismo

8º Encontro Internacional sobre Pragmatismo
8th. Meeting on Pragmatism

7 a 11 de novembro -PUCSP


PROGRAMAÇÃO PRINCIPAL - CONFERÊNCIAS
7 de novembro de 2005 - segunda-feira
19h - Abertura

lançamento da Cognitio 6(2) e homenagem aos patrocinadores
Profa. Dra. Sonia Campaner
Chefe do Departamento de Filosofia - PUC - SP
Prof. Dr. Antonio José Romera Valverde
Coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia PUC - SP
Prof. Dr. Ivo Assad Ibri
Diretor do Centro de Estudos do Pragmatismo - PUC-SP e Coordenador do 8º Encontro Internacional Sobre Pragmatismo
Prof. Dr. Edelcio Gonçalves de Souza
Coordenador do 8º Encontro Internacional Sobre Pragmatismo

20h - 1ª Sessão
Conferência de abertura Prof. Dr. Carl R. Hausman

The Penn State University - Estados Unidos da América
A Semiótica de Charles Peirce Aplicada à Percepção: O Papel dos Objetos Dinâmicos e dos Perceptos na Interpretação Perceptiva

Debatedor Prof. Dr. Ivo Assad Ibri
PUC-SP
Moderador Prof. Dr. Antonio José Romera Valverde
PUC-SP

8 de novembro 2005 - terça-feira
19h - 2ª Sessão
Palestra Prof. Dr. Cornelis de Waal

Indiana University - Estados Unidos da América
A Ciência Além do Eu: Observações Sobre a Epistemologia Social de Charles S. Peirce

Debatedores Prof. Dr. Lucia Santaella
PUC-SP
Prof. Dr. Maria Eunice Gonzalez
UNESP - Marília
Moderador Prof. Dr. Mariana Broens
UNESP - Marília

9 de novembro 2005 - quarta-feira
19h - 3ª Sessão
Palestra Profa. Dra. Claude Imbert

École Normale Supérieure - França
Lógica e Cognição: Um Movimento na Direção de uma História Diagramática da Lógica

Debatedores Prof. Dr. Lauro F. B. da Silveira
UNESP - Marília e Centro Universitário "Eurípides" de Marília
Prof. Dr. Elias Humberto Alves
Unicamp e Faculdade São Bento
Moderador Prof. Dr. Edelcio Gonçalves de Souza
PUC-SP

10 de novembro 2005 - quinta-feira
15h - 4ª Sessão
Palestra Profa. Dra. Claude Imbert

École Normale Supérieure - França
O Enigma da Pintura Moderna: Alguns Diagramas Cognitivos em Delacroix e Manet

Debatedores Prof. Dr. Lucrécia D'Alessio Ferrara
PUC-SP
Prof. Dr. Ricardo Fabbrini
PUC-SP
Moderador Prof. Dr. Lauro F. B. da Silveira
UNESP Marília e Centro Universitário "Eurípides" de Marília

19h - 5ª Sessão
Palestra Prof. Dr. Ciano Aydin

Radhoud University Nijmegen - Holanda
Além do Absolutismo e do Relativismo: Nietzsche e Peirce

Debatedores Prof. Dr. Peter Pál Palbert
PUC-SP
Prof. Dr. Antonio Edmilson Paschoal
PUC-PR
Moderador Prof. Dr. Maria Eunice Gonzalez
UNESP Marília

Encerramento
Profa. Dra. Sonia Campaner
Prof. Dr. Antonio José Romera Valverde
Prof. Dr. Ivo Assad Ibri
Prof. Dr. Edelcio Gonçalves de Souza

Informação geral: site do centro de estudos sobre pragmatismo
As manhãs e as tardes são reservadas às comunicações de estudantes e professores.

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

Revista Confraria #4


Salvem,

A revista Confraria #4 (www.confrariadovento.com) está no ar.

Leiam. Escrevam. Salvem-se. ISSN 1808-6276

(Percam-se. E encontrem-se.)

o brilho dos olhos vem
do jogo das idéias contrárias e
da incerteza da vontade, e
se desde cedo nossos sonhos
nos forem explicados – para que
andar a noite inteira?


- jean baudrillard

sábado, 8 de outubro de 2005

Um poema para mim

A Vera amiga manda-me um poema, para mim!
5 chopes + 2 taças de vinho depois, eu li.
O título eu mesmo dei.

OU...


Repatriado
na Repartição
pela poesia
entre linhas
o rigor
ou deixar-se diluir
na espuma dos chopes vespertinos?


Vera Bonnemasou

terça-feira, 4 de outubro de 2005

propaganda gratuita: jazz & bossa nova ao vivo

Todos os sábados a partir da 21h.

__________

PICCOLO
bistrot

Vinho, prosecco & co.

