domingo, 19 de dezembro de 2010
Dois poemas de Juan Gelman
Freira no ônibus – Juan Gelman
[Tradução Lauro Marques]
Entre homens e pacotes, diários envelhecidos,
caras secas, suores, bocas rancorosas,
envolta no silêncio de seu capuz pálido
a noiva de deus viaja com Cristo
sobre peitos que deram de comer a ninguém.
O ladrão – Juan Gelman
[Tradução Lauro Marques]
Na noite silenciosa e escura,
fugindo de toda presença humana ou animal,
evitando os ruídos, furtivamente rouba
fogo das palavras e palavras do fogo
para si, para todos, para o amor que não conhecerá
algum dia
e a cinza fria castiga suas mãos.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Sumário de Incertezas, à venda nas melhores lojas do ramo
http://www.confrariadovento.com/editora/livro27.htm
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22379071&uid
http://www.martinsfontespaulista.com.br/ch/prod/382160/sumario-de-incertezas.aspx
terça-feira, 16 de novembro de 2010
A Cidade a Travessa 19/11 na Casa das Rosas
À venda no site da editora, Livraria Cultura e Martins Fontes:
http://www.confrariadovento.com/editora/livro27.htm
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22379071&uid
http://www.martinsfontespaulista.com.br/ch/prod/382160/sumario-de-incertezas.aspx
domingo, 14 de novembro de 2010
Lançamento do meu livro no dia 19/11 na Casa das Rosas/SP
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Foto original da capa por James Emery |
Editora Confraria do Vento, 2010.
À venda no site da editora, na Livraria Cultura e Martins Fontes:
http://www.confrariadovento.com/editora/livro27.htm
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22379071&uid
http://www.martinsfontespaulista.com.br/ch/prod/382160/sumario-de-incertezas.aspx
Lançamento: 19/11 na CASA DAS ROSAS, Avenida Paulista, 37, das 18h às 22h.
Dentro do evento "Cidade a Travessa", promovido pela Editora Confraria do Vento.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Águas-fortes Portenhas
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Photo by Robert Ostmann |
que estava perdida na Biblioteca Nacional
chamando-a pelo nome de piso em piso
–até que a encontraram duas horas depois
com um formulário não preenchido de “investigadora” nas mãos e nenhum livro
(o que buscava era de 1891 e olhou para ele durante dois segundos antes de sair correndo para o cabeleleiro)–
eu lia “Poesia Vertical- Antologia Mayor” de Roberto Juarroz
na cápsula de tempo que é a biblioteca, misto de poesia vertical e horizontal, incrustada na cidadela que já foi de Borges
–enquanto embaixo corria em câmera lenta a metrópole portenha, com seus milhares de carros pretos e amarelos girando, continuamente girando, em círculos (que são para mim o verdadeiro símbolo dessa cidade), sempre indo e voltando, sem nenhum destino não pré-fixado: metade da frota é de táxis.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Bienal 2010
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Ninhos, Helio Oiticica (divulgação/Bienal) |
Gostei da Bienal 2010, muito melhor que a última (a do "Vazio"). Apesar do tema "Arte e Política", os que conseguem fugir da interpretação literal se saem bem. Achei algumas participações bastante interessantes e bem-humoradas, como o vídeo que mostra a performance de um grupo do Rio, montado num carro-pipa "lavando" as ruas com jatos de ..."sangue", e a reação das pessoas nas rua. Os curadores obtiveram sucesso no ponto em que obras dialogam o tempo todo com a poesia, a literatura, e as artes visuais, com destaque para a fotografia, e na homenagem a autores do passado, como Lygia Pape (num belo filme da época) e Hélio Oiticica, no ninho reproduzido na foto ao lado. Ainda não deu para ver tudo, preciso voltar logo.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Garrafas de cerveja _letra e música
Ecos sem sentido
No chão da sala
Quando pego na sua mão
Não de pelica,
Música do CD Canções de Ninar. Autor: Macacco (Alexandre Gurgel). Letra: Lauro Marques.