__________


Rua tucuna, 689, perdizes
Fone: (11) 3872 1625
São Paulo - SP

terça a sexta, sábado 12h às 15h e 19h30 a 1h


Cozinha ítalo-suíça

English spoken
Si parla italiano
On parle français
Wir sprechen deutsch.

Norte e Sul em Nietzsche


14.10.03 Atualizado hoje
Lauro Marques
(Para Maria Augusta)

Nietzsche nasceu no leste da Alemanha, em Röcken (de 170 habitantes!), a 250 km a sudoeste de Berlim, na parte onde ficava (recentemente) a ex-alemanha oriental. Depois dos 34 anos, doente, "ele tende a passar o verão nos Alpes e o inverno na Riviera italiana e francesa. Vive entre o mar e as montanhas, adorando e ao mesmo tempo receando (por causa da vista) o sol do Sul. Como muitos alemães, antes e depois dele, Nietzsche viveu um caso de amor não correspondido com a Itália.
Foi em Gênova que ele viu pela primeira vez o mar. Metáforas marítimas são frequentes em suas obras, e ele se via como um Colombo do pensamento, a explorar mares perigosos e nunca dantes navegados. Mas fez apenas duas breves viagens marítimas: de Gênova a Sorrento e depois a Messina. Chegou a pensar em cruzar o Atlântico e viver no México, mas não foi nem sequer à Grécia, tão mais próxima em todos os sentidos." (Paulo César de Souza, Mais! 06/08/2000).

Em Gênova, "percorrendo algumas localidades em volta do golfo de Gênova – Rapallo, Sta. Margherita, Ruta, Portofino – , salta aos olhos por que essa região o fascinava. É um litoral alcantilado, com inúmeras pequenas enseadas, sobre as quais há terraços verdejantes que descortinam, a cada curva, uma paisagem deslumbrante. Junto ao mar há estreitas faixas de areias escuras e pedregosas, que os europeus chamam de praias. Nietzsche andava por esses montes horas a fio, sempre com uma caderneta onde anotava seus pensamentos. Várias de suas obras, como Aurora e A Gaia Ciência estão associadas a Gênova e seus arredores. O mar e o sol tinham que estar presentes, numa filosofia que exalta a sensualidade." (Paulo César de Souza, Mais! 06/08/2000).

O Norte pode ser lido como sinônimo de bravura, ou de altivez, ele dizia que era “um vento do norte para os figos maduros”. Mas também de morte. (Ou de uma melancólica amargura, como no poema de Jean Baudrillard, "Amarga /nas mãos enluvadas/ a luz artificial/ o Norte"). É para lá que ele volta, para Weimar, para então morrer. O sul é a felicidade. Para o sul, rumo à Itália do Norte, ele gostava de ir, e foi em Turim que escreveu Ecce Homo, finalizado apenas algumas semanas antes de mergulhar de vez na escuridão de sua doença, em que consta a seguinte passagem:
"Quando digo além dos Alpes, quero dizer apenas Veneza. Quando busco outra palavra para música, encontro somente a palavra Veneza. Não sei distinguir entre música e lágrimas, não sei pensar a felicidade, O Sul, sem um estremecimento de temor.

Junto à ponte me achava
há pouco na noite gris.
De longe vinha um canto;
gota de ouro orvalhando
sobre a superfície trêmula.
Luzes, gôndolas, música
Ébrio em direção ao crepúsculo...

Minha alma, um alaúde
por mão invisível tocado,
cantou para si, em segredo,
uma canção gondoleira,
trêmula de iridescente ventura.
Alguém a teria escutado?"


Fonte: O caso Wagner - Um problema para Músicos/Nietzsche contra Wagner- Dossiê de um psicólogo. Trad. de Paulo César de Souza. Cia das Letras, 1999, pp. 97-98.



Yachts Crowding Portofino Harbor.ITL0035 Corbis Royalty Free Photograph

In the South

On a crooked branch I sway
And rock my weariness to rest.
A bird invited me to stay,
And I sit in a bird-built nest.
But where am I? Far, far away.

The white sea stretches, fast asleep,
A crimson sail, bucolic scents,
A rock, fig trees, the harbor's sweep,
Idylls around me, bleating sheep:
Accept me, southern innocence!

Step upon step—this heavy stride
Is German, not life—a disease:
To lift me up, I asked the breeze,
And with the birds I learned to glide;
Southward I flew, across the seas.

Reason is businesslike—a flood
That brings us too soon to our aim.
In flight I rose above the mud;
Now I have courage, sap, and blood
For a new life, for a new game ...

To think in solitude is wise;
Singing in solitude is silly.
Hence I shall sing, dear birds, your praise,
And you shall listen, willy-nilly,
You wicked, dear birds, to my lays.

So young, so false, so full of schemes,
You seem to live in loving dreams,
Attuned to all the games of youth.
Up north—embarrassing to tell—
I loved a creepy ancient belle:
The name of this old hag was Truth ...


mais poemas de Nietzche

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Pascal

Pascal escreveu que "toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não terem sabido ficar quietos dentro de um quarto". Depois desse pensamento mundano (citado por Baudelaire, em um dos Pequenos Poemas em Prosa, XXIII - LA SOLITUDE), pensou melhor e chegou à conclusão de que "a causa de todas as nossas infelicidades consiste na infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal". Mas, talvez, sem querer, com a primeira frase, o sábio francês foi ainda mais profundo.

O pão da obra

Partir, quando já é tarde demais. E abandonar o que não pode ser abandonado. Entregar-se a uma causa perdida. E morrer de amor-próprio.

X quer saber como pode "aproveitar o talento" de Y. Ele não sabe que nenhum talento pode ser... (eu ia dizer, comprado...) e que só o que é inútil dura?

Lauro Marques

terça-feira, 27 de setembro de 2005

A Beleza é Difícil, Yeats

Mais um velho post, atualizado hoje.
2.2.04 "A Beleza é Difícil, Yeats"

The Lady with the Monkey.This drawing was done as part of the series, Six Drawings Illustrating Theophile Gautier's Romance Mademoiselle de Maupin by Aubrey Beardsley published by Leonard Smithers and Co., London, 1898.

Da dificuldade de falar da beleza. Li há pouco O caso Wagner — Um problema para Músicos/Nietzsche contra Wagner ― dossiê de psicólogo. É um dos melhores que já li de N. Cito na tradução de Paulo César de Sousa:
"Pulchrum est paucorum hominum" [o belo pertence a poucos]. Mau! Nós compreendemos o latim, e compreendemos também nosso interesse. O belo tem seus espinhos: nós o sabemos. Logo, para que beleza? [...]
No que toca arrebatar as pessoas, isto já se relaciona com a fisiologia. Estudemos sobretudo os instrumentos. Alguns deles convencem até as entranhas (— eles abrem as portas, para falar como Händel), outros encantam a medula espinhal. A cor do som é decisiva; o que soa é indiferente. É esse o ponto que devemos refinar! Por que nos desperdiçarmos? Sejamos, no timbre, característicos até à loucura! Nosso espírito ganhará o crédito, se os nossos timbres insinuarem enigmas! Exasperemos os nervos, acabemos com eles, utilizemos raio e trovão! ― isso arrebata...
[...] A beleza é difícil: cuidado com a beleza!... mais ainda com a melodia! Injuriemos, meus amigos, injuriemos, se de fato vemos como sério nosso ideal, injuriemos a melodia! Nada mais perigoso que uma bela melodia! Nada corrompe mais certamente o gosto! Estamos perdidos, caros amigos, se voltam a ser amadas as belas melodias!...
Princípio básico: a melodia é imoral. Demonstração: Palestrina. Aplicação prática: Parsifal. A ausência de melodia chega a santificar...
E eis a definição de paixão. Paixão ― ou a ginástica do feio na corda da inarmonia. ― Ousemos ser feios, caros amigos! [...] O "peito dilatado" seja nosso argumento, o "belo sentimento" nosso porta-voz. A virtude prevalece até mesmo em relação ao contraponto. "Como não seria bom aquele que nos faz melhor?", assim raciocinou desde sempre a humanidade! Então melhoremos a humanidade!― é o meio de tornar-se bom (de tornar-se até mesmo "clássico" ― Schiller tornou-se "clássico"). A procura pelo baixo excitamento dos sentidos, pela assim chamada beleza, tirou o nervo aos italianos, continuemos alemães! [...] Não admitamos jamais que a música "sirva à recreação"; que ''distraia"; que "dê prazer". Jamais devemos dar prazer! Estamos perdidos, se houver um retorno da concepção hedonista da arte... Isto é péssimo século XVIII... Contra isso nada seria mais aconselhável, diga-se de passagem, que uma dose de ― hipocrisia, sit vênia verbo [com o perdão da palavra]. Isso empresta dignidade.
[...]


Fonte: Ensaio de Wagner, Religião e Arte em O caso Wagner, § 6, Cia das Letras, 1999.

Ao mesmo tempo, reencontrei simultaneamente e ao acaso, com minha esposa, um livrinho de poesia chamado A Beleza Difícil, coletânea de Hopkins, na tradução de Augusto de Campos, cujos poemas (Carrion Comfort) e That Nature is a Heraclitean Fire and of the comfort of the Resurrection muito me influenciaram quando li a primeira vez num caderno de cultura há muito tempo atrás. Na epígrafe do livro: "'La beauté, A beleza é difícil, Yeats', disse Aubrey Beardsley,/ Quando Yeats lhe perguntou porque ele desenhava horrores" (Ezra Pound, CANTO LXXX).
Para ler mais:
Gerard Hopkins
Electronic resources related to G.M. Hopkins (1844-89) and his poetry

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Obras Reunidas de Roberto Piva

No dia 29 de setembro, quinta-feira, a partir das 19h (no Espaço Unibanco de Cinema - Rua Augusta 1475), acontecerá lançamento de Um Estrangeiro na Legião, volume I, das Obras Reunidas de Roberto Piva, publicadas pela Editora Globo.