Haiku de primavera (atrasada)
De: Sumário de Incertezas, Lauro Marques. Editora Confraria do Vento, 2010 (no prelo)
domingo, 19 de setembro de 2010
Mário de Sá-Carneiro: Impressões domingueiras
Acrescento algo totalmente desnecessário a essa minha nota igualmente desnecessária, que não tem muito a ver com Sá-Carneiro mas com o "estado de ânimo" do parque naquele dia. O tal baile da terceiridade era uma das "atrações", comparável aos brinquedos para as crianças e os animais soltos, para os que de fora observávamos os velhinhos a entrar na casa - de onde saía uma animada música, contrastando com as figurinhas trêmulas que, rapidamente, e sem trocar muitas palavras, a espinha dobrada, entregavam determinada quantia ao homem, também de idade, usando um chapéu preto e camisa social, que fazia às vezes de porteiro e bilheteiro. Como a casa ficava numa parte baixa, as pessoas na parte alta do caminho que passava ao lado do salão de baile, paravam para olhar, algumas empurrando carrinhos de bebês, em roupas de "jogging", ou casais de meia-idade, por um momento sinceramente enternecidos com as imagens do passado (que para nós seria mais certo dizer futuro, mas que vemos como pertencentes a um tempo passado). Escutei uma garotinha dizer: "mas deve ser necessário ter uma certa idade", entre desejosa e precavida, de participar da "festa", que, como tudo mais no parque, tinha a aura de espectro.
__________
(1) - nome de um poema de MSC.
Nada me expira já, nada me vive ---/ Nem a tristeza nem as horas belas. /De as não ter e de nunca vir a tê-las, /Fartam-me até as coisas que não tive. //Como eu quisera, enfim de alma esquecida, /Dormir em paz num leito de hospital.../ Cansei dentro de mim, cansei a vida/ De tanto a divagar em luz irreal. //Outrora imaginei escalar os céus/ À força de ambição e nostalgia,/ E doente-de-Novo, fui-me Deus/ No grande rastro fulvo que me ardia.// Parti. Mas logo regressei à dor, /Pois tudo me ruiu.../ Tudo era igual: A quimera, cingida, era real,/ A própria maravilha tinha cor!// Ecoando-me em silêncio, a noite escura/ Baixou-me assim na queda sem remédio;/ Eu próprio me traguei na profundura,/ Me sequei todo, endureci de tédio.// E só me resta hoje uma alegria:/ É que, de tão iguais e tão vazios, /Os instantes me esvoam dia a dia/ Cada vez mais velozes, mais esguios...
Ver também o poema "Dispersão".
sábado, 18 de setembro de 2010
Segunda canção do homem tolo
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Foto de Okinawa Soba |
Longe silente
E vê o pelo ouriçar
Tu que não sentes
Enche o peito de ar
(Até um grito estourar)
Por entre os dentes
E gira em teu calcanhar
Tolo contente
Até o dia sangrar
Novo poente
E bebe o vinho dormente
E bebe o vinho dormente
De: Sumário de Incertezas, Lauro Marques. Editora Confraria do Vento, 2010 (no prelo)
domingo, 12 de setembro de 2010
Earth in beauty dressed
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Foto de mauroguanandi |
"Em beleza a terra vestida
Aguarda o retorno da primavera.
Todo amor verdadeiro deve findar,
Transformado no ápice
Em alguma coisa menor.
Prove que eu minto."
O poema no original completo:
terça-feira, 7 de setembro de 2010
O homem tolo - poema, antecedido de comentário à leitura de Ulisses
Limpo a poeira do Ulisses, traduzido por Antônio Houaiss. Poeira não. São grossas camadas pretas de poluição, gordura, e ácaro. Joyce diria: "Necrófago! Mascador de cadáveres!".
Leio a edição carcomida pelas traças, que traçaram umas curvas (algumas bem elegantes) por todo o livro. Com a caneta, sublinhando as frases que eu gosto. (Ou do estilo). E são muitas.
"Diz Maeterlink: Se Sócrates deixar sua casa hoje, encontrará o sábio sentado à sua soleira. Se Judas sair esta noite, é para Judas que seus passos tenderão. Cada vida são muitos dias, dia após dia. Caminhamos através de nós mesmos, encontrando ladrões, fantasmas, gigantes, velhos, jovens, esposas, viúvas, irmãos do amor. Mas sempre encontrando-nos a nós mesmos."
E de fato, a passagem remeteu-me para algo que escrevi antes. Eis que reencontro. O anti-Zaratustra. O sem força. O poeta, o bobo. O bufão que interrompe, através da parábase, o discurso do sábio. O último dos homens, talvez. Eu. Incipt commedia!
ÍNDICE DAS FRASES MAIS NOTÁVEIS DE ULISSES
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Foto da primeira edição (verdemuco) do Ulisses |
Pág. 8: “– Por Deus – disse sereno. – Não está o mar tal como Algy lhe chama: a doce mãe gris? O mar verdemuco.” (1)
Pág. 20: “O vazio espera certo todos os que tecem o vento.”