O primeiro volume conta com posfácio de Cláudio Willer. O prefácio e a organização da edição é de Alcir Pécora.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Federico García Lorca

Porque o Metro agora empresta livros; porque é primavera em São Paulo, apesar de não parecer; porque ninguém precisa de porquês, estou lendo a obra poética completa de Federico García Lorca. Esta manhã, um canto novo:

Cantos nuevos
Agosto de l920
(Vega de Zujaira)

Dice la tarde: "¡Tengo sed de sombra!"
Dice la luna: "¡Yo, sed de luceros!"
La fuente cristalina pide labios
y suspira el viento.

Yo tengo sed de aromas y de risas,
sed de cantares nuevos
sin lunas y sin lirios,
y sin amores muertos.

Un cantar de mañana que estremezca
a los remansos quietos
del porvenir. Y llene de esperanza
sus ondas y sus cienos.

Un cantar luminoso y reposado
pleno de pensamiento,
virginal de tristeza y de angustias
y virginal de ensueños.

Cantar sin carne lírica que llene
de risas el silencio
(una bandada de palomas ciegas
lanzadas al misterio).

Cantar que vaya al alma de las cosas
y al alma de los vientos
y que descanse al fin en la alegría
del corazón eterno.


...oooOOOooo...

Publicação original na Internet:
http://www.fut.es/~picl/libros/glorca/gl002100.htm#20

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

4 X BRASIL

Texto de Affonso Romano de Sant’Anna

(Conferência seminário 4xBrasil( 14.9.2005, Porto Alegre)- a ser publicada pela Ed. Artes e Ofícios.Objetivo: balanço do que ocorreu com o Brasil de 1960 para cá. Outros conferencistas: Fernando Gabeira, Nelson Motta, Luis Carlos Maciel)

No Palácio do Planalto em 2005 estão alguns dos guerrilheiros dos anos 60 e 70.
No Congresso Nacional em 2005 estão vários políticos que nos anos 60 cairam na clandestinidade.
O Presidente do Brasil em 2005 é um metalúrgico que nos anos 70 era líder sindical.
Estou começando a dizer o seguinte: a periferia chegou ao centro.
Estou começando a dizer o seguinte: os marginais de ontem chegaram ao poder.
Estou começando a dizer o seguinte: houve um giro de 180º nos acontecimentos e em nossas perspectivas. Somos num certo sentido uma geração privilegiada porque conseguiu ver e viver o verso e o reverso da medalha. Portanto, urge confrontar épocas e rever toda uma trajetória para nos perguntarmos: “ o que aprendemos até hoje?”(1).

Em 2003 Mick Jagger -o debochado cantor líder dos “Rolling Stones” foi condecorado “Cavaleiro” pelo príncipe Charles da Inglaterra. Aconteceu com a extravagante banda inglesa, o mesmo que ocorreu com os “Beatles” que, tendo desencadeado uma revolução na música e nos costumes, antes também foram condecorados pela Rainha. Naquele tempo dizia-se que os Rolling Stones estavam à esquerda dos Beatles. No entanto, acabaram igualmente no Palácio do Buckingham. O fato de Mick Jagger comparecer à cerimônia da condecoração de tênis, não o afirma a como um indivíduo da “margem”, mostra apenas que o tênis também foi coroado.

Lanço aqui aquilo que em propaganda se chama de “ teaser”- uma frase solta, um slogan prenunciando algo que vem depois numa maciça campanha publicitária. Ou seja: poderia intitular esta comunicação assim. “Da utopia à anomia”. Ou para tornar o texto academicamente mais impressionável e aceito: “Da utopia da modernidade à anomia da pós-modernidade”.
Mas começo falando de nossos iguais, de nós que viemos dos anos 60 e conseguimos, malgrado os obstáculos e nós mesmos, chegar até aqui. Muitos partiram antes. Como disse num poema :

“ Não era isto o combinado.
Eles estão se adiantando, os meus amigos.
Sei que é útil a morte alheia
para quem constrói seu fim.
Mas eles estão indo, apressados,
deixando filhos, obras, amores inacabados
e revoluções por terminar”( 2).

Estou me lembrando, por exemplo, do mítico Betinho, o sociólogo, o irmão do Henfil, o organizador do programa de combate à fome. Mas estou me lembrando do Betinho que era meu colega em Belo Horizonte nos anos 60, quando eu cursava a Faculdade de Filosofia da UFMG e ele a recém criada Faculdade de Ciências Econômicas, de onde saíram vários guerrilheiros, inclusive o saudoso Juarez Brito, com quem conversava sempre no bandeijão da universidade e que virou lugar-tenente de Lamarca e morreu metralhado ou suicidado no Rio.
Betinho é também uma metáfora do que comecei a dizer quando falei dos guerrilheiros no Palácio do Planalto, do presidente hoje que era líder sindical ontem, quando falei do rock enquanto marginalidade e poder.
O Betinho que nos anos 80 voltou de um longo exílio em vários paises, criou o IBASE lançou essa mobilização para combater a fome, foi nos anos 60 e 70 um maoista, que acreditava na revolução como forma de modificar de vez a história. Numa biografia de Betinho feita por Ricardo Gontijo – e para a qual fiz a orelha – há estórias muito pedagógicas, politicamente, sobre sua trajetória de um lado ao outro da experiência humana.
Não é só o Betinho. Olhem essas ONGs espalhadas pelo país. Quantas delas são geridas, quantas foram criadas por ex-guerrilheiros de ontem?
Teria ocorrido um giro de 360 graus da revolução ao assistencialismo?
A mudança estrutural de ontem teria sido substituída pela atuação apenas pontual?
Interessa-me menos qualificar essa modificação do que assinalar formalmente a mudança, uma mudança estrutural de comportamento e visão do mundo.

Ao dizer isto estou já me inclinando noutra direção, direção mais esclarecedora do que está embutido no que estou tentando desdobrar como raciocínio. E o que vou dizer, poderia ser resumido nesta frase: viemos de uma geração de utópicos.
Digo isto e lembro aquela outra frase que lancei anteriormente, meio aleatoriamente quando disse que poderia intitular essa apresentação de: “Da utopia à anomia”.
Começo então pela utopia.
Nossa geração foi criada dentro de uma ideologia utópica: a Modernidade. A Modernidade, aliás, como o Romantismo, são ideologias siamesas, utópicas. Romantismo e Modernidade acreditavam na História com H maíúsculo. Ou seja, na história segundo a visão não apenas marxista, hegeliana e cristã, mas numa História que, para usar uma expressão que tenho empregado em vários textos, caminha em sentido de flecha. Ela parte de um determinado lugar para chegar a outro. A História teria um desenho linear. Sai-se do Gênesis para o Apocalipse, onde nos espera, na catástrofe, a redenção. Os revolucionários marxistas colocaram dentro da catástrofe (ou conflito de classes) a criação do estado dialético onde teríamos a beatitude seráfica dos eleitos da História.
Neste sentido, a arte moderna, que irrompe mais claramente com os manifestos literários no princípio do século XX alardeiam a utopia, o progresso onde a máquina estaria a serviço do artista. (Alguns foram até mais radicais, o homem é que estaria a serviço da máquina, como foi satirizado por Chaplin em “Tempos Modernos”). A mitificação do progresso, constituído como motor propulsivo da história foi tanta, que para fazer logo uma paródia, e pela paródia, como pela charge, traçar melhor o perfil do que estamos dizendo, no Brasil, essa ideologia progressista da modernidade fez com que em qualquer vilazinha se encontre uma “Mercearia Progresso” “ Padaria Progresso”, “Alfaiataria Progresso”. Enfim, isto estava já no emblema de nossa bandeira positivista: “Ordem e Progresso”. (E ler os nomes de ruas, nomes de lojas, enfim as inscrições nos grafitos urbanos é desconstruir certa ideologia). Com efeito, os positivistas também modernos no seu tempo achavam que a história marchava em linha reta. Começava com estado Teocrático (no mundo primitivo) e terminava com o Estado Positivista, onde a razão seria a nova religião, não se sabendo muito claramente onde começava uma e terminava a outra.
Dois exemplos tautologicamente exemplares: Maiakovksly pela esquerda e Ezra Pound pela direita, personagens da vanguarda e do modernismo, ambos tinham uma visão utópica da história. No modernismo brasileiro, de novo Plínio Salgado, que antes de ser líder integralista era escritor pela direita ou Oswald de Andrade e Jorge Amado pela esquerda viveram essa utopia divergente.

Pois os anos 60 foram um período de recrudescimento utópico. A revolução cubana arrebatou toda a nossa geração. Até filósofos que deveriam ser mais sensatos, como Sartre, deixaram-se empolgar. No caso de Sartre, foi mais grave e radical, pois foi também maoísta.
E foi neste contexto que os que estão participando das rodadas dessa discussão surgiram. Lembro-me de Fernando Gabeira, por exemplo, no “Jornal do Brasil”, para onde chamou-me para trabalhar com ele no Departamento de Pesquisa, em 1967, antes de ele cair na ilegalidade e participar do sequestro do embaixador Elbrick. Lembro-me de tê-lo ido visitar na cadeia depois dos ferimentos e tortura. E com ele tenho continuado esse diálogo textual e literário desde seu retorno, quando publicou a autocrítica em “O que é isso, companheiro”, sobre o qual discorri no ensaio “ É isso aí, companheiro”(3).
Lá, naqueles anos e naquele jornal, também estava Nelson Mota (outro colega nestes debates), participando e ajudando a parir o movimento tropicalista e já participando do histórico programa Flávio Cavalcanti na TV Tupi. E Luiz Carlos Maciel, diretor de teatro já ia se configurando como guru, editando o jornal Rolling Stones, escrevendo livros não apenas sobre Sartre, mas tomando Marcuse e Norman 0’ Brown como seus gurus, aplicando-se a expandir o underground e outras formas de utopias marginais.
De minha parte, fazendo agora um depoimento, depois das experiências com os grupos de vanguarda e de ter participado do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE fui lecionar nos Estados Unidos; e na Califórnia, durante dois anos, vi de perto e vivi a utopia da cultura hippie, participei dos “ love-in” dos “teach-in”, das marchas contra a guerra no Vietnam, seja em São Francisco ou Los Angeles. Acho que posso até botar em meu curriculum que assisti até a um concerto dos Beatles em Los Angeles…