Pág. 73: “O senhor Dedalus olhou para a claudicante personagem e disse docemente:
– Que o Diabo lhe quebre o espinhaço.”
Pág. 362: “Estética e cosméticos são para o boudoir. Busco a verdade. Pura verdade para um homem puro.”
Pág. (*): .........................................................................
(*) Para respeitar a idiossincrasia de cada um, deixamos a cada leitor a tarefa de completar esta página.
________________________
(1)
domingo, 5 de setembro de 2010
Há pouco, velozmente, no Metrô
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Traffic, de riczribeiro |
Desfizemos nossas roupas e saímos nós, vestidos de noite. Há pouco, velozmente, no Metrô, estáticos, espalhamos átomos pelo mundo afora. Um hálito quente, a língua úmida, a queimar-lhes a nuca. Dois velhos de boinas, conversam contentes, segurando livros. Uma moçoila, com ares de estudante, também de boina, quase que “posa”. Uma velha gorda com a sacola de supermercado, distraída, pensa (?). Somos todos desesperados... Somos todos... desesperados... E a mulher bela, na propaganda de desodorante, sorri. Enquanto isso, eu, no canto contrário, sentado, componho o poema com o olho, pois sei que, no momento seguinte, esquecerei tudo.
NOTAS À MARGEM
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Minhocão, foto de Daniel Mitsuo |
Quer frase mais “Pessoana” do que essa? Ler é viver. E portanto, a maioria da população brasileira não vive, pois não lê. Não sei se quem pôs a faixa estava inteiramente consciente da crítica feroz que fazia à ignorância dos que, como eu, por ali cruzavam a rua, cumpridores da rotina diária, ruidosos ou em silêncio, a caminho de mais um dia na metrópole paulistana.
DIGNIDADE
Parei hoje para cumprimentar o vigilante que toma conta do prédio onde trabalho. Ele estava polindo as botas, sentado à cadeira do engraxate, que faz ponto na praça em frente do prédio. Fui dizer, apenas para ser simpático e ter algo para dizer, que eu também iria engraxar meus sapatos, um dia desses. Então ele me responde afirmando: “Já que vamos sair amanhã, resolvemos engraxar as botas”.
Confesso que de início não compreendi, o plural majestoso confundiu-me. Imaginei que ele, vaidoso, certamente planejava dar uma volta à noite, ou sair para uma festa ou quem sabe talvez um bar, após o trabalho, e queria por isso ver suas botas brilhando.
Como eu não havia entendido bem, fiquei surpreso quando ele me disse em seguida que este seria o seu último dia naquele emprego. Falei qualquer coisa para reanimá-lo e fui-me embora, sorrindo. Só agora, já em casa, quando tomo para mim mesmo essas notas solitárias, é que pude compreender a verdadeira dimensão do que ocorrera.
Ele chegara ao fim do contrato temporário de serviço como vigilante e o ato de polir as botas era uma maneira de demonstrar para si mesmo que ele era superior à sua própria desgraça. (Se as devolveu ou não, como imagino ser praxe nesses casos, é um mero detalhe que não afeta em nada a minha imaginação de sua superioridade).
Tinha razão portanto o plural majestoso, carregado de dignidade, daquele homem, que eu, para minha vergonha, na minha simplicidade, não pude perceber de imediato.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Dois poemas de Ezra Pound
O SOBRADO
Ezra Pound
Tradução Lauro J.M. Marques
Vem, apiedemo-nos daqueles que estão melhor que nós.
Vem, amiga minha, e recorda
que os ricos têm mordomos e não amigos,
E nós temos amigos e não mordomos.
Vem, apiedemo-nos de casados e solteiros.
A aurora entra com seus pezinhos
como uma dourada Pavlova*
E estou próximo ao meu desejo.
Não há coisa melhor no mundo
Que essa hora de claro frescor
A hora de despertarmos juntos.
INSTRUÇÕES POSTERIORES
Ezra Pound
Tradução Lauro J.M. Marques
Venham, minhas canções, vamos expressar nossas paixões mais básicas.
Vamos expressar nossa inveja do homem com um trabalho regular e nenhuma preocupação com o futuro.
Vocês são muito vãs, minhas canções.
Receio que terão um péssimo fim.
Vocês vagabundeiam pelas ruas, vocês demoram-se nas esquinas e paradas de ônibus,
Vocês não fazem quase nada.
Vocês sequer expressam nossas grandezas mais íntimas,
Vocês terão um péssimo fim.
E eu? Eu acabei meio alucinado.
Eu falei tanto com vocês, que as vejo quase à minha volta,
Insolentes animaizinhos! Libertinas! Desnudas!
Mas vocês, canções mais recentes do lote,
Vocês não são velhas o suficiente para terem causado muita injúria.
Eu trarei para vocês um casaco verde da China
Com dragões bordados.
Eu trarei para vocês as calças de seda escarlate
Da imagem do menino Jesus em Santa Maria Novella;
Para que não digam que nos falta o gosto,
Ou que não há ninguém casto nessa família.
_______________
(*) "Como uma dourada Pavlova" = Anna Pavlova, bailarina russa, nascida em São Petersburgo, a 31 de janeiro (segundo o calendário juliano) ou a 12 de fevereiro (pelo calendário gregoriano) de 1881 e falecida na Haia, em 23 de janeiro de 1931.. De talento e carisma excepcionais, fascinou o mundo da dança no fim do século XIX e na primeira metade do século XX. Seu extraordinário talento e suas interpretações extremamente pessoais deram um novo sentido ao balé clássico. Também era conhecida como Anna Pavlovna Pavlova. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anna_Pavlova
Texto original dos poemas:
Lustra, 1916.
http://www.archive.org/stream/lustrofezrpound00pounrich#page/n0/mode/2up
A POESIA É UM CENTAURO
“A poesia é um centauro”. Metade lógica, metade música.
“A faculdade clarificadora, pensante, de arranjar as palavras, deve se mover em conjunto às faculdades estimuladoras, sensíveis, musicais.”
Ezra Pound, Literary Essays of Ezra Pound, New Directions, New York, pg 52.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
SILENCIEMOS, POIS SIM, MAS NA LINGUAGEM
Agora ela é sua. Trate-a bem.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Hamlet e as ervas daninhas
Que mundo este! Oh! É um jardim inculto em que crescem as ervas bravas!
Ler com a “chave” do soneto 94 (*). Hamlet é uma erva daninha que cresce num maltratado jardim de lírios (a Dinamarca, o casal real, este mundo!), os quais, infectados por um tipo de mal (traição e assassinato do rei), fedem mais do que as ervas, quando apodrecem.
A vil erva vai turvar-lhes (ultrapassar-lhes) a compostura (dignidade).
Não fuga à vida, mas preparação para a morte.
_____________
(*)
Soneto 94
Eles que podem magoar, mas não, / não fazem coisas neles evidentes, / que movem outros e em si mesmos são / de pedra, imóveis, frios, reticentes, / herdam graças do céu, poupam primores / da Natura a desgaste e decadência, / de suas faces donos e senhores. / Outros são servos só dessa excelência. / Embora para si viva e pereça, / a flor do verão ao verão traz a doçura, / mas basta que se infecte e adoeça, / vil erva vai turvar-lhe a compostura. / Se há feitos que os mais doces mais azedem, / os lírios podres mais que as ervas fedem.
“Sonetos Completos de William Shakespeare”. Tradução de Vasco Graça Moura
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Dois poemas de Augusto Monterroso
Tomado de La letra e, México, Era, 1987.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
short lived like a butterfly
domingo, 11 de julho de 2010
MINIMUM RES (COISA MÍNIMA)
Em terra de cego, quem tem um olho só é semi-ótico.
Uma obra de arte é um signo. Como tal já é interpretação, antes mesmo de ser interpretada. Ela representa algo para um intérprete futuro. Esse intérprete futuro é virtual.
Signo de quê? Do objeto que “aparece” por meio da mediação que a obra de arte faz entre o objeto ―que não é individual, mas múltiplo, o universo “criado” pelo artista, algo que é “dado”, ou seja, “aparece” por meio dela― e um intérprete futuro. O primeiro intérprete desse signo assim “criado” sendo o próprio artista.
É interpretação, de algo anterior a ela, desde a origem, seja na forma de pintura, partitura, livro, filme, já é uma interpretação. Como se dá essa interpretação é que vai definir se ela é arte. É olhando para o produto “criado” que podemos emitir algum tipo de julgamento. Claro, há muita subjetividade envolvida nesse julgamento, mas ele não pode ser somente subjetivo.
Há uma objetividade na obra de arte que está na origem desta como um signo (algo que não vive numa esfera à parte, mas está sempre “grávido” de mundo, de um objeto). Uma pintura não deixa de ser arte quando se apagam as luzes do museu e não há ninguém mais para admirá-la. Ela “contém” algo.