Sem complicar muito, como seria lícito fazer em linguagem acadêmica, quando se começa a falar de modernidade, criando uma parábola que sintetize vários pensamentos aqui embutidos, eu tomaria uma frase emblemática daquela época para começar a contrastar com o que ocorre nos nossos dias, esses dias em que uma insidiosa anomia parece nos grudar às sem-saídas do presente.
Daquelas frases de 68 inscritas nos muros de Paris, tomo uma: “É proibido proibir”. Como nos fascinava! Era a liberdade absoluta, uma resposta, na Europa, ao peso da tradição que engessava os estudantes na universidade e no sistema; no Brasil, na canção de Caetano num daqueles festivais, uma reação à censura imposta crescentemente desde 1964.
Essa frase lida hoje tem algumas lições a nos dar. Examinando-a do lugar onde estamos essa “É proibido proibir” deixa de ser uma frase libertária e utópica e passa ser uma frase igualmente autoritária, posto que ao enfatizar o “ proibir”, ainda que paradoxalmente, está reafirmando um centro, uma verdade única. É uma frase tão contraditória quanto aquela fórmula que vulgarmente se aplica à teoria da relatividade: “Tudo é relativo”. Então, podemos paradoxalmente raciocinar: a afirmativa “tudo é relativo” é uma afirmativa absoluta, absolutista, que nega a si mesma, tanto como a frase dos rebeldes jovens de 68 que, ao proibir a proibição remete gostosa e idilicamente para o paraíso, mas pode desencadear também a anomia, a entropia e o impasse.
No contexto em que estamos, quarenta anos depois, descobrimos que ao contrário de “é proibido proibir”, é também legal dizer “Não”, dizer “ Basta”. Diria, correndo todos os riscos de ser mal interpretado, que esta é uma das diferenças fundamentais entre aquele ontem e o este hoje.
Não é verdade que existe liberdade sem limites.
Não é verdade que existe revolução permanente.
Não é verdade que tudo é arte ou que arte seja qualquer coisa que qualquer pessoa chame de arte.
Enfim, não é verdade que qualquer coisa é igual a qualquer coisa.
Não é verdade que uma sociedade (que uma cultura) possa viver sem “valores” e sem um “cânone”. O que não significa que “valores” e “cânone” tenham que ser verdades pétreas. Como disse Whitehead: “a arte de uma sociedade livre consiste primeiro: em manter um código simbólico; e, depois, em não temer a revisão… As sociedades que não podem combinar a reverência aos seus símbolos com a liberdade de revisão hão de deteriorar-se no final”.
E é de revisão que venho falando há tempos.
E para ir ilustrando isto e retomando tanta coisa que tenho diluidamente dito em crônicas, poemas e ensaios, basta lembrar primeiro a famosa frase de um bandido famoso nos anos 70 -Lúcio Flávio. Como se verá, certas frases tiradas dos muros, tiradas da boca de marginais, podem ter a mesma força das frases formuladas por intelectuais e heróis consagrados. Dizia Lúcio Flávio, cansado de ser explorado pela polícia, que o encurralava e achacava para que distribuísse com ela seus ganhos, dizia ele, querendo restabelecer os limites das ações entre a polícia e os criminosos: “Polícia é policia, bandido é bandido”.
Bons tempos aqueles em que se pensava que polícia era polícia e bandido era bandido.
Bons tempos aqueles em que juiz era juiz e ladrão era ladrão. (Isto foi antes do juiz Nicolau e tantos outros).
Ilusórios tempos aqueles em que se pensava que havia limites entre o centro e a periferia, quando os revolucionários sonhavam que chegando ao poder criariam um novo Éden.