Assim como uma pintura, uma partitura é um sistema de signos, que vai ser lido, “interpretado” por alguém. Obviamente ninguém “tira” Mozart de qualquer partitura Então há um ponto de partida para a música ―uma “ontologia da arte”― que vai ser executada depois, e isso é fixado por quem escreveu a partitura, uma pessoa, mil, não importa. O que importa é o produto.
ARTE É PROCESSO
A vida dos signos é “comunicar idéias”. Como um signo, uma obra de arte está sempre apta a uma interpretação. Essa interpretação é um signo mais desenvolvido, não no sentido de algo melhor, mas de que foi gerado pelo primeiro. A execução da música é um signo mais desenvolvido de uma partitura. Há arte em ambos, arte é processo. Está sempre em processo. Como tal não é “acabada” nunca.
Mesmo a arte conceitual precisa de objetos. Duchamp é o caso paradigmático. Affonso Romano de Sant'anna disse que não havia o que ver na última vez que Duchamp foi exposto em São Paulo. Segundo alguns críticos, os “objetos” de Duchamp não são obras de arte, mas reflexões sobre o fazer artístico.
No entanto, essas reflexões não existem apenas na cabeça de Duchamp. Elas ganharam uma forma, que não é ―nunca é― destituída de conteúdo. Algumas pessoas confundem as coisas e passam admirar somente as formas do urinol, sua “beleza estética”. Um artista que visitou a exposição confessou ao jornal que ficou emocionado porque fez girar com a mão a roda da bicicleta ―uma “cópia” da “original”, que foi jogada no lixo pela irmã de Duchamp, que, obviamente, “não entendia” nada de arte.
Dissemos que arte é interpretação. Mas qualquer coisa pode ser interpretada. Um banco de madeira não é simplesmente um banco de madeira. Ele inclui, no próprio processo de fabricação, a forma humana. Tem uma determinada altura, que é a altura que uma pessoa normal poderia se utilizar para sentar. Em alguns casos, pode ter um encosto para os pés. A forma é determinada pela função.
Do mesmo modo, uma roda de bicicleta. Nenhuma forma é destituída de conteúdo. As rodas da bicicleta têm uma função, são feitas para cumprir essa função, que é fazer com que a bicicleta se mantenha em pé e se movimente.
Duchamp pega esses dois elementos que não coexistem (na verdade são antípodas) e cria, reinterpreta, a partir de um conceito, que já é o surrealismo, um novo objeto, que é um “mix” de ambos: um banco de madeira, feito para sentar, que se move! (Ao fazer isso, ele “recria” a bicicleta, de cabeça para baixo, devolvendo uma característica de estranhamento ao que é considerado “normal”).
O “produto final” é também uma idéia ―mais do que nunca um signo, imaterial. Paradoxalmente, essa idéia precisa, como dissemos, de uma forma para se expressar. Não por acaso, os curadores das exposições ganharam destaque. São eles os responsáveis pela organização dessa forma, o que já fazem os museus. Os museus, as exposições, “reinterpretam” as obras, que já são interpretações. A arte morre ―é a tese de Hegel― para se tornar “filosofia da arte”. A História, no entanto, continua.
sábado, 3 de julho de 2010
He liked the dead/Ele gostava dos mortos
Nada evocava simplicidade.
Sua alma de medo nunca foi despossuída,
E, agora mesmo, por uma caneca de cerveja, três vezes seria vendida
Ele parecia desconhecer o amor, apreciar o pavor
Acima de todos os sentimentos humanos. Ele gostava dos mortos;
A grama para ele não era verde, sequer era grama;
Nem o sol era sol; a rosa, rosa; o fumo, fumo; a rama, rama.
Tradução: Lauro Marques
No Ruppert Broke, and no great lover, he
Remembered little of simplicity.