Recentemente publiquei um livro- “ Nós, os que matamos Tim Lopes”( Ed. Expressão e Cultura), onde reuni todas as crônicas sobre violência escritas dos anos 70 até recentemente. E uma delas tinha o profético título. “ A história de um país é também a história de seus bandidos”. E propunha que se fizesse uma história dos bandidos para que através desses marginais entendêssemos melhor nosso sistema. Os marginais não são outro sistema. São parte do sistema e metonimicamente o explicam.
Que se faça um estudo comparativo entre o bandido ainda romântico Lúcio Flávio e Fernandinho Beira-mar hoje. Que se faça um estudo sobre o artesanal jogo do bicho ontem e o intrincado comércio das drogas hoje. Que se faça uma análise de como a guerrilha colombiana acabou se misturando com o narcotráfico, e se terá uma noção mais nítida de como certos “valores” se metamorfosearam.
E aqui a chamada “pergunta que não quer calar”: o que a tragédia do PT tem a nos ensinar sobre isto tudo?

Devo esclarecer a essas alturas que nas entrelinhas do meu texto até agora existe um pensamento que tornarei mais explícito. Falo de estratégia epistemológica. Não se deve tentar pensar o confronto entre os anos 60 e os dias de hoje, sem um enfoque epistemológico. E esse enfoque exige que esclareçamos a partir de que ponto de vista emitíamos nossa visão do mundo ontem e a partir de que ponto de vista emitimos nossa visão de mundo hoje. É neste sentido, que ao situarmos a nossa geração como herdeira da utopia e da revolução artística e social, ao localizarmos aí uma ideologia visível e invisível que configurava nossas ações, torna-se necessário esclarecer que ideologia está a nos envolver hoje, para que saibamos criticamente nos comportarmos em relação a ela.
É aí que entra a questão da pós-modernidade. É aí que entra o papel da arte como metáfora ilustrativa de nossos impasses e perplexidades.
Se tomarmos os movimentos que surgiram em torno dos anos 60: a Bossa Nova, o Teatro de Arena, o Centro Popular de Cultura, o Opinião, as Neovanguardas, o Tropicalismo, o Cinema Novo, veremos que eram iniciativas programáticas, com manifestos e idéias apriorísticas. Estão dentro do espectro da modernidade, quando se acreditava na História e no sujeito histórico.
Em torno da década de 80, configura-se mais nitidamente algo que, para uso acadêmico, passaram a chamar de pós-modernidade. Algo que teve aí o seu apogeu, representado sobretudo pelas artes plásticas. Quem acompanhou os debates acadêmicos ouviu insistentemente dizer sobre “a morte da arte”, a “ morte do sujeito”, a “morte do romance”, e tantas outras mortes, a exemplo da “ morte da história”. Tornou-se exemplar disto a afirmativa daquele pensador da CIA que decretou “a morte da história”. Morte da qual, com a maior desfaçatez, depois de ter provocado polêmicas em toda parte, já se arrependeu, produzindo um outro texto dizendo que havia se equivocado.
Há algum tempo venho insistindo numa cantilena de
que precisamos rever a modernidade e a pós-modernidade para iniciarmos um outro tempo ou pelo menos para purgarmos nossos erros e fantasmas de ontem. O livro “Desconstruir Duchamp” foi mais uma tentativa nessa direção. Aí, tomando a arte como metáfora sintomal vejo que as últimas décadas têm sido caracterizadas na arte e em nossas vidas por uma ideologia que privilegia o instantâneo no lugar do projeto; que privilegia a quantidade no lugar da qualidade; que cultua a aparência e o brilho como valores em si; que incita ao supérfluo; que oferece mais o verniz da visualidade do que a imersão na leitura; que louva a marginalidade e a falsa marginalidade; que cultua o lixo como luxo; que impõe o globalizado sobre o nacional e o regional e que cultiva o indivíduo narcísico sobre o social participativo. É como se a utopia se tivesse transformado numa eutopia. Mas a eutopia, aqui não no sentido grego, do “Eu” como sinônimo do “ bom”, mas numa cultura do “ego” enredado apenas em seus fantasmas.
Essa cultura da alienação do sujeito, da isenção de responsabilidade, onde a cópia vale tanto quanto o original tem sua metáfora magnífica no filme de Jorge Furtado- “O homem que copiava”. Os personagens não têm qualquer valor ético, os indivíduos são simples objetos metonímicos e o falso passa por verdadeiro. E aqui, ainda que de passagem uma anotação: não se trata de recair na antiga concepção estática e cêntrica de falso e verdadeiro.Trata-se, isto sim, de observar que ao mesmo tempo que o conceito de falso e verdadeiro faz parte de uma construção conceitual, isto não significa que o falso e o verdadeiro se equivalem, que sejam valores que se anulem.
Esta cultura chamada de pós-moderna nos trouxe também essas multidões sem rumo, das quais os recentes happenings chamados “ flash mob” foram um sintoma. Grupos de pessoas correndo daqui para ali, sem qualquer sentido, porque se decretou que a vida não tem sentido, que a arte não tem sentido, que a vida social não tem sentido, ignorando com essas afirmativas, que esse “não sentido” define já um sentido. Iludem-se ao dizer que “nada tem sentido” que podem escapar à análise. É semelhante à tolice dos que apregoaram o fim “das grandes narrativas”, sem se darem conta que esse discurso sobre o fim das grandes narrativas é uma “grande narrativa” e, como tal, pode ser analisada, desde que se tenham elementos epistemológicos eficientes para a análise do discurso.
No campo da arte dá-se mal entendido semelhante: tornou-se moda com a chamada “arte contemporânea”(nome totalmente impróprio) os artistas se apresentarem como “antiartistas” ou “não-artistas”. Deste modo produzem ”antiarte” e “não-arte”, mas ocupam esperta e hipocritamente o espaço que é da arte: os museus, galerias e livros de história da arte.
É um mal entendido conceitual e linguístico. É como se uma pessoa pelo simples fato de se declarar invisível, passasse a ser invisível. A pós-modernidade exacerbando experiências da arte conceitual acabou enredada no ilusionismo e naquilo que Baudrillard denuncia como um jogo de simulacros.
É como se vivêssemos uma época em que o discurso se descolou totalmente de sua contraparte, o real, como se tivesse se tornado significante puro. Isto pode ser muito estimulante para debates acadêmicos, mas em termos existenciais e sociais é uma alucinação discursiva.
Por isto, terminando, é que insisto no termo anomia. Digo “ anomia” e vou ao dicionário me entender: “1.ausência de lei ou regras; anarquia. 2. Estado da sociedade no qual os padrões informativos de conduta e crença têm enfraquecido ou desparecido..3. Condição semelhante em um indivíduo, comumente caracterizada por desorientação pessoal.ansiedade e isolamento social. 4. Med. perda da faculdade de dar nome aos objetos ou coisas ou de reconhecer e lembrar seus nomes”.
Em muitos casos chegamos a um estágio de anomia ética e estética. A vida artística e a vida política e social mostram isto. Mas entrever essa anomia não significa ficar paralizado diante dela. Há instrumentos para analisá-la, diagnosticá-la. Daí que tenho proposto insistentemente (vejo outros intelectuais no exterior na mesma linha), uma revisão do que foi a modernidade e a pós-modernidade, como uma forma de, nomeando, configurar o sentido até mesmo do não-sentido.
Chegando ao fim desta apresentação, talvez pudesse terminar com palavras que usei recentemente ao participar de um seminário em Santiago do Chile (11-12 de julho), patrocinado pelo CEPAL, onde havia uma preocupação semelhante a esta aqui: queria-se entender os caminhos e descaminhos percorridos pelo Brasil e pelo Chile entre 1960 e hoje. Ali, evidentemente tracei outro percurso de idéias. Mas terminei dizendo que o desafio comum que vejo para os intelectuais e artistas chilenos e brasileiros é nitidamente este: proceder à revisão urgente não apenas da década de 60, mas da modernidade e da pós-modernidade, não com os pés no retorno ao século XIX, mas com os pés no século XXI. Uma revisão impiedosa, que sendo uma autocrítica, seja um enfrentamento com os ídolos de ontem, porque a maior homenagem que se pode fazer a um contestador de ontem é contestá-lo hoje.
Com efeito, se olharmos a história da arte e do pensamento do século XX teremos, de certa forma, uma lúgubre imagem. Aí se falou exaustivamente da “morte da arte”, da “morte da poesia”, da “morte do romance”, da “ morte do homem”, da “morte do sujeito”, da “morte da história”, da “morte de Deus”. Enfim, essa sequência de mortes nos convence que o século XX é um cemitério, um vasto cemitério.
Façamos a autópsia desse século. Procuremos a “causa mortis” de tantas idéias e ideologias. A ordem é recomeçar. Já dizia Nietzsche o genial suicida e coveiro de tantas idéias, que só pode haver ressurreição onde houver morte. Não se trata, portanto, de regressar, mas de recriar algo novo que com o novo século se inicia. Mas para que isto se faça é preciso fazer o

EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX



Affonso Romano de Sant’ Anna



1.Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.

2.Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.

3. Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux-vômica

4. Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado, empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

5.Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.

6.Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.

7. Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas, sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro
a custo aproximou.

8.Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

9.Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno.
Século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
-já vai tarde.

10.Foi duro atravessá-lo.
Muitas vezes morri, outras
quis regressar ao 18
ou 16, pular ao 21,
sair daqui
para lugar nenhum.

11.Tende piedade de nós, ó vós
que em outros tempos nos julgais
da confortável galáxia
em que irônicos estais.
Tende piedade de nós
-modernos medievais-
tente piedade, como Villon
e Brecht por minha voz
de novo imploram. Piedade
dos que viveram neste século
per seculae seculorum.


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1-Título de uma aula inaugural dada em meia dúzia de universidades na década de 90, analizando críticamente o século XX.
2- “Eles estão se adiantando”- in “O lado esquerdo do meu peito”Ed. Rocco, 1992, Rio
3. “Politica e paixão”.Ed. Rocco, 1984, Rio


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