His soul had never beeen empty of fear,
And he would sell it thrice now for a tankard of beer
He seemed to have known no love, to have valued dread
Above all human feelings. He like the dead;
The grass was not green, not even grass to him;
Nor was sun, sun; rose, rose; smoke, smoke,; limb, limb.
sábado, 26 de junho de 2010
e.e. cummings
if you like my poems let them
Se gosta de meus poemas deixe-os
if you like my poems let them
se gosta de meus poemas deixe-os
walk in the evening,
caminhar à noite,
a little behind you
um pouco atrás de você
then people will say
aí as pessoas dirão
"Along this road i saw a princess pass
"Ao longo da estrada eu vi uma princesa passar
on her way to meet her lover(it was
a caminho de encontrar seu amante(era
toward nightfall)
perto do anoitecer)
with tall and ignorant servants."
acompanhada de servos altos e ignorantes."
ee cummings
lauro marques
sexta-feira, 25 de junho de 2010
AS POESIAS DE ANDRÉ WALTER
terça-feira, 22 de junho de 2010
O SILÊNCIO DO ASCETA (SEGUIDO DE UMA NOTA INTERCALADA)
– E quando não tiver mais nada para dizer? Ora, mergulhar no silêncio é uma tarefa muito fácil e agradável. Os sons e os ruídos que brotam como bolhas na superfície do pensamento, forçando-nos a agir, compelindo-nos a algum tipo de ação, como por exemplo, escrever ou falar, é que tornam difícil... viver.
E no entanto, o poeta está continuamente contradizendo o primeiro. É, na verdade, o seu contrário.
Ou antes, preferivelmente, seu complemento.
“– Pois tudo deve ser manifestado, mesmo as coisas mais funestas: ‘Infeliz daquele a quem o escândalo atinge’, mas ‘É preciso que o escândalo surja.’ – O artista e o homem verdadeiramente homem, que vive para uma determinada coisa, deve ter feito antes o sacrifício de si mesmo. Toda a sua vida não deve passar de um caminhar nesse sentido.
“Mas agora, o que manifestar? – Isso se aprende no silêncio.”
(Esta nota que segue entre aspas, em itálico e intercalada ao que escrevi é de autoria de André Gide, que a pensou em 1890, quando veio a lume o Tratado de Narciso – Teoria do símbolo – dedicado a Paul Valéry).
sábado, 19 de junho de 2010
O Privilégio dos mortos
COOL MEMORIES
“Cada pensamento é o último, cada anotação o traço do final, cada idéia não faz mais do que aparecer e desaparecer, igualmente a este planeta feito de auroras e crepúsculos sucessivos. Múltiplas parcelas de uma continuidade hipotética que não existe e que só se pode recuperar em filigrana, depois da morte.”
Para que uma idéia não cintile e desapareça no ar, é preciso que ela seja retida. Cada pensamento é o último. O escritor tem a consciência vívida da morte e que suas idéias comporão no futuro o retrato, máscara mortuária múltipla de si mesmo, dos seus muitos “eus”.
“TAL QUAL” – PAUL VALÉRY (TRADUÇÃO)*
Extraído de “TAL QUAL” – PAUL VALÉRY
Literatura
“A obra e sua duração
Todo grande homem entretém a ilusão que poderá prescrever alguma coisa ao futuro; é o que chamamos durar.
Mas o tempo é um rebelde, – e se alguém parece lhe resistir, se uma obra conserva-se à tona e flutua e não é propriamente deglutida – veremos sempre que é uma obra muito diferente daquela que seu autor acreditou ter deixado.
A obra dura na medida em que é capaz de parecer completamente diferente do que seu autor a havia realizado.
Ela dura por se haver transformado, e porque era capaz de mil transformações e interpretações.
Ou melhor, porque ela comporta uma qualidade independente de seu autor, não criada por ele, mas por sua época ou nação, e a qual adquire valor pela mudança de época ou nação.”
terça-feira, 8 de junho de 2010
Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague
Mostra que Godard nunca superou o complexo de filho abastado da classe média, enquanto que Truffaut, vindo de baixo, nunca precisou provar isso. Em uma sequência de "Beijos Proibidos", Truffaut manda um recado para Godard por meio do personagem Antoine Doinel, interpretado por Jean-Pierre Léaud (uma cria dos dois, que sofreu nas telas -e na pele- a separação de ambos): "Se for um acerto de contas, não pode ser uma obra de arte".
Opções estéticas e políticas separaram os dois. Truffaut foi chamado de mentiroso por Godard por ter segundo ele uma visão acrítica. A resposta de Truffaut foi que o artista nunca deve ficar atrelado às ideologias do momento. Talvez por isso os filmes de Godard pareçam datados enquanto os de Truffaut são vivos até hoje. Ele foi mais inteligente que Godard nesse ponto e Godard mais ingênuo, como parecem ingênuos seus panfletos marxistas-leninistas.
Godard sobreviveu como mestre metalinguístico e poeta das imagens, enquanto seu discurso envelheceu. E no entanto, a imagem final do documentário é a de Pierre Léaud em “Os Incompreendidos” de Truffaut: uma imagem angustiada e da inquietação juvenil que é o reflexo daqueles (bons) tempos.
domingo, 2 de maio de 2010
domingo, 25 de abril de 2010
Fotos do meu livro de poesia
Fotos do meu livro de poesia, a sair em junho pela editora carioca Confraria do Vento.
Foto original da capa por James Emery.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Filme em preto e branco

Anywhere out of the world!
― É melhor você aparar os pelos do nariz antes de falar com o capitão ― disse George.
Marcelo não via nenhuma razão naquilo. Em que diabos poderia isso afinal afetar serem aceitos ou não?
George mostrou o recorte de jornal: Navio de bandeira holandesa contrata tripulação por período determinado. Destino: Porto de Roterdã, com paradas em África e Europa. Requisitos: ser maior de idade e gozar de boa saúde física além de disposição para trabalhar no mar. Diversos postos e renumeração equivalente. Procurar o capitão do navio no porto da cidade.
Por via das dúvidas, Marcelo apanhou a tesourinha que lhe ofereceu George e enquanto mirava-se no espelho do banheiro ouvia George na cozinha preparando um lanche. George morava sozinho e tentava impressionar Marcelo com sua independência. A mãe cozinhava e mandava a comida para ele em tupperwares que eram consumidos semanalmente. Também semanalmente as roupas voltavam limpas e passadas a ferro. Marcelo nunca tinha preparado nem o café. George cortou uma salsicha em dois e jogou junto com a manteiga na frigideira fazendo subir um cheiro agradável.
Com as narinas aparadas, Marcelo sentou-se no sofá. Escutava um CD de uma coletânea de músicas de Eduardo Duzek. George chegou com a vitamina de leite com toddy e banana e o sanduíche que ambos repartiram.
― Tem essa passagem pela África ― lembrou Marcelo, um pouco sério, enquanto dava a primeira mordida no pão.
― Moleza ― disse George. ― Depois, velho mundo, meu chapa! Na primeira chance a gente desce e chispa... Vamos fumar maconha em Amsterdã!
Os dois eram magros, haviam acabado de entrar na idade adulta, brancos e esticados. George usava óculos e andava sempre com uma carteira de cigarros no bolso. Os dois eram companheiros de porres. Nenhum dos dois nadava.
― Eu sei que tem vaga na cozinha. Por isso falei para cortar o pelo. Higiene, cara, é fundamental ― falava George, o “rei da culinária” e da higiene.
Aquele era o dia que os dois iriam juntos até o porto. Marcelo achava que oportunidades assim só aconteciam em filmes, nunca na vida real. Já se via suando no porão do navio ou lavando o convés ou esticando cordas. (Não sabia bem porque, mas ele achava que o trabalho num navio deveria envolver, em algum momento, inevitavelmente, esticar cordas. Ainda que ele não tivesse a menor idéia do que afinal isso significava.) Ele tinha lido Kerouac e Hemingway e Baudelaire e Rimbaud. E todos falavam em fuga, todos concordavam que partir era a melhor, senão a única, solução. Anywhere out of the world! “― Seja onde for! Contanto que seja fora desse mundo”, não era o que diziam Baudelaire e os românticos?
domingo, 18 de abril de 2010
Revista celuzlose
Contém ainda um excerto do segundo volume (a sair) elaborado em torno da pergunta "O que é poesia?" feita a vários autores. Publicado na revista como um adendo à apresentação do primeiro volume, é importante ler o depoimento de Márcio-André. Segundo vaticina Márcio, mais do que nunca o que todos -fazedores de poemas ou não- desejam ser é o seu próprio poeta, "como fuga ao desencanto que se abate
em todas as instâncias da realidade institucionalizante".
Isso acaba levando a um beco sem saída, em que todos escrevem e poucos leem poesia. Porém será que de fato todos fazem poesia? Será que devemos chamar qualquer coisa de poesia? Ou será mera fuga à realidade institucionalizante? O que é poesia?
Revista Celuzlose
É preciso separar o joio do trigo. Poesia é profissão? Outra pergunta que surge na entrevista de Carlos Felipe Moisés, também na revista. Muitos fazem poesia, mas quantos podem ser chamados poetas?
E no entanto, quanto prazer quando descobrimos um poeta de verdade! Foi o que aconteceu comigo, quando "descobri", tardiamente, Juan Gelman e achei que deveria ler imediatamente toda sua obra publicada.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
AGUAS
Cualquer cosa enciende el poema:
la lluvia que cae sin preocupaciones de vecino. O:
¿por qué las maldiciones
brillan como diamantes en el día general?
Las bocas lloran hasta
el último color. Si me dejaran
solo, entraría
en las aguas al sol, dijo Almagro.
Juan Gelman in Valer la pena
(México, 1996-2000)
domingo, 28 de março de 2010
Juan Gelman _Otromundo: antología 1956-2007
Madrugada
Jugos del cielo mojan la madrugada de la ciudad violenta.
Ella respira por nosotros.
Somos los que encendimos el amor para que dure,
para que sobreviva a toda soledad.
Hemos quemado el miedo, mirado frente a frente al
dolor
antes de merecer esta esperanza.
Hemos abierto las ventanas para darle mil rostros.
sábado, 27 de março de 2010
quinta-feira, 25 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
O Kyklos Tou Nerou/O Ciclo da Água
por Angelique Ionatos - Album "Mia Thalassa" (Um Mar)
Mikis Theodorakis- Dimitra Manda- Angelique Ionatos
έτσι όπως κλείνει ο Κύκλος του Νερού
κι η μοναξιά μου μέσα του ανθίζει
Toda chuva traz uma música
encerrando o ciclo da água
que aflora minha solitude
Τέτοια στιγμή να ρθεις
που η μέρα σβήνει
στην αγκαλιά μιάς θάλασσας
γεμάτης μουσική
Chega a hora em que o dia termina
nos braços de um mar
cheio de música
sábado, 13 de março de 2010
Ainda intradoxos- o Mar
"[falar do mar é uma imposição do mar]"
...
"preferia ser herói do mar e é preciso pedir ao céu"
...
"o mar do sem música"
...
"Os ghindastes [dorsos de cavalos] bebendo do mar
e a chuva
este alaúde com cordas [também] de vidro
teia-cloro
À deriva"
...
E este que não tem a ver (ou terá?) com mar, que de tão "paulistano" deveria ser gravado nos trens que por aqui transitam, ao lado dos velhíssimos Camões:
"A incerteza dos esgotos
[urbe-uretra]
os sonhos subterrâneos do metrô
onde até os poetas têm cartão de ponto"
quarta-feira, 10 de março de 2010
Intradoxos-O mar
excepto o
mar" [Tudo caminha para o mar]
Fragmento de Intradoxos, um livro assombroso, de Márcio-André, um Ezra Pound carioca, da Confraria do Vento.
Como isso é verdadeiro! Como estão aguados de mar os poemas!
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Fim de Sumário de Incertezas
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Carnaval 2x4
Neste blog argentino pode-se baixar tudo: Taringa
Paludes
Pág. 11 ― Disse: Ah! você está trabalhando?
Pág. 107 ― Precisamos carregar até o fim todas as idéias que suscitamos.
Pág. 28 ― Bom para Paludes.
Pág. (*)
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(*) Para respeitar a idiossincrasia de cada um, deixamos a cada leitor a tarefa de completar esta página.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
3 poemas
O Poeta
Acostumar-se a este ofício
Que não é melhor, nem pior
A nenhum outro
Mas que é o único em que te sentes
Igual a ti mesmo e teus semelhantes
Com todas tuas garras e dentes
E preocupar-se com mais nada
A poesia
A poesia é um longo e interminável diálogo entre poetas, no qual se entra como num rio caudaloso. Igual perigo de afogar-se nessa corrente.
Buenos Aires (*)
Não sei quando voltaremos, Buenos Aires
talvez nunca, talvez esta noite, talvez nunca
quem sabe?
Talvez esta cidade seja como todo o resto
criado pelo imprecavido intento humano
de reinventar-se.
Talvez não seja mais que isso, uma breve ilusão
rodeada de praças bem ou mal iluminadas
Um labirinto efêmero em que se perder
e ao qual sonhamos, constantemente, reingressar.
_________
(*)Fiquei com medo de ter roubado o poema Buenos Aires de Borges ou de alguma coisa que li sobre Borges. O fato é que a figura do labririnto ---e do labirinto dentro do labirinto, penso no cemitério da Recoleta--- é inseparável daquela cidade. Estou carregando na minha mochila o volume 1 das obras completas do homem, em que consta "Fervor de Buenos Aires", primeiro livro (e de poesia) dele. Tinha lido antes e não tinha gostado, agora depois de ter conhecido BsAs passou a fazer outro sentido.